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2 DE NOVEMBRO DE 1989 257

perspectivas que ensombram o campo da engenharia genética e o futuro do planeta, etc., é de assinalar que nessa etecização da ciência, que a põe ao serviço da dignidade do homem, se dá um passo muito importante para a espiritualização da ciência, espiritualização que, englobando a justiça social - o socialismo espiritual de Antero foi nisto profético -, terá de avançar no deserto da erosão dos valores em que ancoravam as nossas instituições laicas e religiosas, sob pena de a nossa civilização se afundar no abismo da indiferença. Só a espiritualização desta indiferente civilização ocidental nos pode devolver o destino, o sentido da existência que nos estão a roubar.
O projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista é um passo nesse sentido.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Deputada Natália Correia, gostaria de agradecer as considerações simpáticas que teceu em relação à minha intervenção e de manifestar a minha identidade essencial com o que V. Ex.ª disse, isto é, a defesa de um neo-espiritualismo que tenha os direitos humanos como a sua âncora decisiva.

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ao aprovar a instituição de um conselho nacional de ética para as ciências da vida, a Assembleia da República dará hoje, provavelmente, o primeiro passo na discussão de algumas das mais melindrosas e apaixonantes questões que definirão o rosto do próximo século.
É um debate para o qual ninguém sensato deixará de partir ciente dos limites do direito face à infinita complexidade da criatividade humana nos domínios da biomedicina e da biotecnologia. É-nos certamente mais fácil, a nós, juristas, encerrar em códigos e leis-quadro o que ocorre entre a vida e a morte do que aquilo está antes e depois de ambas. Neste "8.º dia da criação", em que por vezes se diria que "Deus veste bata e surge de proveta", o legislador surge, as mais das vezes, atrasado. Questão é que surja certeiro e com o adequado enquadramento cultural e político.
Facto é que neste nosso novo mundo, tão admirável quanto temível, pode nascer-se in vitro e morrer-se de suspiro último determinado pelo desligar de uma máquina; é possível procriar sem sexualidade, conceber sem gerar, gerar sem ter concebido, ter não uma mas duas mães - a mãe que deu o óvulo e a mãe que abrigou no útero -, ser filho de pai dador inscrito em banco próprio. E ninguém conhece as fronteiras últimas de tudo isto, outrora impensável ...
A revolução genética, Srs. Deputados, tornou possível que vítimas de esterilidade possam ter esperança de fecundidade.
A mais humilde candidata a mãe pode hoje ter a aspiração de vir a conceber um filho do Prémio Nobel da Paz, ou do perseguido autor dos Versículos Satânicos ou, mais domesticamente, do Primeiro-Ministro Cavaco Silva (por que não?!).

Risos do PCP e do PS.

Mas basta dizer isto mesmo para que se torne evidente a complexidade dos problemas suscitados.
As perguntas que todos os dias desafiam a consciência ético-jurídica multiplicam-se e não deixam ninguém indiferente!
O direito de fundar família e ter filhos por inseminação artificial ou fertilização intratubária deve ser consagrado ou estigmatizado em nome de concepções morais ou religiosas que proscrevem todas as formas de fecundação por métodos "não naturais"?
Deve proibir-se a mulher de ter um filho desejado quando não seja casada ou o dador não possa ou não deva ser o marido? Como propenderiam a acreditar as famílias políticas democratas-cristãs?
Deve admitir-se ou proibir-se a constituição de bancos de esperma? O seu uso deve ser gratuito ou oneroso? Quem lhes deve ter acesso e em que quadro?
Deve penalizar-se a mulher que deixe implantar no seu útero o filho de outra mulher ou que aceite ser inseminada por marido que não o seu, contribuindo com o próprio óvulo para a gestação? Ou seja: deve considerar-se que praticam crime as mães hospedeiras? Precisamos de ter respostas para estas perguntas!
E há perguntas ainda mais melindrosas: por exemplo, é aceitável a fertilização in vitro quando um dos dadores já morreu? É legítimo que um banco de embriões congelados dê a um casal óvulos pré-fecundados de um outro casal?
Deve legalizar-se a criação de embriões para fins de investigação ou permitir-se a investigação sobre embriões implantados no útero ou reimplantados?
Que atitude devemos tomar face às experiências eugénicas tendentes à procriação de seres humanos iguais por clonagem ou à criação de seres mistos por manipulação de espécies distintas, as chamadas "quimeras", filhas aberrativas do conúbio entre a imaginação sem ética e o frio tubo de ensaio?
Que limites impor ao diagnóstico pré-natal, que já permite hoje, nos nossos hospitais, excluir embriões que não tenham as qualidades desejadas por parte de certos pais superexigentes? Isto deve ser permitido ou deve ser proibido?
A verdade, Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, é que, face ao silêncio, ao atraso ou à ambiguidade dos poderes públicos, florescem incontroladas as mais lamentáveis perversões da biomedicina e da biotecnologia. Na Europa comunitária e no Mundo - em Portugal também- há um sórdido e muito lucrativo comércio de embriões e fetos, vivos ou mortos, de tecidos e órgãos.
Há utilizações bem rentáveis de tecidos humanos para fins não terapêuticos.
Há centros de criação de embriões para experiências incontroladas, cujo segredo se quebra por vezes (raras vezes) em escândalo.
Há quem funda células humanas com as de outras espécies, sem controlo.
Há quem crie embriões com esperma mesclado oriundo de diferentes dadores.
Algures em laboratórios anódinos, indistinguíves por demais, trabalha-se na produção de seres humanos fora do útero materno, desvendando os segredos da ectogenese.
Escolhe-se o sexo por manipulação genética sem fins terapêuticos, porque, por exemplo, "o país precisa de meninos e as meninas são indesejáveis".
Fazem-se experiências sobre embriões vivos, viáveis ou não.