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6 DE ABRIL DE 1990 2163

de vida da criança em Portugal, pela bancada do PSD, a par da minha colega de grupo parlamentar. Sr.ª Deputada Leonor Beleza, e aproveito a ocasião - aliás, tão oportuna - para lhe render as nossas homenagens pelo cuidado, devoção e competência com que sempre tratou dos assuntos ligados com a infância do nosso País, no desempenho das suas sucessivas responsabilidades de governante.

Aplausos do PSD.

E a circunstância de podermos ouvi-la, neste debate, referindo aspectos concretos da Administração Pública portuguesa relacionados com a temática em apreço, de forma tão mais capaz do que eu certamente o faria, leva--me a colocar os problemas que relevam no domínio dos princípios, aprofundando, algo mais detalhadamente, o campo das razões primeiras, questionando, de forma que quero seja construtiva, a comodidade da inércia de preconceitos instalados, a brandura de algumas ideias gerais, a rotina de outras tantas falsas ideias claras ou, mesmo, mais assustador ainda, o deserto das preocupações.
A imprensa, sobretudo a imprensa escrita, e um número cada vez maior de relatórios oficiosos e oficiais fazem eco de um conjunto preocupante e vasto de situações dramáticas que ocorrem no nosso País envolvendo crianças: suicídios, consumo de narcóticos e estupefacientes, alcoolismo, gravidezes em prematura idade, delinquência juvenil, insucesso escolar, prostituição de menores.
Há uma resposta fria, tecnocrática e verdadeira para tudo isto: é o preço do progresso. Mas encolher os ombros e andar para a frente não se apresenta como o método mais humanista de agir. E porque, para nós, a política existe por causa da infelicidade real das pessoas, estando ao seu serviço, não nos consola saber que as sociedades em mudança provocam processos de disforia, conducentes à marginalidade social, que se agravam em ambientes de deficiente urbanismo, que se precipitam com a desintegração da família extensa, característica, por exemplo, da ruralidade portuguesa, que se aceleram com a normalização incompleta, provocada pela aculturação decorrente de fenómenos migratórios de grande dimensão, da acção dos meios de comunicação de massas, da decadência consequente das comunidades de base tradicional, dos seus valores e do seu controlo social, que, ao caducarem, nem sempre são substituídos por outros, quando o não são por verdadeiros contravalores.
São inaceitáveis as atitudes reaccionárias da antimudança ou do controlo artificial da mudança cultural, baseados que são em pragmatismo militarista ou em injustificáveis subjectivismos de grupo.
O sociólogo Charles Mills dá-nos um conselho: isolar claramente o que provoca a inquietação e a indiferença do mundo contemporâneo, porque a ameaça do homem reside nas forças desordenadas da sociedade contemporânea.
François Perroux, na sua já longínqua obra Alienação e Sociedade Industrial, dá-nos um mote interessante, que não resisto a transcrever, porque oportuno: «A desalienação é a libertação de cada sujeito num conjunto em que ninguém perde a qualidade de sujeito. Ela culmina quando cada sujeito se cria, ao mesmo tempo que cria todos os outros. Cada sujeito cria-se por actos e por palavras que dizem respeito aos outros e os visam.»
Ora, este papel cabe a todos nós. Desde logo, a nós, agentes políticos em situação privilegiada, porque detentores de um mandato de representação popular que a isso nos responsabiliza. Mas cabe, também, à sociedade civil, às famílias, às escolas, às igrejas; em suma, às sociedades menores.
É sabido que um processo de aculturação profunda, que nos tem caracterizado e vai continuar a caracterizar, provoca, não raramente, resultados patológicos que afectam, de forma mais contundente, as gerações mais novas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A perda da alegria de viver conduz às situações de marginalidade que referi. O desmoronamento dos padrões de referência, sem a sua atempada substituição por um novo quadro valorativo, está na origem das graves perturbações sociais que afectam, de um modo particular, as crianças. Com o renovar paulatino das gerações, estamos a ver criar uma sociedade de multidões solitárias.
Não fomos nós quem provocou toda esta chuva, pensaremos, não sem alguma razão, mas nem por isso estamos desobrigados de intervir. E não se trata apenas de desviar a agressividade da criança marginal ou, menos ainda, de a reprimir, escondendo os seus efeitos à nossa má consciência. É preciso encontrar soluções novas que constituam uma nova ordem que se não feche à mudança, mas que reintegre as crianças num mundo que seja recebido com alegria e com desejo de viver.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O individualismo em que caímos, útil a qualquer sociedade aberta e liberal, tem efeitos nefastos ao nível da solidariedade humana.
A forma com que arrumamos os problemas que são trazidos pelo crescente número de idosos, numa sociedade urbanizada e individualista, constitui uma verdadeira nova modalidade de solução final.
Mas o armazenamento dos velhos em antecâmaras funerárias não é só uma crueldade, com a qual nos habituámos a conviver, mas um mecanismo seguro de empobrecimento da sociedade, retirando aos novos o direito de conviver e de aprender com os que a experiência da vida valorizou. E não é só o folclore e a pequena história que se soterram com este divórcio geracional, mas toda uma formação que perde um pilar insubstituível.
A família é, diga-se mais uma vez, com desgosto para os defensores do Estado providência, a célula essencial e básica da sociedade. O papel que lhe está reservado, na formação e na enculturação das novas gerações, é, a todos os títulos, insubstituível.
De alguma forma, existe uma urgência incumprida que consiste na necessidade de prestar toda uma ajuda às famílias portuguesas na sua inalienável missão de educar, mais do que criar ou de instruir, os responsáveis de amanhã.
Preocupamo-nos demais - e pelos vistos nunca é pouco - com o leite que as crianças devem beber, com as proteínas que devem ingerir, e menos, talvez de menos, com o civismo que não recebem, com os valores que não conhecem, com os hábitos que não criam. Vemo-las, depois, crescer mais vazias, entrando, assim, na selva da sociedade livre, para concorrerem pelo sempre escasso acesso ao difícil êxito relativo.