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2 DE NOVEMBRO DE 1989 255

A prática normal, desde 1975, é a da criação de comissões bioéticas em cada hospital ou laboratório de biologia molecular para resolver, em cada caso, as preocupações sociais e éticas de determinadas experiências. Mas estas soluções não resolvem o problema geral e premente de subordinar, no plano nacional e internacional, a investigação genética, ou seja, em que o ser humano é objecto de experimentação, sem respeito pelos direitos à vida e à existência e, como foi dito na última semana no já referido seminário realizado em Paris, do novo, direito chamado "direito à humanidade". Novos conceitos, novas designações e novas expressões surgem a cada passo, tais como a "mediatização da morte", a "biologização da vida", o "material humano"; estes termos são empregados nos ditos processos chamados terminais de cessação de funções vitais. A sociedade está actualmente desarmada perante tais eventos.
A consideração da vida, e da morte e a defesa do corpo orgânico, como tudo o que nela está expresso, implicam, nestas circunstâncias, o que desde sempre separou o homem do resto da criação.
Trata-se de estabelecer os próprios limites da dignidade da pessoa humana, a sua fronteira com a ciência, com a ética, com os direitos do homem e da humanidade. Aquilo que interessa é o trabalho interdisciplinar dos juristas, sociólogos, teólogos, médicos, biólogos, moralistas, políticos, em suma, de todos os homens de bem. E uma exigência dos tempos em que vivemos para a protecção, do que nos é mais valioso: o ser humano.
Diz o Prof. Adriano Moreira: "A pessoa humana é um fenómeno irrepetível." Há que respeitá-la, pois, com a dignidade que tal conceito envolve. Esta a razão do nosso voto favorável ao projecto que cria em Portugal o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Aplausos do CDS, do PSD e do PS.

A Sr.ª Presidente: - Pará uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Os limites do conhecimento são dia-a-dia transpostos a um ritmo que nos coloca no limiar de um tempo em que a espécie humana se confronta com o seu próprio destino, em que há não só a possibilidade da sua própria destruição pelas armas nucleares como, agora, a capacidade de mudar o seu próprio tipo biológico, isto é, manipular a sua identidade genética e influir decisivamente nela.
A conjugação das descobertas ao nível da genética, da enzimologia e da embriologia, assim como as novas práticas médicas, novas técnicas e meios de investigação alteraram os quadros tradicionais nos quais vinha a processar-se o destino biológico do homem nas sociedades-avançadas, ao nível das condições naturais da sua reprodução, nascimento, vida e morte.
Face a esta explosão do conhecimento científico, muitos se interrogam como continuar a experiência e o progresso científico, compatibilizando-os com os direitos humanos, com a dignidade das pessoas e da sociedade.
Ora só uma colaboração aberta e dialogante entre a ciência e a sociedade pode conduzir-nos a caminhos adequados, de modo que, em nome do ser humano e da sua essencial dignidade, individual e social, não se caia na "monstruosidade" de "fazer tudo o que pode ser feito".
Uma reflexão sobre os direitos da pessoa não poderá nunca ignorar os desafios éticos do progresso tecnológico, que vão modificar considerável mente o acesso à vida e as condições da morte.
A revalorização do direito realiza-se, neste quadro, com o regresso da pessoa e da ética como dimensão essencial das relações sociais, em que o regresso aos valores e aos princípios é a expressão de uma nova individualidade humanista, necessariamente solidária.
Na legislação portuguesa têm vindo a ser acolhidas, no que toca às tecnologias da reprodução, soluções que regulem, nomeadamente, a inseminação artificial, o tratamento da esterilidade, a recolha e congelação de esperma e a procriação artificial. Neste domínio, é justo salientar a constituição, em 12 de Maio de 1986, no âmbito do Ministério da Justiça, cujo titular era o Dr. Mário Raposo, de uma comissão interdisciplinar, integrada por juristas, médicos, biólogos, psicólogos e sociólogos, designada Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias, que se propunha apresentar propostas e soluções neste importante domínio.
Infelizmente a sequência dos trabalhos desta Comissão parece ter sofrido um incompreensível colapso com as eleições de 19 de Julho de 1987.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Bem dito!

O Orador: - Também no âmbito do Parlamento Europeu têm sido adoptadas soluções, nomeadamente nos domínios da medicina preditiva, de fecundação artificial in vivo e in vitro e de manipulação genética.
Quando se pronunciou sobre os problemas éticos e jurídicos da manipulação genética, em 16 de Março de 1989, o Parlamento Europeu adoptou uma resolução em que, no quadro jurídico, paradigmaticamente, "salienta a liberdade fundamental da ciência e da investigação; entende que a expressão jurídica da responsabilidade social das acções dos investigadores e da investigação se encontra nos limites da liberdade da ciência e da investigação, que decorrem particularmente dos direitos de terceiros e da sociedade por eles constituída; entende como direito que define estes limites sobretudo a dignidade do indivíduo e do conjunto de indivíduos; considera tarefa inalienável do legislador a definição destes limites; entende que a função das comissões éticas e das associações de defesa de direitos é exclusivamente a de formular concretamente, as regras estabelecidas pelo legislador.
A incidência dos progressos das ciências biológicas e médicas sobre os direitos das pessoas também é salientada, por sua vez, no documento final da reunião de Viena de 1989, no âmbito da Conferência de Cooperação e Segurança na Europa, na qual se declara que os Estados participantes (de que Portugal faz parte), "tomando conhecimento dos progressos obtidos no trabalho de investigação e desenvolvimento biotecnológico e das novas oportunidades que se oferecem (...), consideram desejável intensificar a troca de informações sobre leis e regulamentos referentes aos aspectos da segurança da engenharia genética. Para tanto, facilitarão a consulta e troca de informações sobre directrizes de segurança. Neste contexto salientam também a importância que têm os princípios éticos quando se actua no campo da engenharia genética e sua aplicação."
As exigências éticas, aplicando-se a uma nova esfera prática, a biologia e a medicina contemporâneas, colocam-nos, assim, numa nova fronteira, cada vez mais admiravelmente dramática, entre o direito e a ciência, entre a ética, e a política.