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1968 I SÉRIE —NÚMERO 55

A actual política pode caracterizar-se por um fracasso no aproveitamento das capacidades das mulheres.
A proliferação de empregos atípicos, do desemprego, nomeadamente o de longa duração, de subemprego, de más condições de trabalho, os baixos níveis de segurança social, dos serviços de saúde, a falta de infra-estruturas sociais de apoio — e julgo que o Sr. Deputado Rui Carp não gostará de ouvir isso, mas não conhece os números —, tudo isto contribui para manter a mulher com um estatuto secundário, tudo isto pode conduzir à sua insegurança e desmotivação.
O pacote laboral, com a sua permissividade relativamente à precarização do vínculo laboral, sobretudo para as jovens, reforça o carácter de reserva de mão-de-obra que os poderes públicos continuam a atribuir ao trabalho das mulheres.
Tudo isto conduz à secundarização da mulher, com nefastas consequências a todos os níveis, mesmo no que diz respeito à violência que não raro se abate sobre as mulheres.
Violência no local de trabalho, com proibições e exigências incomportáveis, com o assédio sexual que acentua a insegurança no emprego e as dificuldades na carreira profissional e no desempenho do seu posto de trabalho.
Violência na família e na sociedade, cujos índices verdadeiros se desconhecem, uma vez que o tratamento dado às mulheres nas esquadras de polícia e mesmo nos tribunais, as inibe de revelar toda a dimensão da violência.
Num inquérito feito pela Comissão da Condição Feminina só 12% das mulheres interrogadas são de opinião que uma mulher agredida pelo marido deve apresentar queixa às autoridades. Isto porque, em Portugal, em 1990, a violência sobre as mulheres é ainda entendida como uma prática cultural e não como a prática do delinquente.
Neste quadro, o próprio Código Penal penaliza as mulheres vítimas de crimes sexuais. Desde logo porque na filosofia do Código a mulher é provocadora por natureza, a previsão da provocação está contida no próprio artigo relativo à violação, e é ela, desconfia o legislador, a principal culpada de ser vítima.
Depois, porque (pasme-se!) é menos punido quem viole uma mulher do quem atente contra a propriedade cometendo um furto qualificado.
Nesta área, nomeadamente no que toca à assistência às mulheres vítimas de violência, impõe-se que se tomem medidas, e medidas legislativas (recorde-se que o PCP apresentou um projecto de lei sobre esta matéria), as quais devem, no entanto, ser complementadas com um verdadeiro ataque às razões profundas da própria violência que, se tem a ver com mentalidades enquistadas, têm no seu cerne mais fundo, como vimos dizendo, as questões relativas ao posicionamento da mulher no mundo do trabalho.
E sendo este o cerne da questão, e estando intrinsecamente relacionado com a existência ou inexistência das infra-estruturas sociais de apoio, há que afirmar que o panorama actualmente existente não é famoso.
Nesta área, assistimos a uma demissão completa por parte do Governo. Eu poderia citar aqui — mas há míngua de tempo — alguns dados constantes de um estudo do Instituto de Apoio à Criança sobre a cobertura que o País faz pelos estabelecimentos dos Ministérios do Emprego e Segurança Social e da Educação. Mas também convidaria uma organização de mulheres, que fez um trabalho nesta matéria e um inquérito na cidade de Lisboa, a enviar o resultado desse inquérito ao PSD, que parece
desconhecer que, efectivamente, em relação às infra-es-truturas sociais de apoio, a situação convida as mulheres a afastarem-se para casa. Porque das mulheres inquiridas, na cidade de Lisboa, 67,5% que já tiveram empregos estão agora sem actividade; cerca de 44% daqueles casos tiveram de deixar esse emprego por não terem onde colocar os seus filhos, e das restantes, 32,5% das mulheres nunca estiveram empregadas, tendo 60% justificado a sua situação pelo mesmo motivo.
É bem patente da realidade que se faz um controlo da expansão dos serviços de protecção e educação de crianças através de restrições a despesas públicas. E sempre que se restringem despesas públicas — e dizem-no os documentos internacionais — os direitos da mulher são atingidos.
Conviria que o Governo explicasse como pensa conseguir a reforma de menialidades — mas, se calhar, o Sr. Secretário de Estado que está presente não sabe responder a isto —, quando mantém um quadro que favorece o subemprego das mulheres, o desemprego, a feminização da pobreza, a desqualificação do trabalho feminino.
Mas ao mesmo tempo que colocamos uma das tónicas do debate nas questões relativas à situação da mulher no mundo do trabalho, colocamos paralelamente e em conexão as questões relativas à situação da mulher na família.
O posicionamento da mulher em relação ao processo produtivo — e nüo irei aqui fazer história — foi determinando, através dos tempos, a organização da própria família e o estatuto dos seus membros.
Pensamos que as novas realidades que se avizinham com o mercado único têm de merecer medidas no que toca aos direitos sociais.
A realidade familiar vai conhecer seguramente novas alterações.
A entrada da mulher no mundo do trabalho, exigida pelo desenvolvimento do capitalismo, que, contraditoriamente c também por necessidades próprias do sistema económico, lhe exigia o trabalho doméstico, parte integrante do próprio sistema produtivo porque reconstituinte da força do trabalho do homem, por um lado, sujeitou a mulher à exploração, por outro lado, trouxe uma nova família, em que os direitos individuais começaram a despertar por contraposição aos direitos da família, quantas vezes asfixiantes da dignidade da mulher.
Mas mesmo essa família não tem cessado de allerar--sc no sentido da valorização desses direitos individuais.
O mercado único, com o direito à liberdade de circulação, vai trazer, seguramente trará, uma alteração ainda mais radical na fisionomia da família, no sentido do reforço dos direitos individuais e da valorização pessoal.
E isto é bom, não é em si um defeito. O que tem de mal atrás de si é que isto vai fazer-se com convulsões, convulsões de que são vítimas as mulheres!
Receamos, contudo — e digamos que isto não é já um receio, mas uma certeza, fundada, aliás, nos vários documentos que nos chegam do Parlamento Europeu — que tais alterações se consigam com novas convulsões.
De facto, o que vai estabelecer-se no que respeita ao reagrupamento familiar nos países de acolhimento?
A mulher que viva em união de facto e que por tal constitui uma família com o seu companheiro terá direito a acompanhá-lo e a adoptar a sua residência?
Por outro lado, é inevitável que vamos assistir à desagregação de algumas (quantas?) famílias.