O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

21 DE FEVEREIRO DE 1990 1621

Ela vem dizer: «O que é que me interessa agora que o senhor esteja a reconhecer isso, se já não tenho marido, já perdi os filhos, perdi o emprego e agora isto já não me resolve problema nenhum!»
Portanto, a justiça eficaz é inimiga da justiça perfeita - temos de reconhecer isto. Há um equilíbrio entre o grau de perfeição e o grau de eficácia e o que acontece é que somos perfeccionistas em extremo.
Devo dizer que o puzzle romanístico é um puzzle sedutor. Aliás, nós, que durante tantos anos vivemos sem direito de opinião, sem liberdade de imprensa, apesar disso, dentro dos processos judiciais, o Salazar nunca tocou nos direitos de o réu e de o autor requererem tudo; para subir e descer o recurso, com efeito, sem efeito, mais um incidente, mais não sei o quê, depois ainda se pendurava uma segunda acção na primeira ...
Isto faz-me lembrar um velho administrativo de Moçambique, que era até um indivíduo apreciável - o Prof. Adriano Moreira conheceu-o, o Abel Baptista, que era um grande administrativo -, mas que, enfim, lá caiu na desgraça de ter um processo disciplinar grave que poderia resultar em demissão. Ora, o que é que ele fez? Quando chegava ao fim e estava para ser julgado - estava perdido, pois ia ser demitido -, arranjava outro processo disciplinar e apensava-o ao primeiro, começando a, por sua vez, fazer demorar o novo procedimento ... Chegou a 11! Pois não houve problema nenhum: reformou-se, morreu de morte natural e os processos não chegaram a ser julgados ...
Este é um exemplo de como pode ser caricatural a preocupação da perfeição técnica e processual em detrimento da eficácia jurídica.
Não direi que os nossos tribunais são uma vergonha, pois, nesse aspecto, são muito louváveis, a sua técnica é perfeita. Só que os cidadãos não querem perfeição, mas justiça, a qual é por vezes comprometida com as delongas dos julgamentos. Na realidade, há casos de um ridículo infernal. Um processo de inventário não se resolve em menos de três, quatro ou cinco anos!
Há até o caso de um outro amigo meu-já agora desculpem a graça - que foi a Goa. Ora, como sabem, os portugueses de Goa gostavam muito de litigar-nós até, de algum modo, herdámos isso dos Árabes. Então, como ia dizendo, esse meu amigo viu um corropio de gente a correr para uma casa e, como jornalista, foi saber o que se passava. Chegou lá, deparou com um banquete (coma para a direita, coma para a esquerda) e perguntou: casamento? Responderam-lhe que não, que não era um casamento. Ele calou-se, continuou a comer e daí a um bocado perguntou: baptizado? Também não era baptizado... Perguntou então que raio era aquilo. Respondeu-lhe o seu interlocutor: ganhou recurso! E que o anfitrião tinha ganho um recurso num processo de inventário que, finalmente, ao fim de duas gerações, atribuía os bens aos herdeiros de um desgraçado qualquer que já tinha morrido não se sabe há quanto tempo!
Este ridículo é possível e ocorre todos os dias, kafkiunamente, nos nossos tribunais. Isto para não falar nessa coisa bonita de que a ignorância da lei a ninguém aproveita. E assim eu, que não conheço a lei, infrinjo-a sem a conhecer e sou colocado na mesma posição do indivíduo que a conhece sabiamente. Não pode ser! É o problema da informação jurídica.
Depois um outro problema é o do acesso aos tribunais. Na verdade, o rico contrata o melhor advogado, enquanto que o pobre, coitadinho, vai ao Sr. Ministro da Justiça pedir uns tostões para poder litigar. Pedem-lhe depois para provar que é pobre e ele vai à junta, vem com o atestado, mas mesmo assim não é suficientemente pobre ... Ou então, se é suficientemente pobre, tem um advogado de segunda, que faz uma defesa de quarta. É evidente que não pode ser!
Por conseguinte, o que é que tudo isto tem de ver com este projecto de lei? O que é o nascituro - pergunta-me o Sr. Deputado Herculano Pombo?
Como todos os nascituros, é um mistério. Pode nascer com saúde ou débil - não sabemos. Depende em parte, mas não inteiramente de nós.
A questão é esta: desejamos nós ou não, em consciência, que o cidadão possa contribuir para a realização da justiça nos limites da acção popular? Vemos isso com bons ou com maus olhos? Sc vemos com bons olhos, honestamente, penso que isto pode construir um caminho. Porém, se começamos desde já a boicotar silenciosamente o seu êxito, nunca mais se chegará a parte nenhuma.
Se 700 indivíduos compraram um automóvel com defeito, faz-me muita confusão porque é que cada um deles tem de pôr uma acção no tribunal para pedir uma indemnização, quando a ré é a empresa que os vendeu a todos, a qual, por seu turno, é capaz de chamar à acção a produtora do automóvel. Temos então 700 acções para julgar o mesmíssimo caso, com o mesmo automóvel, com o mesmo prejuízo, porque o defeito é o mesmo! Faz-me assim confusão porque é que não podemos grupalizar, colectivizar, pluralizar a legitimidade neste tipo de casos. Porque não?!
Vamos a outro caso: há um remédio falsificado, que pode ter matado n crianças ou pode ter apenas provocado n diarreias. Ora, isolada a lesão, temos que, mais uma menos uma diarreia, o caso não tem grande importância. No entanto, considerem isso ao nível da saúde pública, supondo que foi um milhão de crianças a serem afectadas por este remédio - quem diz remédio, diz um alimento ou uma salsicha estragada produzida por um mixordeiro. A tendência para o indivíduo isolado é dizer: mas porque é que eu vou pôr uma acção contra aquele monstro, aquela multinacional? Eu vou perder! Ela tem os melhores advogados do mundo e eu não tenho a possibilidade de combater com ela! Bem, o meu interesse é pequeno; será melhor engolir o meu interesse ...
Portanto, se conseguirmos a legitimação de grupo, iremos permitir que n indivíduos se juntem, façam uma «vaquinha» para as custas e combatam o malandro. Ou, então, através de uma associação, que até hoje não tem quase lido grande actividade, passando a toda com este diploma.
Poderão dizer-me que essa abertura já existe na lei que rege os consumidores. Porém, não existe a regulamentação legal da lei! É que é necessário que o efeito dessas decisões se prolongue para lá do caso individual; um efeito ultra partes, inclusivamente um efeito erga omnes, perante todos, para que a acção popular possa ter algum significado. Na verdade, se continuar a ter somente efeitos caso a caso, não vale a pena estarmos a pensar na acção popular.
Diz também o Sr. Deputado Herculano Pombo: «mas coitadas das associações que se aventurem, enredadas nas leis» ...
Penso que a partir de uma abertura processual que lhes garanta determinadas facilidades, nomeadamente alterando as competências e os poderes do juiz no processo, permitindo uma certa celeridade, permitindo a redução do