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21 DE FEVEREIRO DE 1990 1623

Moderna ao acentuar que os cidadãos não devem acomodar-se à ideia de que há «custos inevitáveis» da sociedade industrial; moderna quando incita a defrontar os grandes poderes económicos e políticos, a provocar conflitos saudáveis em vez de aceitar uma pax industrialis assente na destruição do ambiente, no esmagamento do consumidor, na violação incontrolada da saúde pública.
Actual porque se vem agravando entre nós os sinais de destruição, as violações de direitos colectivos e individuais em esferas que a Constituição quis e quer protegidas, não só por este como por outros mecanismos.
Há exemplos mil. Mas os exemplos que há só nos fazem temer que haja outros piores amanhã, que nos surjam um dia contados nos jornais.
Podem ser coisas aparentemente simples (se os flocos matinais do menino Aníbal são regados com leite a martelo e milhares de meninos ficam doentes, quem responde pelos danos? É um problema a resolver, e intrincado ...).
Podem ser gritos de alarme que, no emundo, dão títulos berrantes: «Torre de Belém ameaçada», «Infiltrações no S. Carlos», «Praias nacionais ameaçadas», «Caixas da EDP que rebentam», «Sistemas técnicos de centrais telefónicas que permitem escutas», etc.
Dizemos, por outro lado, que a iniciativa e a inovação constitucional são justas porque o direito de acção popular é, acima de tudo, uma formidável forma de catalisar energia social, uma forma de captar e pôr ao serviço do interesse público os esforços, a atenção, a tenacidade e a inteligência dos cidadãos.
Essa energia social, que dispersa se perde, uma vez concentrada revela inestimáveis potencialidades.
A filosofia participativa, que é constitucional, que é valiosa em si mesma, é também útil para obviar a secura dos cofres públicos. Não se vê outra forma mais eficaz de fazer aquilo que é feito por fiscais, juízes, polícias, deputados e ministros, mas, nesses casos, custa milhões e, por vezes, com incerto proveito.
Pode, também, ser um meio perfeito para defender as populações contra iniciativas que as ameacem: um aeroporto mal localizado, uma instalação poluidora ali ao pé, um mamarracho arquitectónico em construção, um executivo camarário que opte mais depressa por «taveiras» contra a lei do que pela lei contra «taveiras».
O que diz afinal a Constituição? Que não descansem os cidadãos pelo facto de haver ministros, deputados, polícias, juízes, políticos e políticas de todas as cores. É que, mesmo na mais optimista das situações imagináveis, nenhum excelente Ministro do Ambiente - e isto é imaginário, corripletamente - pode substituir um povo de olhos abertos e atento às manigâncias poluentes e, quando faltem ao ministro olhos atentos, talento, saber e potência activa, caberá redobradamente aos cidadãos fazerem por si o que os governos deixem aos Deus dará!
É certo que no seu diálogo directo com o cidadão comum a Constituição lhe diz: «Não deixes de reclamar do Estado tudo o que o Estado tem o dever de fazer.» Mas, logo a seguir, lembra esta outra verdade: «É que a defesa do interesse público é coisa que diz ou pode dizer respeito a todos nós.»
Se os Jerónimos caem aos bocados, Srs. Deputados, isso é não só com o Sr. Santana Lopes mas também connosco, Portugueses, depositários de um tesouro que, vindo do passado, pertence ao futuro.
Se nas minas de Neves Corvo uma fuga química inquina águas e ameaça o próprio Guadiana, pode acontecer que o Sr. Macário Correia exclame, com aquele seu tom proverbial: «Não é tão grave como podia ser.» Mas sucede que este estilo lapalissiano fica com S. Ex.ª o Secretário de Estado, porque, quanto à poluição, temos todos uma palavra a dizer. Uma palavra que impeça descargas tóxicas, não só por acidente como por regra, e que evite depósitos anuais de milhares de toneladas de resíduos tóxicos que tomam zonas mártires como, por exemplo, a região sul de Lisboa, o litoral alentejano, o Baixo Vouga, o Grande Porto, etc.
É justo, diz a Constituição, que se chamem os Srs. Ministros do Ambiente, da Saúde e da Indústria à pedra por este Kafarnaum de violações das boas regras ecológicas, a que se assiste entre nós, este laisser faire que faz dos mixordeiros portugueses uns campeões europeus da impunidade, esta boa vida para os picapatrimónios que nos destroem pedaços de história como se rebentassem estalinhos de Carnaval. Mas o que a Constituição nos lembra, Srs. Deputados, é que a coisa é connosco, é que a coisa é com os cidadãos!
A concessão indevida de benefícios fiscais, a publicidade enganosa, os danos causados por produtos defeituosos ou por instalações deficientes, as mil e uma violações dos direitos dos consumidores são com o INDC (Instituto Nacional de Defesa do Consumidor), com a Direcção-Geral da Inspecção Económica, com as polícias, com o Ministério Público. Mas são também coisa comum possibilitadora de iniciativa autónoma e própria dos cidadãos!
As ilegalidades de certos gestores locais, centrais, empresariais, negociadores do interesse público em interesse privado, são casos de política, é certo, mas o que a Constituição sublinha é que não fica mal a ninguém de bem deitar-lhes uma boa mão.
Servindo para defender a legalidade, a acção popular bem pode, aliás, servir também para combater a corrupção, substituindo o silêncio cívico pela acção capaz de desnudar, expor e punir os responsáveis.
É isto a acção popular!
O projecto de lei do PCP programa e calendariza um conjunto de reformas que consideramos necessárias. Por um lado, o projecto lembra que na Constituição da República, na sua versão vigente, a acção popular já não tem o sentido clássico, não se limita a um direito de intervenção junto dos tribunais, tem um sentido muito mais ampliado, pois é também um direito a agir junto da Administração Pública, através de procedimentos que, para serem eficazes, deveriam ser preferentes, sumários e expeditos. É o que se reconhece, aliás, já hoje na Lei do Ambiente, na Lei de Defesa do Consumidor, na legislação sobre património cultural.
Nessa medida, o caminho não é preciso abri-lo. Está aberto e é preciso aprofundá-lo.
Em segundo lugar, propomos que se alargue a certos actos da administração central a chamada «acção popular correctiva» que combata actos administrativos violadores da lei.
Em terceiro lugar, propomos que se alargue o direito de contrariar acções e omissões ilegais das autarquias locais e das regiões autónomas. Por outro lado, e não menos importante, reforçamos o direito de intervir, supletivamente, quando claudiquem as autarquias, empresas municipais ou regiões autónomas.
O Partido Socialista, Srs. Deputados, envereda por outro caminho. De facto, a Constituição parece simples, na linguagem escorreita do seu artigo 52.º, mas é, com