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1618 I SÉRIE - NÚMERO 46

participação democrática dos cidadãos numa democracia que quer participada; protecção da parte económica e socialmente mais fraca.
Poderia escusar-me de realçar, tão óbvio tudo isto parece, que: se o julgado num caso estende a sua eficácia a todos os casos idênticos, poupam-se processos; instruir e julgar um processo é um serviço público dispendioso, e quanto menos processos menor dispêndio; se o mesmo número de tribunais e juízes tiver de julgar menos casos, serão mais atempadas e eficazes as suas decisões; se o acesso aos tribunais, em certas áreas, é direito de «todos», ganha dimensão o direito à participação democrática de cada um na realização da justiça.
Isolado em face de uma grande multinacional poluente, mixordeira, predadora ou toxicodifusora, o cidadão isolado é fraco e desprotegido. A dimensão atomizada da lesão é, em regra, negligenciável. A soma de muitas pequenas lesões pode atingir a catástrofe. A força somada de muitos fracos atinge a potência da bomba.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - É esta, porventura, a mais significativa recomendação jurídica e política da acção popular, da acção colectiva e das acções de grupo.
Von Hippel escreveu a este respeito: «Quem em direito reflecte sobre a defesa dos mais fracos depara imediatamente com o tema da defesa dos consumidores.»
E por que não das vítimas de agressões ecológicas, de depredações culturais ou até de cláusulas contratuais genéricas ou de adesão que sejam ilícitas?
Ao descomprometer o direito à jurisdição com a pequenez do interesse individual lesado ou com a desprotecção da parte mais fraca, e ao contrapor o grande remédio da acção popular ao grande mal das bagatelas civis e penais epidémicas, a Constituição portuguesa apontou para a necessidade de colectivizar ou grupalizar (não receemos as palavras) a reacção contra lesões colectivas ou de grupo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, se são tão óbvias as vantagens, não são menos óbvias as dificuldades a encarar e as opções a fazer. Desde logo o facto de a abertura a formas de legitimação colectiva ou de grupo impor até certo ponto o sacrifício de algum perfeccionismo processual e até do rigor de princípios que só a contragosto se relativizam, como são os casos dos princípios da audiência e do contraditório na sua pureza tradicional e, não menos, do princípio da subjectivização da legitimidade, da representação e da culpa.
Mas não terá sido em parte por nos termos mantido aferrados à rigidez destes e outros conceitos que o nosso direito ficou inelutavelmente velho? Se a vida é movimento, o direito não pode ser estagnação e rotina.

Aplausos do PS e do PRD.

Eis, pois, uma matéria que não abordaremos com excessiva confiança nem excessiva timidez e também uma matéria que não poderá deixar de resultar positivamente sem o concurso de todos nós. As dúvidas hão-de resolver-se com a ajuda de todos. A timidez, com a coragem necessária para a busca de um novo equilíbrio entre o grau de perfeccionismo e o nível de eficácia do nosso sistema jurídico e judicial.
Aprontado este projecto de lei, expedi-o, implorativo, a alguns ilustrados juristas. Recebi de volta, entre estímulos que em caso nenhum foram regateados, o contributo de sólidas dúvidas e o adjutório de algumas sugestões e reparos.
Gostaria de aqui deixar registados os mais significativos, contemplando de passagem - a título de homenagem - um ou outro aspecto do projecto do Grupo Parlamentar do Partido Comunista.
Primeira questão: dado o carácter ainda assim indicativo do preceito constitucional que alarga a consagração da acção popular, não deveria desde já ser preenchido o espaço deixado em branco pela Constituição através da identificação de outros direitos e interesses igualmente dignos de especial protecção em que a acção popular se traduz?
O Sr. Deputado Mário Raposo coloca a questão no seu douto relatório. O projecto do Grupo Parlamentar do PCP propõe que se alargue o objecto da acção popular, em termos genéricos: à prevenção, cessação e perseguição judicial do domínio público e demais património do Estado, das autarquias e do sector público; ao direito de intervenção, junto das entidades públicas, designadamente da Administração Central, Regional e Local, bem como do sector público empresarial, mediante procedimentos administrativos sumários preferentes e expeditos.
Assim, pois, defesa de todo o património público em sentido lato, e não apenas do património cultural e defesa não apenas através de meios judiciais, mas também de procedimentos administrativos.
O legislador tem, digamos, o caminho aberto, a faca e o queijo na mão. Nada, em teoria, impede que se amplie o objecto da acção popular, onde essa ampliação se não revele inconstitucional. Só que o bom senso recomenda que, em matéria de tamanha novidade e tanto melindre, se não avance de mais sem a rede de alguma experiência prévia.
No projecto de que sou um dos responsáveis, optou--se intencionalmente por secundar a prudência do legislador constituinte. Não me repugna, por exemplo, que no domínio do direito de acção administrativa se vá para alem do mero contencioso de anulação, como consta, aliás, do projecto de lei do meu grupo parlamentar, e se avance desde já até às acções administrativas propriamente ditas contempladas implicitamente no n.º 5 do artigo 268.º da Constituição.
Ainda assim muito aquém do «salto» proposto no projecto de lei dos Srs. Deputados do Partido Comunista, que extravasam do domínio da intervenção judicial, com desprezo da sugestão contrária decorrente da qualificação da acção popular como um direito de «acção» e também referido à prevenção e à perseguição de infracções.
Segunda questão: deverá o Ministério Público intervir a título principal ou apenas acessoriamente? O Sr. Deputado Mário Raposo também me premiou com essa dúvida, que é bastante justificada e positiva, mas...
É ainda matéria de livre opção, mas livre também de qualquer vinculação ao que até hoje tem sido o papel do Ministério Público.
Seguiu-se, no projecto de lei do meu grupo parlamentar, a solução da lei do Brasil. Não por solidariedade luso-brasileira, mas por se ler entendido que os interesses em causa no âmbito configurado, de natureza colectiva não pública, ou quando menos difusa, justificam, por aproximação, a não secundarização do papel do Ministério Público.