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1616 I SÉRIE - NÚMERO 46

um futuro em que as novas antenas continuariam a difundir as velhas asneiras e a sabedoria continuaria a só passar de boca em boca.
Passar a sabedoria de boca em boca traz-nos, de novo, ao Hermes, que, mensageiro, serve para deus dos comerciantes. Mas, se, contraditoriamente, se pode referir, por via da expressão hermética, o dito popular de ser o segredo a alma do negócio, deste negócio que se pretende, governamentalizadamente, que sejam as reprivatizações, lambem contraditório é que sirva para não haver resposta oportuna a requerimentos que se vão fazendo.
Não é descabido, ou pensamos que não o seja, falar agora de deuses e mitos, quanto se vive a euforia do mito da iniciativa privada, se endeusa o que tem pés (e não só) de barro e asinhas de ornamento. Desçamos do Olimpo e procuremos desmitificar, ou, melhor, desmistificar. Se há iniciativa privada que mereça encómios, amparo, auxílio, não é a que forma o salto/assalto ao grande bodo, mas a do pequeno agricultor, do pequeno industrial, do pequeno comerciante, do emigrante que regressa ou prepara o regresso, com as suas poupanças, de todos os que, sendo pequenos, terão direito a contribuir para o bolo, mas não terão voz na sua partilha e direito de participar na sua gestão, ingestão, digestão. Mas - é claro - as suas poupanças serão bem-vindas, até porque, assim, também se evitará que vão engrossar o consumo privado de tão malfazejos e ou malquistos efeitos macroeconómicos...
Mas é para pequenos comerciantes que queria vir aqui chamar-vos a atenção, Srs. Deputados: para os pequenos comerciantes que vêem as grandes superfícies fazer minguar-lhes o espaço, que adivinham o desejo de que seja substituída a sua função social, que são outra coisa que não máquinas enormes e impessoais de vender muito e aparentemente mais barato, que tem uma cara, uma voz, um rol para fiados que vale muito mais do que o que o folclore possa guardar, que sofrem a inflação, as dificuldades do desconto de letras e os plafonds' do crédito bancário, que vivem no pulsar de unia comunidade de que fazem parte, que esperam uma reestruturação cheia de cifrões que o Sr. Primeiro-Ministro não mandou anunciar por ninguém e deu ele próprio notícia - vai para quase meio ano! - e de que ainda não receberam qualquer confirmação que a eles respeite, que tem os seus estabelecimentos inundados pelas águas das cheias da nossa imprevidência - como nas zonas ribeirinhas do Douro, em Constância, na Ribeira de Santarém, em Tomar, em vilas e cidades do Algarve - e vêem passar ao lado os subsídios, os auxílios, as ajudas para começar de novo.
Num outro dia, um Sr. Deputado, com um certo ar desdenhoso, disse - mais ou menos - que há intervenções nesta Câmara que são feitas para que saiam no jornal paroquial ou na folheca regionalista. Esta não se envergonharia de se assumir entre tais, para que os pequenos comerciantes saibam que não estão esquecidos - apesar de não haver eleições à porta -, que aqui se fala deles, que há requerimentos que se fazem ao Governo e de que não aparece ou tarda a resposta, que os seus problemas não nos são indiferentes e que contribuiremos como pudermos para que sejam encarados e para a resolução de alguns deles.

Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos na primeira parte do período da ordem do dia.
Estão em apreciação os n.ºs 36 e 37 do Diário da Assembleia da República, 1.ª série, respeitantes às reuniões plenárias de 25 e 26 de Janeiro passado.

Pausa.

Visto não haver objecções, consideram-se aprovados.

O Sr. Presidente: - Da segunda parte deste período consta a discussão conjunta dos projectos de lei n.º 465/V (PS) - Exercício do direito de acção popular - e 480/V (PCP) - Acção popular.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Social e tecnologicamente, a Terra também se move. E os que julgam poder dormir à sombra dos equilíbrios conseguidos, melhor é que tomem um café, espevitem e por sua vez se movam. Assim, por mais verdade que seja - e sem dúvida é - que «o advogado da mudança tem sempre uma tarefa mais difícil do que o advogado da conservação e da ordem». Foi Bertrand Russel quem o disse e eu, ao aproximar-me do lema da acção popular, expedi in mente um fax concordante à memória do saudoso filósofo.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Eis uma lei que repele o amadorismo e que faz apelo a um grau inusitado de inovação e, por isso, de coragem.
O mínimo que se pode dizer é que não é uma lei como as outras, tão certo é sair das calhas conceituais em que os juristas tradicionalmente se movem.
Como resumirei a novidade em termos políticos o bastante para os Srs. Deputados que não são juristas?
Desde a matriz romanística do nosso direito que este encara a lide na perspectiva atomística do indivíduo isolado. O direito é de cada um, a relação processual é de cada qual. Excepcionados os casos de coligação de autores ou de réus - esses mesmos excepcionais também -, o processo civil, base de todos os demais sistemas processuais, é, tipicamente, um processo a dois. O autor e o réu são, em regra, desde Roma, os ululares da relação material controvertida. A legitimidade para agir em juízo, como autor ou como réu, identifica-se, desde o Lácio, com o interesse directo em demandar ou contradizer. A figura da representação judicial tem por base, há mais anos do que tem a Sé velha, a relação voluntária de mandato. A eficácia do caso julgado não impede, como regra, a repetição da causa entre quem não foi parte nela.
O Ministério Público tem, como se sabe, o exclusivo da acção penal. O interesse público tem como exclusivo intérprete o próprio Estado. O cidadão pode ir a juízo defender os seus interesses, não os interesses de muitos ou de todos.
Uma ou outra excepção a estas afirmações redondas não lhe comprometem o significado.
Pois bem: a regulamentação do exercício da acção popular, sobretudo se lhe acoplarmos uma mirada sobre a regulamentação da defesa dos interesses difusos, põe em causa tudo isso. Simbolicamente, cai o Arco de Constantino.