262 I SÉRIE-NÚMERO 8
do homem enquanto pessoa centro de dignidade e de valores intemporais. Para além disso ninguém questionará que o homem terá de se adequar a um mundo em continua e imparável mutação. Só que essa mutação não poderá enquanto o conseguirmos evitar conduzir a que se cumpram as profecias do biólogo inglês o Brian Stableford e do físico seu compatriota David Langeford num livro que foi best seller - O Terceiro Milénio - no sentido de que em 2655 a gravidez natural será considerada como uma perversão.
Insisto porém que a razão de ser de uma comissão de ética estará no seu carácter plural e na confluência das diversificadas cosmovisões que nela confluírem. O grupo de Millazo na Sicília que compõe o Instituto Internacional de Estudos Ético Jurídicos é bem um exemplo disso. Congregando cientistas, juristas e moralistas de todo o mundo, é um centro de activa reflexão. Ao retomar a sua actividade em Julho deste ano, nele se ouviram as vozes mais dispares e multidisciplinares sobre o enquadramento ético das novas tecnologias com especial incidência no estatuto, por assim dizer, do embrião e na responsabilidade da pessoa sobre a génese da vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Obviamente que o conselho constituendo não terá por exclusiva tarefa o encarar das manipulações genéticas designadamente no campo da reprodução humana. Mas será talvez aí que as interrogações e a necessidade de respostas tanto quanto possível consensuais serão mais prementes e difíceis.
Não lhe caberá por certo preparar leis, até porque como comentam entre outros Serge Regoud e Jacques Robert, aliás na esteira do próprio Jean Bernard, neste domínio as leis podem correr o risco de ser rapidamente ultrapassadas. A natural contingência da lei escrita e estrita alcançará aqui uma marcante expressão. Só que não há vida, não haverá qualquer actividade humana sem regras, a vida postula a norma. E esta em certos casos não poderá ser subtraída a uma textualização a mera indagação dos perenes valores que distinguem o justo do injusto, poderá esvair-se em contradição com a sua perenidade na fluidez e na anfibologia.
O que é sem dúvida necessário, é que se parta de uma certa ideia do homem, da carga cultural que a define desde a antiguidade greco latina, da acumulação de heranças justapostas que lhe dão sentido e dimensão. O valor da pessoa humana não é contraditório do valor da ciência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho notícia de que o Governo dando sequência numa metodizada calendarização de acções legislativas aos trabalhos preparativos de 1986/1987 acaba de aprovar um diploma legal sobre esta matéria. Se se tratar de uma proposta de lei natural e desejável, será que os seus contributos depois da votação na generalidade sejam tomados em linha de conta, na análise, na especialidade em congregação com os do presente projecto de lei.
Creio assim que o agendamento dessa eventual proposta de lei deverá ser feito com a mais compreensível urgência. Ninguém nestas coisas é detentor da verdade absoluta e os bons propósitos devem convergir e harmonizar-se não por um mero afã compromissório num circunstancial ímpeto de comércio de palavras, mas na saudável procura das melhores e mais pensadas soluções.
Eu mesmo no parecer de que fui relator sugerira já alguns aperfeiçoamentos ao projecto até por um acto de natural coerência com o anteprojecto de 1986/1987.
Tenho designadamente como mais ajustado que ao Governo ao qual cabe a responsabilidade institucional de definir políticas de actuação em concreto, deva corresponder a designação de uma quota mais significativa de membros do conselho. Creio ainda que a participação da comunidade cientifica lato sensu será de acrescer. Não vejo para além disso como encontrar a personalidade referida na alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do projecto de lei.
Noutro plano por que não incluir no elenco do conselho, entidades com o relevo da Academia das Ciências de Lisboa, do Instituto Nacional de Investigação Cientifica e da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica.
Como salientei no aludido parecer tem o Comité francês na sua composição uma marca científica muito mais vincada que a do projecto de lei. Lembrei ainda que na circunstância portuguesa pareceria ajustado que a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior da Magistratura pudessem indicar cada um deles um membro atenta a validade das suas e pertencias especificas
Finalmente devo dizer que ninguém contestará que a designação do presidente do conselho nacional ora constituendo de a pertencer ao Presidente da República. Foi sempre essa a minha opinião pessoal. Mas será necessário usar a fórmula tabelar e rotineira de que a escolha deverá recair entre cidadãos de reconhecido mérito? Será hipotisável que o Presidente da República escolha alguém sem esse natural atributo? Ou por outras palavras não resultará mais certo e conforme à dignidade institucional do Presidente da República estatuir apenas que a ele cabe designar o presidente do conselho nacional bioético.
Por outro lado é de por em dúvida que ao invés do que sucede em França onde o Comité funciona junto dos ministros encarregados da investigação e da saúde (dês ministres chargés de la recherche et de la santé ) que aliás hoje são dois ministérios diferentes, se crie mais um ónus administrativo para esta Assembleia, colocando o funcionamento do conselho nacional no seu âmbito.
A parlamentarização funcional se nalguns casos é interpretável garante da efectiva operatividade das grandes comissões quando elas tenham a ver com problemas vocacionadamente tributários da política e quando haja necessidade de assegurar um controlo parlamentar mais imediato e eficaz advém noutros casos apenas de se considerar qualquer governo como um tabu que inquina a liberdade e a disponibilidade das pessoas.
Ora por um lado isto não é assim e por outro vai-se sobrecarregando a Assembleia que tantas e tão fundamentais tarefas tem já à sua responsabilidade com uma rede de serviços acessórios e adicionais que prejudicam a sua tão desejável disponibilidade de espaço e de apoios logísticos.
Deixo este ponto a consideração dos Srs. Deputados, isento de qualquer preconceito governamental mas apostado apenas em a que agora e sempre esta Assembleia possa desenvolver com eficácia as tarefas que lhe são verdadeiramente próprias e que dela não são transferíveis.
Enquanto deputado estou com o Governo que apoio mas nunca alieno a minha condição de deputado que é aquela que por natural destinação me cabe prioritariamente cumprir. É precisamente essa condição a que devo fidelidade e coerência que me determina a suscitar este reparo ao projecto de lei com o qual estou nos