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1966 I SÉRIE —NÚMERO 55

Porém, esses impulsos são muito necessários para a mudança da nossa sociedade. Agora, naturalmente, a mulher, por uma ociosidade a que foi forçada, foi acumulando energias que talvez a predisponham para ser mais activa no mundo da política cultural, que eu penso ser o seu domínio natural, porque é a cultura que vai transformar tudo. Sempre foi assim e assim há-de ser. Não estou a substimar o papel da mulher, bem pelo contrário! Quanto àquele senhor...

O Sr. Amândio Gomes (PSD): — Amândio Gomes!

A Oradora: — Desculpe, Sr. Deputado, mas faço-lhe notar que a «bomba» demográfica é um perigo que ameaça a nossa civilização.

Risos

Realmente a reprodução da espécie tem de continuar, nós não podemos desaparecer da face da Terra. Todavia, a «mulher parideira» não é propriamente o modelo que me encanta.

Aplausos do PRD. do PS. do PCP e de Os Verdes e risos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado. Sr.ªs e Srs. Deputados: O estatuto da mulher na sociedade preocupa a intelectualidade europeia desde, pelo menos, há 300 anos, sem que a querela ou as querelas tenham ainda terminado. Neste final do segundo milénio ninguém discute se a mulher e o homem, sob o ponto de vista de natureza, são semelhantes entre si, para daí fundamentar a sua igualdade — como sucedeu com Poulain de La Barre em 1673, na sua primeira Carta dos Direitos da Mulher —, se são complementares um do outro—como queria Rousseau, partindo daí para as «irredutíveis diferenças»— ou se — como Didcrot — acham que o homem deve assumir a primasia, muito embora não deva tratar as mulheres como enfants imbeciles até serem «convenientemente instruídas».
Os homens da Revolução Francesa, embora favoráveis à igualdade formal, não reconheceram os direitos do homem, ou os direitos naturais imanentes à pessoa humana, às mulheres. A Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, de Olympe de Gouges, em 1791, ficou le-tra-morta, e a mesma sorte acompanhou o primeiro projecto do Código Civil apresentado por Cambacérès, cujo debate foi adiado sitie die pela Convenção em Agosto de 1793. Mais: a Convenção opôs-se ao voto das mulheres, proibiu-lhes o direito de associação sob o pretexto de que «cada sexo deve ser chamado a exercer um sector de ocupação que lhe é próprio», remetendo assim a mulher ao lar familiar, «porque a natureza, que estabelece os limites ao homem e à mulher, é imperativa e não pode ser alterada por lei».
O Código Napolcónico consagrou a desigualdade em nome da complementaridade dos sexos: aos homens os direitos, às mulheres as obrigações. Como dizia François Piq: «O Código Civil é o código dos direitos do mais forte, que garante os do pai e do marido.»
É bom recordar que foram os países protestantes que tomaram a dianteira às nações católicas e foi nas colónias inglesas da América, os futuros Estados Unidos, que as esposas dos «peregrinos» começaram a lutar pelo direito do voto em vésperas da independência. O Congresso Federal de Filadélfia, representando os 13 Estados, deixou a cada Estado a liberdade de inscrever ou não na sua Constituição os direitos políticos da mulher. Nenhum o fez. Após meio século, as mulheres americanas aproveitaram o movimento da abolição da escravatura para organizar, em 1848, o National Women Suffrage Convention. Três anos depois da abolição da escravatura o Estado de Wyoming é o primeiro a conceder, em 1866, o direito de voto às mulheres e só em 1919 uma emenda constitucional reconheceu o direito em termos nacionais.
Na Europa, pela mão de Clara Zetkin, fundadora do jornal A Igualdade, lançado em 1892, é que o Partido Socialista da Alemanha inscreve, pela primeira vez, no seu programa, a igualdade política, económica e civil das mulheres.
A França fá-lo no fim da Segunda Guerra Mundial pelo decreto de De Gaulle de 21 de Abril de 1964, quando chefe do governo provisório.
Há quem veja grandes diferenças entre os Americanos e os Europeus no tocante ao combate pela igualdade da mulher.
Já Tocqueville, no seu De Ia Démocratic en Amériquc, dizia: «Em quase todas as nações protestantes as raparigas são infinitamente mais senhoras das suas acções que nos países católicos. A independência das mulheres é muito maior na Inglaterra e noutros países protestantes, onde a liberdade penetra na família através de hábitos políticos e crença religiosa.» Tocqueville regista com admiração, em 1840, nas jovens americanas a ausência de timidez e de falso pudor e retira a conclusão de que «em democracia, a independência individual não pode deixar de ser muito grande onde existe a autoridade paterna forte e o poder marital não contestado». Desde 1826 todos os Estados americanos dispõem de escolas primárias, secundárias e universidades criadas por fundações privadas para a educação das mulheres. São famosas, desde então, Vassar College (1865) e Radeliffe (1882), por exemplo, que ainda hoje mantêm o ensino para mulheres.
Na Europa, particularmente em França, ainda neste século se escrevia que «a mentalidade dos latinos não se acomoda, de modo nenhum, às mulheres, que reclamam para elas os direitos que têm os homens», ou frases como esta: «A agitação das sufragistas inglesas choca a sensibilidade dos Franceses.» O ensino nesta «terra das luzes» foi sempre deixado às religiosas e são os republicanos laicos que se batem pela abertura das escolas às mulheres. Só em 1924 é que é decretada a igualdade no ensino.
Nos países do Leste, não obstante os decretos de Lenine de 19 de Dezembro de 1917 e de 17 de Dezembro de 1918, que reconheciam às mulheres o direito à autodeterminação económica, social e sexual, a sociedade russa c os países da Europa Oriental pouco uso fizeram destas liberdades outorgadas. Como explica Elizabcth Badintcr, no Congresso de Kicv, de 1932. foi denegrido o aborto para preservar a raça; em 1944, o aborto foi incriminado e punido com pena de dois anos de prisão; em Março de 1934, a velha legislação czarista, que incriminava a homossexualidade, foi readaptada com penas agravadas; o estatuto de filho ilegítimo foi prejudicado,