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2 DE NOVEMBRO DE 1989 239

Mas podemos também enfrentar sem complexos os temas pretensa e circunstancialmente mais delicados, porque ligados ao objecto de recentes ou actuais inquéritos parlamentares. É com orgulho que podemos afirmar que, na maioria dos casos, a Assembleia da República foi investigar factos e práticas já sob investigação por iniciativa do Governo, e é com satisfação que verificamos que algumas dessas investigações se inseriam num plano global de moralização da Administração Pública, como acontece com a progressiva extinção dos famigerados fundos autónomos. Finalmente, foi com o voto do PSD e com a concordância, da própria que a Sr.ª Ministra da Saúde se tornou no primeiro membro de um governo constitucional a responder perante uma comissão de inquérito aberta ao público, à comunicação social, portanto, ao País. Quem não deve não teme, e com essa atitude o PSD e a Ministra da Saúde deram mais um importante passo no sentido de se tornar a democracia portuguesa mais prestigiada e mais enraizada no comportamento quotidiano dos cidadãos.
A terceira acusação seria a de que assistimos ao profundo e crescente descontentamento das populações, indiciador de uma situação de preocupante instabilidade social.
Mas em que se traduz esse descontentamento?
Na subida do PSD em todas as sondagens de opinião publicadas no último fim-de-semana?
Nas anunciadas greves políticas com que certos sectores de actividade nos brindam sazonalmente e nos fazem cada vez mais adeptos das privatizações?
Nos protestos de alguns sectores das classes médias, que legitimamente têm uma visão optimista do futuro do País e desejam ainda melhores condições de vida que aquelas que o crescimento económico dos últimos quatro anos já lhes proporcionou?
Na impaciência de alguns agentes económicos, que, entusiasmados com os novos desafios,, se batem contra limitações -infelizmente indispensáveis- à sua iniciativa e investimentos?
Acredito que sejam estes os sinais tidos como de descontentamento observados pelo PS e restantes oposições. Mas, Srs. Deputados, abram bem os olhos e verão que isso a que os senhores chamam descontentamento é uma sociedade civil finalmente livre, pujante e enérgica, confiante nas suas potencial idades e no futuro do País. Uma sociedade civil enjaulada pelo 11 de Março durante uma dúzia de anos e que o PSD libertou.
A quarta e última acusação seria a de que o governo do PSD não tinha uma estratégia para o País, uma ideia clara e mobilizadora sobre o futuro de Portugal, governando ao sabor dá conjuntura e dos calendários eleitorais.
Não vou perder tempo evocando acontecimentos distantes ou actuais demonstrativos do desprendimento e não subordinação dos governos Cavaco Silva a medidas eleitoralistas, desinseridas do rumo coerente a que se subordina toda a sua governação. Os Portugueses, que passaram a pagar gasolina mais cara na véspera do 19 de Julho de 1987, reconhecem e admiram essa coerência.
Não vou filosofar sobre a estratégia do Executivo para o País e sobre o seu projecto para Portugal. Quem tem observado o denodo posto no combate da integração europeia, o empenho na aproximação aos países de língua oficial portuguesa, a defesa dos direitos do povo de Timor Leste, a abertura do diálogo com os países da América Hispânica, o lançamento das comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos Portugueses, não tem dúvidas sobre a existência desse projecto e sobre a sua adequação à grandeza da nossa história.
Vou, pois, referir-me ao paradoxo de essa acusação partir do PS, um partido que acerta, a todo o momento, a sua estratégia em função das dificuldades de afirmação do seu líder, carente de autoridade moral para acusar os outros de ausência de estratégia.
A candidatura de Jorge Sampaio à Câmara Municipal de Lisboa, por não ter generais e não aceitar o brigadeiro disponível, a coligação com o PCP, porque um secretário-geral do maior partido da oposição não pode ser esmagado eleitoralmente numa eleição local, a moção de censura, porque era preciso fazer qualquer coisa para travar a dinâmica campanha de Marcelo Rebelo de Sousa, são sinais insofismáveis de que o PS é uma barcaça à deriva com poucas possibilidades de fugir ao naufrágio.
Tudo isto seria grave para o PS e agradável para o PSD se não fosse simultaneamente prejudicial à democracia portuguesa. O PS, com a decisão que o levou a coligar-se com o PCP em Lisboa, consubstanciou, na prática, consciente ou inconscientemente, uma perigosa inflexão estratégica. Abdicou da hegemonização através da transferência de voto da esquerda portuguesa, remetendo-se para uma situação de parceiro eleitoral de um PCP desta forma fortalecido. Tudo isto quando o comunismo agoniza pelo mundo fora e o PCP ombreia em obscurantismo retrógado com os Partidos Comunistas da Albânia e da China.
O PS será responsável perante o País pelos nefastos resultados de uma eventual recuperação do peso eleitoral dos comunistas.
Finalmente, não podemos deixar sem reparo as críticas a S. Ex.ª o Presidente da República afloradas nas entrelinhas da intervenção do Dr. Jorge Sampaio e postas completamento a descoberto quando um companheiro da minha bancada, o deputado Nuno Delerue, suscitou ao secretário-geral do PS a total clarificação do seu sentido.
Vivemos numa situação de exemplar relacionamento institucional entre o Presidente da República, o Governo e a Assembleia da República. É, no mínimo, surpreendente que o maior partido da oposição, de onde emanou o candidato Mário Soares, seja a única voz dissonante na interpretação da situação subjacente a essa harmonia institucional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O futuro se encarregará de mostrar o porquê, contudo não devem ser razões que interessem muito ao PSD ou ao comum dos cidadãos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É a pequena política!

O Orador: - Não posso terminar sem proferir umas palavras sobre os restantes partidos da oposição, que, a contragosto, tiveram de votar favoravelmente a moção de censura socialista.
Mais coerente com o seu comportamento político recente, e quem o terá feito, apesar de tudo, com mais convicção terá sido certamente o CDS. O CDS de Freitas do Amaral vive em frente popular parlamentar desde há largos meses: dá conferências conjuntas com o PCP, com Os Verdes, com os Srs. Deputados Independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro, e não as dá com o PSR e com a UDP porque esses partidos não têm assento parlamentar.