1628 I SÉRIE - NÚMERO 46
pedindo para tal a decisão parlamentar. A Lei de Arbitragem já foi um passo para a solução de conflitos por meios não convencionais.
Acredito, designadamente, na repristinação dos velhos julgados de paz em tudo aquilo que possa contribuir para que a justiça seja realmente flexível, seja realmente participada. Não que seja uma justiça «popular». Aliás, tudo no fundo tem uma carga histórica ou convencional. Vejamos: quando ouvimos falar de justiça popular, conotamos logo a palavra a um certo momento da nossa vida colectiva e tendemos a rejeitar tal designação. A acção popular, que tem o mesmo qualificativo, surge-nos com uma sempre renovada nobreza. Portanto, tudo devemos fazer para que o qualificativo não se desfigure, mas para que se mantenha puro e que não se ponha ao serviço de interesses que não sejam exactamente os da colectividade, dos grupos plurais ou das pessoas consideradas na sua integração social.
Têm de haver subjacentes ao conceito de acção popular interesses legítimos. E daí que, vistas bem as coisas, a acção corresponderá, pelo menos, no plano civilístico, a pôr em acto a tutela dos interesses designáveis por difusos ou colectivos. Tratar-se-á de interesses meta individuais, que não dizem directa ou imediatamente respeito à própria pessoa, desligada da sua integração social, seja num grupo mais ou menos alargado, seja - como ainda agora acabei de referir, antecipando-me - na própria comunidade. Estará em causa uma justiça cívica, uma justiça «não egoística», uma justiça fundada em interesses «desinteressados».
Por assim ser, deverá essa justiça ser muito especialmente acessível e expedita. E deverá ser também uma justiça tanto quanto possível viabilizada por meios informais. Haverá aqui que imaginar, com prudência audácia, novas soluções e novas metodologias. A justiça judicial é, sem absolutizar o tal marketing da desgraça, tendencialmente lenta. Ocorrem atrasos, lentidões, situações como aquela da vizinha de cima que tem o andar de baixo, há anos e anos, a funcionar mal. Há milhares de pessoas que foram vítimas directas ou indirectas do acidente de Chernobyl e que ainda não estão indemnizadas e outros casos idênticos. Consequentemente, entendo que deve propender-se para uma justiça tendencialmente informal.
Quanto à arbitragem necessária, recordo que - salvo erro, era essa também a ideia do Sr. Deputado Almeida Santos- apresentei aqui a proposta do Governo em 1986.
Por que não imaginar, assim, em termos realísticos, novos mecanismos de arbitragem necessária e de composição de litígios? Há que ensaiar, sem desplantes de cruzada, a aventura da inovação, embora não pondo de parte o aperfeiçoamento da rotina, ou seja, da justiça convencional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nada servirão as leis se elas não forem conhecidas. Isto aqui já hoje foi dito e muito bem. Daí a «pregação» que encetei no início dos anos 70 sobre a necessidade de uma política de acesso ao direito; a designação, de todo inabitual, já que apenas se falava no acesso à justiça, foi mesmo o título de um breve estudo que em 1977 publiquei. Curiosamente, que eu saiba, só em 1984 André Tunc viria a referir, sem para ela propender, a fórmula «acesso ao sistema de direito». Mas já então, na revisão de 1982, o artigo 20.º da Constituição estabelecia desde logo, na epígrafe, a dualidade «Acesso ao direito e aos tribunais», consagrando explicitamente o direito à informação jurídica.
Suponho que as acções de informação jurídica deverão ser enquadradas num sistema permanente, embora flexível e não burocratizado, fundamentalmente a cargo do Ministério da Justiça, posto em cooperação interdisciplinar com outras áreas do Governo e do poder local; essa cooperação terá, como é óbvio, de se projectar na comunicação social, que será sempre o meio natural para formar, espontânea e não dirigidamente, a opinião pública. Dizia, aliás, Fidelino de Figueiredo, em O Medo da História, publicado, salvo erro, em 1957, que «o jornalista é um professor, um professor da actualidade, ensina a vê-la, a julgá-la e a extrair dela um comportamento».
Em verdade, quantas e quantas pessoas têm apenas nos órgãos de comunicação social o seu professor, a sua escola. E aquele alargado escol que difusamente se pode construir neste país tem muito a ver com a acção que a comunicação social possa ter na divulgação e, sobretudo, na quotidianização destes novos mecanismos de acção popular, de interesses difusos, defesa dos consumidores, e de tantos outros que aqui falamos e que na generalidade são desconhecidos de toda a gente.
Ninguém poderá fazer valer direitos e recorrer a meios processuais que não conheça. O direito não é uma mágica; é uma faceta da vida concreta de todas as pessoas.
Estamos, cada vez mais, numa sociedade massificada e a massificação alcança uma não mensurável potência com o uso sistemático da informática. Os contratos são quase sempre feitos a partir de modelos tipificados, que o contraente «forte» impõe, deixando apenas ao contraente «fraco» a pálida liberdade de os aceitar ou não aceitar em bloco. Movido pela preocupação de propiciar aos contraentes «fracos», designadamente no direito do consumo, mas não apenas no direito do consumo, a possibilidade de reagir contra os abusos da supremacia negocial, dei origem no IX Governo Constitucional à publicação do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, respeitante às cláusulas contratuais gerais, ou seja, à defesa do contraente fraco contra os contratos estandardizados, de adesão ou em série. Os chamados contratos com as cláusulas em letra miudinha.
Poderão as pessoas desencadear acções - acções populares, em sentido amplo - destinadas a impedir, em geral, a utilização de tais cláusulas. Poderão propor essas acções as associações de defesa dos consumidores, as associações sindicais, profissionais ou de interesses económicos e o Ministério Público, oficiosamente, por indicação do Provedor de Justiça ou mediante a solicitação de qualquer interessado. Mas, sem arriscar números ou forçar suposições, interrogo-me sobre quantas acções inibitórias das tais cláusulas contratuais gerais abusivas foram desde então propostas e quantos cidadãos comuns saberão que está ao seu alcance reagir contra as agressões negociais decorrentes do mau uso do poder económico.
As acções populares deverão ser, pois, «popularizadas», o que não significará, como é evidente, que possam resultar de meros caprichismos, o que logo implicaria o seu desvalor.
As iniciativas legislativas do Partido Socialista e do Partido Comunista Português representam, pois, um ponto de partida - que evidentemente não sufrago inteiramente e nem qualquer dos proponentes sufraga inteiramente- para uma análise na especialidade, reflectida, amadurecida, e, digamos, amplificada. O projecto do