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20 DE OUTUBRO DE 1989 101

Resultado: o poder, de compra dos salários, na opinião insuspeita da máquina de calcular, comparativamente aos demais rendimentos, caiu, a partir de 1986, para valores de nível inferior aos anteriores a 1974! Não é, pois, sem razão que este Governo bate todos os recordes do tempo de greve!...
De resto, mesmo sem o rigor da máquina de calcular, ou sem a dura vivência da via-sacra das lojas e das praças, um pouco de familiaridade com o que se passa nos países mais à mão leva-nos a concluir que, nos últimos anos, os preços dos produtos essenciais, nomeadamente da alimentação e do vestuário - praticados em Portugal, se vêm nivelando pelos europeus, enquanto os rendimentos do trabalho, ou as prestações da Segurança Social, se situam entre três e cinco vezes menos.
É esta a dura realidade, em si indiferente ao crescimento dos grupos económicos e à especulação imobiliária ou bolsista, que não pagam o pão nem a renda da casa dos milhões de portugueses que vivem na fronteira da miséria, quando não no mais amargo dentro dela.
É aqui que a ideologia faz falta. Que a produção se reja pelas leis do mercado -ainda - que isso se chame capitalismo - pessoalmente estou de acordo, embora até no catch as catch can se não dispense um árbitro. Mas que à distribuição presidam critérios de justiça distributiva e - de equidade fundamental - ainda que a isso se não chame socialismo, embora seja esse o nome que isso tem. O Sr. Ministro das Finanças invoca descarga fiscal e promete, no futuro, novas reduções da carga. Mas a verdade é que, onde as taxas abrandam com alguma expressão, é nos rendimentos acima de 7000 contos. Quantos contribuintes se situarão acima dessa linha de água?
Num dos seus acessos de auto-satisfação, o Primeiro-Ministro afirmou, urbi et orbi, que as principais reformas estruturais estavam feitas. Pasma-se de incredulidade! ... Que reformas? Será a privatização das empresas rentáveis e bem geridas do sector público? Que perspicácia e que arrojo! Será o novo regime de emparcelamento, que nada emparcela? Será a nova lei da reforma agrária, que dá mais terra aos amigos mas não produz mais trigo? Será a nova lei das custas judiciais, a submeter a justiça aos rigores da auto-sustentação e às inclemências do mercado? Será a reforma do ensino, que por enquanto são discursos? Será a reforma da Administração, que por enquanto são promessas? Será a reforma do Tribunal de Contas, que por enquanto suo revoltas?
Já sei! Há-de ser a reforma fiscal! Mas, quanto a isso, melhor ia ao Governo, guardar de Conrado o prudente silêncio! Sem essa «estrutura» o País passava bem!
Antes de mais, um imposto único que não é único; um conjunto de normas que ainda - não tem sanções - um imposto que a Constituição queria progressivo e que a espaços regride; um imposto que poupa as classes possidentes e sobrecarrega os rendimentos do trabalho; que cáustica com especial ferocidade os médios-rendimentos e escancara a grande riqueza às sofisticações da fraude; que deixa intactas as lentidões, as denegações de justiça e as injustiças dos tribunais fiscais; que nasceu com o pecado original de ir duas vezes ao bolso do contribuinte e que, após o impacte inicial, que sempre suspende alguma fuga e alguma fraude, tenderá, como sempre, a deixar de ser-lhe imune.
Ainda que mal pergunte: o País é agora estruturalmente diferente em quê?
Não obstante, nunca foi tão grave o imobilismo de fundo. Aparentemente, o Governo resiste a dar-se conta de que vivemos uma época de profundas transformações às escalas planetária e continental, em processo de vertiginosa mundialização de interesses, valores e interdependências, fenómeno que não deixa nenhum país de fora e que particularmente, nos toca no que diz respeito ao trabalho de parto do mercado único europeu. Será que o Governo já se apercebeu de que o futuro não cabe na óptica dos espaços nacionais?
Já se apercebeu de que se não passa, de uma economia fechada a uma economia aberta, de uma economia nacional a uma economia integrada e de um Estado soberano a fortes limitações dessa soberania sem medidas de profunda cirurgia? De que ou nos preparamos para competir ou nos resignamos a sofrer - comprados, absorvidos, integrados ou sujeitos a outras humilhantes formas de tutela?
Como, aparentemente, contínua a mover-se no quadro de conceitos que perderam validade, dando-se por satisfeito com toques de epiderme a que chama alterações de estrutura, resta aos Portugueses a conclusão de que mudanças profundas e rápidas tornam inadequado um governo conservador e de que as adaptações necessárias, só concebíeis no quadro de um importante papel orientador do Estado, tornam impróprio um governo liberal.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - A este propósito, quero deixar bem claro que sempre entendi que o Estado deve sair - mas sair programada e criteriosamente - da gestão económica empresarial. Dito isto, não creio - tal como Delors - no «decaimento do Estado», nem vejo Portugal a modernizar-se e a desenvolver-se na base do seu recuo. Rejeito, assim apelos emocionais a «menos Estado» e tenho tendência para substituí-los por aspirações a «outro Estado».
Não e não! Nem por substituição pela «ditadura do proletariado» - que nunca entendi; suspeito até que Marx também não - nem por substituição pela ditadura de grupos económicos - não vejo o Estado posto de lado para que viceje a ordem natural de que é portador o livre jogo da vontade das massas ou das leis do mercado.
«Outro Estado» será, a meus olhos, o que cede prerrogativas no topo e na base. No topo, a benefício da criação de uma entidade supranacional, enquanto não chega o tempo de maturação de uma sociedade sub speciae mundi. Na base, a benefício do reforço de entidades autónomas regionais e locais, de crescente significado e poder.
Mas, entre o topo e a base, não concebo Estados economicamente neutros, nem a tirar bilhete para assistir ao espectáculo político e social. Entregues a si próprios, os cidadãos, mesmo encostados ao bordão da universidade, da empresa ou do grupo económico, mais depressa fariam explodir, o planeta do que nele construiriam a sociedade de bem-estar à escala mundial, que é exigência do progresso tecnológico e da justiça social.
Será que os Portugueses vêem neste Primeiro-Ministro e neste Governo estadistas preocupados com estas «ninharias»? Ou antes espíritos conservadores em política e liberais em economia, que de estadistas só possuem, o mais das vezes, a encadernação?
Que resta das promessas iniciais de todos eles?
O discurso ético não impediu que se agravassem os atropelos à honestidade. Não será ainda a «magna latro-