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2 DE NOVEMBRO DE 1989 267

especializados que assumam a responsabilidade quer pela cessação das técnicas de reanimação quer pela colheita dos órgãos.
De tudo o que fica exposto pode concluir-se do nosso acordo quanto à necessidade dos debates e pareceres atrás sugeridos que levem à formulação e legalização de uma nova bioética, pelo que consideramos extremamente importante e urgente a criação da comissão nacional de ética para as ciências da vida, agora proposta pelo Partido Socialista, mas já entrada nesta Assembleia em Junho de 1989. A necessidade é tão grande que os próprios médicos se estão antecipando e espontaneamente criaram já comissões de ética nos hospitais, embora estas tenham um objectivo menos lato.
Mas as conclusões e as medidas cautelares que venham a ser expressas nos conceitos e regras do novo código ético para a investigação científica não deverão, em quaisquer circunstâncias, pôr entraves ao desenvolvimento da ciência.
Uma resolução do Parlamento Europeu relativamente recente salienta e determina a liberdade fundamental da ciência e investigação, como já foi aqui referido pelo meu camarada Alberto Martins. Há que acreditar na ciência e nos cientistas e evitar a repetição de episódios como o de Galileu.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Santa Clara Gomes.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Até há bem pouco tempo, os problemas éticos postos pelos avanços científicos colocavam-se quase exclusivamente ao nível das aplicações e consequências das novas descobertas. Era então fácil estabelecer fronteiras entre ciência e tecnologia e atribuir-lhes sistemas de valores autónomos: enquanto as tecnologias eram consideradas boas ou más, segundo os fins para que eram utilizadas, a ciência era apreciada na sua bondade intrínseca e a sua ética guiada pelo princípio de conhecer sempre mais e melhor.
Com o desenvolvimento das ciências da vida, o conhecimento em si mesmo deixa de ser neutro. Cada nova descoberta pode pôr em movimento estímulos biológicos, reacções em cadeia capazes de alterar a vida.
Para o cientista do nosso tempo, "conhecer é já intervir", diz o filósofo francês Michel Serres. E, de facto, a evolução das ciências da vida parece confrontar-nos com uma nova ética do conhecimento: "A moral já não depende apenas das aplicações da ciência, mas acompanha-a em cada novo passo da conduta especulativa." Os próprios processos do conhecimento e da experimentação se instauram como problemas éticos.
Não admira, assim, que à questão fronteira de saber se existem ou não limites ao conhecimento dos mistérios da vida nenhum cientista saiba dar resposta.
A atitude do Prof. Jacques Testard, ao tornar públicas as razões que o levaram a abandonar certos domínios da investigação biogenética, não veio senão confirmar a necessidade urgente de instaurar mecanismos de diálogo permanente entre a comunidade científica e o conjunto do corpo social. Essa será, sem dúvida, uma das missões primordiais do futuro conselho nacional de ética para as ciências da vida.
Srs. Deputados, não podemos iludir-nos: tem sido dito claramente que a revolução biotecnológica poderá vir a ser a revolução mais profunda que o mundo conheceu.
A tal ponto poderão ser afectados os nossos modelos civilizacionais que há mesmo quem tenha afirmado que a própria unidade de poder nas nossas sociedades, até agora identificada com padrões financeiros - sejam eles o ouro ou o dólar-, poderá, num futuro não muito distante, vir a converter-se num outro padrão: "o padrão genes".
O papel do conselho nacional de ética para as ciências da vida não será, no entanto, o de se pronunciar por ou contra as descobertas da ciência. Os benefícios potenciais das novas conquistas do saber biomédico são tais que seria inadmissível deixarmo-nos vencer por cenários catastróficos, demitindo-nos face à urgência de questões decisivas cuja resposta não pode ser adiada.
Importa é, à partida, pôrmo-nos de acordo sobre um certo número de salvaguardas, a que todas as comissões congéneres, já existentes noutros países, se têm mostrado sensíveis.
Em primeiro lugar, a questão do equilíbrio da vida no planeta: está em causa a permanência das espécies; está em causa a salvaguarda da condição humana, na sua dignidade essencial.
É certo que os cientistas dizem que a revolução biotecnológica ainda não começou. Mas os seus prenúncios alertam-nos para a impredictabilidade das suas consequências. As alterações da vida poderão vir a ter resultados que quase põem em causa a capacidade de análise da inteligência humana.
Por isso se pedirá cada vez mais aos cientistas uma atitude de reverência perante o mistério da vida, para que o respeito pelo universo criado triunfe sobre a manipulação das espécies, para que a dignidade da pessoa humana não saia ferida desta nova aventura do espírito, que toca não só o corpo mas também a alma.
Uma segunda precaução refere-se aos efeitos das novas biotecnologias no equilíbrio social à escala do planeta e no interior de cada país.
"Qualquer nova tecnologia introduzida numa sociedade que não assente em sólidos princípios de justiça social tende a exacerbar as disparidades entre ricos e pobres", afirma a Declaração de Bogese, redigida por um grupo de cientistas ao mais alto nível, reunidos em França em 1987.
E, de facto, a experiência mostra que, se o problema é a injustiça, a solução não é, na maior parte dos casos, a tecnologia. Nada nos leva a supor que, deixada a si mesma, a lógica económica da evolução das ciências da vida venha a fugir a esta regra.
Daí a atenção requerida não só dos governos mas de todos os órgãos que doutrinam, aconselham e legislam para que a utilização das novas biotecnologias não venha a agravar injustiças, mas contribuir para as superar. O encontro de soluções para as necessidades dos mais carenciados terá sempre de ter prioridade sobre outras utilizações mais sofisticadas da ciência e da técnica. As biotecnologias pertencem à ordem dos meios; a justiça e o bem-estar social são da ordem dos fins.
Finalmente, a comissão não poderá deixar de preocupar-se com a questão do controlo social sobre os resultados e as aplicações das descobertas realizadas. O perigo de que a manipulação da vida se torne monopólio de algumas (poucas) empresas multinacionais gigantes já não é ficção científica, é realidade.