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1620 I SÉRIE - NÚMERO 46

Apesar de todas as garantias que, hoje, já pululam por aí em diversas leis, nomeadamente em legislação atinente aos direitos do consumidor, em matéria do ambiente e outras que tais, o cidadão tem-se aventurado e o menos que lhe tem acontecido é Ficar enredado nas teias da lei e na sua ineficácia, quase alcançando o objectivo, muitas vezes, acontecendo-lhe que ele próprio é devorado.
Recordo um caso dramático, que existe hoje na zona do Porto, de uma família a quem instalaram uma indústria por baixo do andar em que vivem, que é extremamente poluente e que os está a matar, mas que se encontra licenciada. Esse cidadão tudo o que conseguiu, depois de ter batido a todas as portas, inclusivamente à porta do tribunal, foi que o senhorio intentasse contra si uma acção de despejo, porque paga seis mil escudos de renda, contra os 80 mil escudos que paga a indústria instalada no rés-do-chão.
É este, portanto, o panorama que temos no acesso dos cidadãos aos seus direitos consagrados na Constituição e é isto que urge modificar.
A questão que lhe ponho é esta: que faremos agora com a criança nos braços, criança que está a nascer? Que faremos com ela? Que cenários previsíveis para o acesso dos cidadãos aos tribunais mediante o que parece ser um novo processo judicial aqui em acto de nascimento? Que pavores poderá esta lei gerar nos agentes económicos face a cenários de indemnizações enormes, que terão de ser pagas, por acções irreflectidas ou facilitadas por uma Administração que não tem tido os mínimos cuidados aquando do licenciamento de actividades que, parecendo legítimas, se vem a revelar contrárias ao interesse e à saúde pública?
Por fim colocar-lhe-ia uma última questão: será legítimo a iodos nós, cidadãos, atraídos pela beleza dos ideais da defesa dos valores em maioria de qualidade de vida e em matéria de conservação do ambiente, esperar desta nova legislação a faculdade de nos podermos constituir como representantes em tribunal dos interesses daqueles que ainda não nasceram, isto é, das gerações futuras a quem temos de deixar, por direito próprio, esta terra que nos emprestaram?

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, gostaria de lhe colocar uma questão que não se prende na especialidade com esta sua iniciativa tão inovadora, mas que, ao mesmo tempo, elaborou de uma forma tão competente e tão distinta. V. Ex.ª diz que navega sem bússola, mas o articulado desmente-o!
Assim, a questão que quero colocar é a seguinte: V. Ex.ª sabe ião bem como eu e como toda a gente o estado em que se encontra a nossa justiça. Sabemos quantas e quantas pessoas se dirigem aos tribunais para exercitar a sua segurança e verificam, às vezes com espanto e outras com revolta, mas sempre com angústia, que os seus direitos não são minimamente acolhidos.
V. Ex.ª, como ilustre profissional do foro, sabe que existem acções que se arrastam anos e anos para serem julgadas, com preterição de direitos fundamentais.
Portanto, gostaria que me respondesse como é que, na actual situação dos tribunais em Portugal, na actual situação dos códigos processuais e na actual situação da justiça, se vai inserir esta iniciativa.
Será que a justiça, tal como é exercida em Portugal, neste momento, é compatível com o levar até às últimas consequências o espírito que está subjacente nesta iniciativa?
Se a justiça já não é suficiente para dar resposta a quem litiga com legitimidade - e aqui estou a falar na legitimidade do direito romano, antes da pré-revolucionária, em termos processuais, se V. Ex.ª me permite a expressão-, como é que ela vai dar resposta às novas legitimidades? Aos interesses difusos? A toda a economia processual que V. Ex.ª aponta, e tem de apontar, na sua iniciativa legislativa?
Será que estamos a criar mais uma expectativa que não vai ser respondida? Será que estamos a criar direitos imaginários, esperanças desligadas da esperança concreta? Que pensa disto?
Não acharia que primeiro era melhor arrumar a casa - é uma pergunta - e, então, depois de os direitos essenciais estarem assegurados, inovar, o que infelizmente, neste momento, não acontece.

Entretanto, reassumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Tenho consciência de que estamos em face de um desafio complicado e ou aceitamos este desafio ou não aceitamos.
Temos a possibilidade de desistir e, se os Srs. Deputados disserem que o melhor 6 desistir, vamos todos desistir. Ficamos mais uns anos, talvez umas décadas ou um século a viver de acordo com o direito romano, na sua quase pureza inicial, o puzzle com os conceitos romanísticos quase sem novidade, e, entretanto, vão crescendo novos direitos, como o direito do trabalho, o direito dos consumidores, o direito do ambiente ..., toda a problemática jurídica ligada a estas áreas, ao património cultural, aos direitos fundamentais, aos direitos, liberdades e garantias ... E, assim, continuamos a ir ao tribunal em bicha, um a um, o José Joaquim a litigar contra o José João .... o juiz perfeccionista a deixar seguir o recurso, a deixar instituir o incidente, a julgar o incidente em separado ..., eu sei lá, .... com todos os processos dilatórios que hoje são possíveis, até sem inteligência, mas só com habilidade forense.
Se quisermos continuar assim, pois é evidente que qualquer dia os tribunais cairão no escárnio do povo português! Já não estamos muito longe disso. Então em tempos de inflação ...! É que um indivíduo tem um acidente hoje e pede uma indemnização de 100 contos, mas o caso só é julgado daqui a 5 ou 10 anos, e nessa altura o que é que vale essa indemnização, se o juiz lha atribuir? Compra uma caixa de fósforos e anda a pé, pois não tem outra solução! Pode acender um cigarro, mas o que já não pode é andar de automóvel.
Por outro lado, mais grave do que isto é o caso de uma senhora que foi vexada na sua honra, pois imputaram-lhe um facto desonroso e o marido acreditou, pedindo o divórcio. Ela perdeu o divórcio, perdeu o marido, perdeu os filhos, e ao fim de três anos o tribunal veio dizer: «Tem toda a razão a Sr.ª Maria Joaquina, pois é evidente que aquele senhor a desonrou, a ofendeu na sua honra...».