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23 DE MARÇO DE 1990 1967

desresponsabilizando o pai de fornecer alimentos ao filho nascido fora do casamento. As leis de 193S e 1946 instituíram benefícios às mulheres que tivessem seis filhos do casamento, etc. Em suma, o estalinismo adoptou medidas semelhantes ao czarismo — algumas até do nazismo — para «a protecção da família».
Na Europa Ocidental, só nos últimos dois decénios, como sucede em Portugal, depois de Abril de 1974, é que o movimento emancipalista se acelera por todo o lado: em 1973, Edgar Morín, no seu Lê Paradigme Perdu, ainda podia queixar-se de «a classe de homens ter apropriado o governo e o controle da sociedade e de ter imposto às mulheres e às jovens uma dominação política que ainda não terminou».
Em vários países, os movimentos feministas falam hoje do direito de, tal como os povos, as mulheres disporem de si próprias; ter direito à busca da sua própria identidade, a reagir contra a colonização interna dentro do mesmo país. Nos Estados Unidos da América há quem queira juntar o movimento feminista ao dos negros, como a NOW (National Organization of Women), liderado por Betty Friedman.
Como disse uma dirigista feminina, «existe hoje um outro Vietname a ganhar contra o imperialismo paternal e marital» e não falta quem se inquiete sobre o futuro do planeta no dia em que as relações entre os sexos, devido aos progressos da ciência, sejam tão iguais que incitem homens, como Frydeman, meio assustado e meio crédulo, a afirmar à revista Actuei: «Só me falta agora assistir ao mundo virado do avesso.» Não temos esse pessimismo!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Como podemos ver, Portugal não está muito distanciado do que se passa na Europa Ocidental e Oriental quanto ao estatuto da mulher.
O debate sobre os problemas da mulher em Portugal c, certamente, uma das valiosas contribuições para as portuguesas ganharem, também elas, o seu próprio «Vietname»... contando que não virem o nosso país do avesso!...

Aplausos do CDS, do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): —Sr. Presidente, Srs. Deputados: A abordagem dos problemas das mulheres portuguesas aqui, nesta Assembleia, tem-me trazido, ao longo dos anos da minha experiência parlamentar, um sentimento misto de alegria c dissabor. Alegria porque o debate no feminino, feito por homens e mulheres, demonstra que a realidade que se vive lá fora, uma realidade prenhe das reivindicações das mulheres do nosso país, tem a foiça suficiente para se tomar incómoda, aqui no hemiciclo de São Bento.
Mas é também uma alegria-dissabor, porque nem sempre — e hoje será uma excepção, temos de reconhece-lo — a Assembleia da República sabe dar resposta à vida das mulheres que pulsa ao ritmo esgotante daquela costureira a quem põem a coser casacos nove horas diárias (para parafrasear Maria Teresa Horta), que pulsa lentamente naquele desencanto da mulher a quem, falta de qualificação profissional ou a falta de infra-estruturas de apoio arruma para um desemprego de longa duração.
Os problemas das mulheres portuguesas são, de facto, problemas sérios, problemas que não se compaginam com a teimosa postura daqueles que negam as discriminações, alegando que a diferença de tratamento se deve à menor capacidade das mulheres. Infelizmente, no momento em que directivas e resoluções da Comunidade Económica Europeia se debruçam sobre a resolução dos problemas das mulheres e das famílias, ainda há quem fale desta maneira e mesmo aqui.
Trata-se, portanto, de uma questão de mudança de mentalidades. Mas não só e não fundamentalmente.
É que as razões profundas das discriminações das mulheres, no trabalho, na família, na sociedade, assentam no papel que, ao longo dos anos e hoje ainda, é reservado à mulher no mundo da produção.
Infelizmente, embora com novas matrizes, com novas ressonâncias, onde se sente a reflexão e o debate das mulheres, neste problema que respeita a homens e mulheres, as questões fundamentais continuam a existir, conhecendo mesmo um novo agravamento.
Se, em 1970, os dados demonstram que a partir dos 25 anos de idade ocorria uma queda acentuada das taxas de actividade das mulheres, devido à maternidade e à falta de infra-estruturas sociais de apoio, os dados actualmente disponíveis, que são dados oficiais, revelam da mesma forma que a partir do grupo etário dos 25 anos se reduz a actividade feminina devido aos mesmos motivos.
Sc os dados de 1970 revelam que o trabalho da mulher era encarado pela sociedade, e por ela mesma, como uma reserva de mão-de-obra, os dados actualmente disponíveis levam-nos à mesma conclusão — e consta também de relatórios do Instituto do Emprego e Formação Profissional.
Se, em 1970, os números mostram que as mulheres se concentravam num pequeno número de actividades económicas, hoje temos ainda a mesma situação.
Se, após o 25 de Abril, a reflexão sobre o início da década de 70 apontava para a necessidade de infra--estruturas sociais de apoio ao trabalho da mulher e para a premência da sua qualificação profissional, hoje, passado o período de mobilização popular na criação de creches e jardins-de-infãncia, as mulheres continuam a reclamar infra-estruturas sociais de apoio, continuam a exigir uma carreira profissional.
Hoje conhecemos mesmo um decréscimo das taxas de actividade feminina, e se a nível das jovens o panorama já não é exactamente o mesmo, a verdade é que há crianças-mulheres vítimas do trabalho infantil; a verdade é que não existe uma orientação profissional nas escolas que prepare as raparigas para as novas profissões e as afaste das tradicionais; a verdade é que, após a escolaridade, as jovens se quedam sem saídas profissionais.
Toda esta situação, que existe e nos afronta, está bem distanciada dos avanços legislativos conseguidos pós-25 de Abril no que toca aos direitos das mulheres. E é deste atraso face ao direito que importa falar hoje c aqui, porque não basta fazer intervenções com grandes princípios, mas é preciso, de facto, fazer a avaliação real da situação das mulheres hoje, em Portugal, ...

Vozes do PCP: — Muito bem!

A Oradora: —... e saber o que tem sido feito e o que não tem sido feito para que, em 1990, a mulher portuguesa se possa ainda queixar da inexistência de um quadro de desenvolvimento que possa contribuir para a sua emancipação.