1048 I SÉRIE-NÚMERO 29
enfrentar um mundo em mudança, que temos de compreender e das quais não nos podemos alhear, porque representam mudanças muito importantes pelas quais muitos democratas lutaram e morreram.
É, pois, justificado o debate que nos propõe o Partido Socialista, que pensamos que pode ter uma importância fundamental para Portugal, inclusive na definição da nossa política externa, em especial a sua acção e participação na Comunidade Económica Europeia. Este projecto é não só actual, como ainda mais actual hoje, como acabou de dizer o Sr. Deputado António Barreto.
Se não vejamos.
Após a apresentação do projecto de resolução do Partido Socialista propondo uma série de iniciativas suscitadas pelas transformações ocorridas nos países do Leste, a opinião pública viu-se confrontada com novos acontecimentos, qual deles o mais surpreendente, qual deles o mais importante para o futuro da Europa e do Mundo.
No dia 6 de Dezembro, no dia imediatamente, a seguir ao debate aqui feito sobre o projecto do PS, Egon Krenz abandonava a presidência do Conselho de Estado da República Democrática Alemã. No dia 7, o primeiro-ministro checoslovaco, Ladislav Adamec, apresentava a sua demissão. No dia 8, os chefes de Estado e de governo dos países da Comunidade Europeia reconheciam, em Estrasburgo, o direito do povo alemão à autodeterminação. No dia 10, um governo de maioria não comunista era constituído em Praga, enquanto, em Sofia, o primeiro-ministro Mledenov anunciava a abolição do papel dirigente do Partido Comunista búlgaro e a realização, em Maio de 1990, de eleições livres. No dia 19, o chanceler Kohl visitava oficialmente a RDA para discutir, com o seu homólogo do Leste, um plano de reunificação. No dia 22 caía o regime ditatorial de Ceau-sescu, julgado sumariamente e executado três dias mais tarde. Aproveito para referir, como acabou de dizer o Sr. Deputado Pacheco Pereira, que, apesar das considerações subjacentes, nada justifica, nem pode justificar, para bem do prestígio, da solidificação e da consolidação de um regime democrático, aquilo que aconteceu neste julgamento e nesta execução sumária. No dia 29, o escritor e antigo dissidente Vaclav Havei era solenemente investido nas funções de presidente da República da Checoslováquia, em posse conferida pelo novo presidente do Parlamento, Alexandre Dubcek, símbolo da "Primavera de Praga".
Sucederam-se a um ritmo alucinante as declarações dos mais diversos responsáveis políticos sobre a evolução da Comunidade Económica Europeia e sobre o desarmamento e as relações entre a NATO e o Pacto de Varsóvia. De visita a Roma, o presidente Gorbatchev lançou um apelo à constituição de uma "casa comum europeia", que cie definiu como podendo vir a ser "uma comunidade de Estados soberanos com um nível elevado de interdependência, com fronteiras acessíveis e abertas à troca de produtos, de tecnologias e de ideias e aos contactos em grande escala entre todos os seus povos". No seu discurso de fim do ano e o presidente francês François Mitterrand retomou a ideia, atribuindo-lhe, no entanto, uma nova designação: a de "grande confederação europeia".
Nos próximos dias, novos projectos surgirão. Alguns deles serão posteriormente abandonados. Outros transformados. Outros, ainda, concretizados. Mas nada ficará como dantes.
Assim sendo, o projecto de resolução do Partido Socialista, nomeadamente no que se refere à sua alínea b), adquire ainda maior acuidade.
Há questões que assumem um significado transcendental; implicam decisões que se irão repercutir nas gerações vindouras; situam-se, por isso, bem para lá da prática normal de um governo, qualquer que ele seja; exigem, ou deveriam exigir, um consenso alargado aos partidos representados nesta Assembleia; ultrapassam, ou deveriam ultrapassar, os limites estreitos dos binómios esquerda-direita, poder-oposição ou maioria-minoria.
Raras são as questões que, como esta, justificam tal consenso.
Na reunião de Estrasburgo, o Conselho Europeu decidiu celebrar um acordo de comércio e de cooperação com a RDA; adoptar um segundo programa de ajuda alimentar à Polónia; criar uma fundação europeia destinada à formação de quadros de países da Europa central e de Leste; lançar as bases de um banco europeu para a reconstrução e o desenvolvimento virado para o apoio a iniciativas localizadas nessas regiões; participar até 50% num fundo de estabilização, l bilião de dólares destinado à recuperação económica e financeira da Polónia; conceder um empréstimo do mesmo montante, isto é, 500 milhões de dólares, à Hungria.
A necessidade de se apoiar decididamente países onde se registam claros avanços dos ideais democráticos é indiscutível. Interessa, no entanto, que tal solidariedade não relegue para segundo plano os esforços em curso no sentido de se conseguir um desenvolvimento económico harmonioso dos actuais países da Comunidade. A adopção do Acto Único pressupõe o fim de uma Europa a "duas velocidades".
Ora, são já numerosos aqueles que receiam que a Europa venha a evoluir, não a duas, mas a diversas velocidades.
Tratar-se-ia, então, de uma Europa onde, segundo o antigo Ministro de Estado francês Edouard Balladour, "os Estados não se reuniriam para atingir, todos, os mesmos objectivos. Alguns associar-se-iam nos domínios monetário e económico; outros no domínio militar; outros, ainda, no domínio comercial". Para a França, "a evolução no Leste e a integração no Oeste constituem dois dados indissociáveis de uma mesma realidade".
Todos os esforços são feitos assim, em Paris, com vista à aceleração das démarches necessárias à instalação, a partir de 1993, do mercado único europeu. Tal estratégia é, todavia, mal recebida em Londres. Mais uma vez as divergências se acentuam de um e de outro lado da Mancha no que respeita ao futuro da Comunidade. Manifestamente oposta a quaisquer transferências de soberania que a integração plena dos países da Comunidade necessariamente implica, a Sr.ª Thatcher encontra nos acontecimentos no Leste um novo pretexto para dificultar o processo. "Na fase actual das coisas, o melhor é esperar para ver", diz-se em Londres.
Vencendo alguns entraves e esclarecendo algumas dúvidas, conseguiu-se fixar, em Estrasburgo, a data para a realização da conferência intergovernamental que estabelecerá o calendário da 2.º e 3.ª fases da União Económica e Monetária. A conferência terá lugar no fim do corrente ano. E um passo de gigante poderá ser dado para se atingir o objectivo de uma Europa económica e, depois, politicamente unida.
Portugal terá, neste contexto, a oportunidade de se afirmar como resolutamente favorável à aceleração, ou como prudentemente interessado numa travagem.
Uma Europa unida, sim! Mas que Europa? Com que Alemanha? A 28 de Novembro, o chanceler Helmut Kohl