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1632 I SÉRIE - NÚMERO 46

Mas a verdade é que os interesses difusos também podem representar uma deficiência da organização dó Estado, da organização da Administração Pública. Aí penso que valerá a pena atentar naquilo que foi consignado no projecto de lei do PCP no que diz respeito aos procedimentos administrativos. Na verdade, estes podem ser um instrumento precioso não apenas de mera execução da lei mas de verdadeira criação das soluções jurídicas adequadas nos casos tão dificilmente captáveis pelo legislador, como são os dos interesses difusos.
Daí que, por consequência e referindo-me só a estes aspectos dos interesses difusos, do papel do Ministério Público e do problema da disponibilidade da tutela judicial, me pareça fundamental que a Assembleia da República aprofunde esta matéria e encontre as fórmulas que venham a ser mais adequadas.
Gostaria ainda de dizer que me parece importante, no que respeita a esta necessidade de regular a acção popular, não esquecer que não devemos fazer incidir um peso exagerado no que toca à tutela e ao papel dos tribunais. Isto é, também por essa via me parece extremamente importante que se possam encontrar fórmulas, através de procedimentos adequados que não tem necessariamente de ser os procedimentos administrativos clássicos, que evitem e que previnam que os litígios aconteçam e que tenham de ter uma solução judicial. Compreendo que a excessiva entrega de papel aos tribunais, em matéria de acção popular, é a visão tradicional dos ordenamentos jurídicos, mas não é, porventura, a solução única.
Muitas das soluções seguidas quer num projecto de lei quer no outro carecem também elas, a meu ver, de um exame mais prolongado e foi justamente esse o sentido do convite dos deputados que me precederam.
Dois pontos, todavia, se me afiguram particularmente significativos: o primeiro diz respeito, por um lado, ao problema da consignação, sem mais, dos juízos de equidade sobre os critérios de legalidade, como preferência, e, por outro, ao relativo desaparecimento da linha de fronteira entre a imparcialidade do julgador e a parte, em termos de elaboração do objecto do processo. Suponho que não nos poderemos aventurar nessa zona tão afoitamente, como' alguns preceitos dos diplomas em causa o fazem.
O segundo ponto diz respeito aos limites subjectivos do caso julgado, sobretudo se tomarmos em consideração, no caso do projecto de lei do PS, que ele abrange não apenas o caso julgado em matéria de processo administrativo mas também as acções em matéria de processo civil.
Em resumo, para concluir, penso tratarem-se de dois diplomas importantes, contribuições assinaláveis que devem ser tomadas como tal, mas permitir-me-ia sugerir à comissão competente que encare a hipótese de constituir um grupo de trabalho que, tendo em conta a discussão aqui tida, possa justamente produzir textos que reflictam os resultados desta reflexão e, por isso mesmo, permitam dar passos adiante nesta tão complexa, delicada e importante matéria.

Aplausos do PSD, do PS e do PRD.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, que dispõe de dois minutos cedidos pelo PCP.

O Sr. Almeida Santos (PS): -Sr.ª Presidente, não necessito de mais de dois minutos.
Começo, naturalmente, por agradecer ao Sr. Deputado Rui Macheie o seu contributo e agradecer-lhe-ei muito mais quando se disponibilizar, como espero, para fazer parte do grupo de trabalho que propõe, e que secundo em absoluto, pois penso que esse grupo de trabalho ficaria incompleto se não tivesse um administrativista, um deputado especializado em direito administrativo - e não creio que haja nesta Assembleia outro em melhores condições do que o Sr. Deputado.
Ora bem, ouvi algumas das dificuldades que colocou e não julgue que me ultrapassa nas que identifico no meu próprio projecto de lei, porque é evidente que existem muitas dificuldades. Só para o colocar à vontade, devo dizer-lhe que tenho consciência de muitas dessas dificuldades, mas teremos de encará-las com algum espírito de aventura e de menos rotina. Por exemplo, o problema do alargamento da legitimidade, que foi, talvez, o aspecto mais destacado pelo Sr. Deputado.
Sr. Deputado Rui Machete, em relação a isto devo dizer que estamos condenados a ele, pois é a Constituição que nos obriga a alargar. E mal seria se nós, ao mesmo tempo que damos a um indivíduo isolado a capacidade de propor no tribunal uma acção em representação de n indivíduos e até para obter o direito de indemnização, não déssemos a esse caso a eficácia do caso julgado em relação aos representados que não se auto-excluam nos lermos do nosso projecto de lei, porque senão não tinha significado a acção popular!... Quer dizer, se a este alargamento da legitimidade não corresponder um alargamento da eficácia do caso julgado, então a acção popular é um logro, porque é uma acção que acresce a todas as demais mas que não evita nenhuma.
Portanto, penso que estamos condenados a esse alargamento da legitimidade como estamos condenados, por sequência lógica, a um alargamento dos efeitos do caso julgado. É claro que isto não é fácil, estou de acordo, mas quando o Sr. Deputado fala na disponibilidade da tutela judicial, é evidente que a Constituição, nesses domínios e por ora só neles, quer mesmo que aquele que aparece representado pelo cidadão, que toma a iniciativa, perca se não excluirmos nos termos do nosso diploma a disponibilidade da intervenção em juízo, quando muito, lá está, evidentemente, do Ministério Público. E aqui o problema é outro: é o de saber se ele deve ter ou não uma simples participação fiscal da lei ou de uma verdadeira parte inteira. Mas penso, por isso mesmo, até para garantir o indivíduo, cuja disponibilidade foi de algum modo transferida para o autor isolado, que é necessário que o Ministério Público tenha um papel principal. E, como sabe, o facto de o Ministério Público até hoje não ter tido qualquer função em áreas como esta não quer dizer que não passe a ter, até porque a Constituição tem uma referência residual às suas competências dizendo: «São estas e todas as demais que lhe vierem a ser atribuídas por lei.»
Também lhe reconheço o risco de juízos de equidade, mas devo dizer-lhe que eles estão bem identificados no projecto de lei; não se trata de uma sobreponderação genérica de juízos de equidade; o que está referido no projecto de lei é que podem ser esses, mais ou menos do que esses, para que propomos essa sobreponderação - e já a palavra «sobreponderação» é diferente da «sobreposição». Não há sobreposição da equidade ao direito estrito mas, sim, sobreponderação de juízos de equidade. A palavra foi milimetricamente - como costuma fazer o nosso Primeiro-Ministro... - escolhida para este diploma.