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1708 I SÉRIE - NÚMERO 49

Preferíamos um outro tipo de originalidade. Uma originalidade traduzida em propostas concretas para o alargamento do debate europeu no seio do Conselho da Europa e para uma nova projecção dos valores culturais e históricos que constituem o património singular e único do nosso país.
Por isso nos parece necessário e urgente um debate sobre esta matéria. Gostaríamos de ter a felicidade de ouvir o Sr. Ministro e de o ver aqui explicar, se possível em português, qual o seu plano para a presidência portuguesa no Comité de Ministros do Conselho da Europa.
E, desde já, afirmamos a nossa disponibilidade e o nosso apoio para que ela possa ser uma presidência digna e prestigiante para Portugal. Seremos os primeiros a bater palmas ao Governo se este as merecer. Mas reivindicamos o direito de discutir, na sede da representação nacional, uma política que em nosso nome é feita e a todos nos compromete.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mas não é só na Europa que este é um tempo de mudanças nunca dantes visto. Assiste-se, por todo o lado, ao chamado «efeito Perestroika», ao fim da estrategização, à caducidade dos conceitos globalistas, ao perecimento da lógica dos blocos e a uma nova atitude perante os problemas do desenvolvimento e dos direitos do homem. Outra é também a abordagem das questões regionais. Como sublinhou recentemente um conhecido analista, «a desglobalização estratégica» produz efeitos semelhantes tanto em países aliados da União Soviética como em países pró-ocidentais. Confirmam-no as recentes eleições democráticas na Nicarágua. Mas também as reformas empreendidas pelo Presidente De Clerk, cuja coragem cumpre saudar, nomeadamente no que se refere à libertação de Nelson Mandela, herói da luta anti-apartheid e um dos grandes símbolos do nosso tempo.
O novo processo iniciado na África do Sul, a próxima independência da Namíbia, a evolução política em Moçambique e as reformas recentemente anunciadas pelo Presidente Eduardo dos Santos constituem outros tantos indícios de mudanças profundas na África Austral. Mudanças essas relativamente às quais Portugal pode e deve desempenhar um papel ditado pela história, pela língua, pela experiência e pelos múltiplos laços e interesses que nos ligam àquela região. E isto, não no sentido de fazer da questão africana - particularmente de Angola - uma questão interna portuguesa, nem de projectarmos neste aspecto essencial da nossa política externa os nossos conflitos e querelas do passado, mas no sentido de definirmos, sem sectarismos nem fixações obsoletas, uma política de Estado verdadeiramente nacional, capaz de dar um novo impulso e um futuro novo aos laços da língua, da história e do próprio sangue.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - Conforme foi assinalado no encontro realizado em Luanda entre os responsáveis angolanos e o Ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, está em marcha o processo conducente ao fim do apartheid e do partido único. Está igualmente em marcha um novo tipo de relacionamento entre países até agora divididos pelo conflito e pela guerra. Mas, como costuma dizer o Sr. Deputado Adriano Moreira, é necessário que «as armas da paz substituam as armas da guerra». A paz em Angola e o desmantelamento total do apartheid são condições fundamentais para a estabilidade e para o próprio sucesso das mudanças em curso em toda a região. Em nome do Partido Socialista tenho a honra de sugerir que seja formulado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República um convite a Nelson Mandela para visitar o nosso Parlamento; que uma delegação da Assembleia da República, preferencialmente composta por membros da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, se faça representar nas próximas cerimónias da independência da Namíbia, país onde vai iniciar-se a experiência de uma democracia pluralista em África; que essa mesma delegação, ou outra, se desloque à África do Sul, para aí contactar com representantes do Governo, do ANC e de outras forças políticas e também com a comunidade portuguesa que, neste tempo de mudança, deve ser informada, ouvida, acompanhada de perto e sobretudo esclarecida para que não se precipite e para que não se repita a vergonha de uma bandeira nacional numa manifestação racista e neonazi.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Penso, aliás, que as manifestações racistas -c ainda hoje houve notícia de mais uma - têm de começar a ser combatidas com vigor na ordem interna. Se algo há de profundamente contrário à cultura e à tradição de Portugal, é o racismo. Irradique-se, quanto antes, esta praga da sociedade portuguesa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Portugal tem uma palavra a dizer em África, nomeadamente em Angola: a que lhe for solicitada pelas partes interessadas, mas também a que soubermos suscitar e sugerir pela nossa estratégia própria, pela nossa habilidade diplomática e política.
A contribuição de Portugal para a paz em Angola exige, em primeiro lugar, a despartidarização e desideologização da posição portuguesa relativamente às partes em conflito. Portugal tem com Angola relações de Estado a Estado. Para além das nossas simpatias ou antipatias pessoais, não temos, a este nível, de tomar partido pelas partes em confronto. Fazer do conflito angolano uma questão interna portuguesa é uma atitude que enfraquece a posição de Portugal. Angola está no nosso coração, mas não é nossa. É um país soberano e a nossa contribuição para a paz só será viável se for a expressão de uma atitude adulta, de uma posição de Estado.
Em segundo lugar, o abandono de quimeras megalómanas, como a da tão propalada mediação portuguesa. A solução do conflito angolano não pode deixar de passar pela mediação africana. A contribuição de Portugal deve ser no sentido de criar condições para que essa mediação se converta numa mediação angolana. Só o diálogo entre Angolanos pode conduzir à paz. Ninguém melhor do que os próprios Angolanos para realizar a necessária mediação e lançar as bases para a construção de um futuro de paz na grande nação irmã.
Também nesta matéria é urgente debater em sede própria, aqui, na Assembleia da República, a política africana de Portugal.
Há, naturalmente, iniciativas que exigem discrição. Mas uma estratégia nacional relativamente a uma tão grande prioridade da nossa política externa não pode ser considerada e tratada como um segredo de Estado.