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2158 I SÉRIE - NÚMERO 62

não cuida do desenvolvimento social e torna possível o aprofundamento do fosso entre a pobreza e o mundo dos privilegiados e o aparecimento de novas situações de pobreza.
Muitos fenómenos que afligem as nossas crianças radicam-se, de facto, num crescimento económico selvagem e, por isso mesmo, sem a dimensão social.
É sintomático que, passados tantos anos, cerca de nove, desde o primeiro grilo de alarme sobre a exploração do trabalho infantil, continue a existir este flagelo, que se assinala nas próprias estatísticas oficiais de emprego.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - Não é possível quantificar, exactamente, este fenómeno. Trata-se de um trabalho clandestino e de um trabalho prestado, muitas vezes, no domicílio; trata-se de crianças que chegam a trabalhar à hora do almoço, nos intervalos das aulas, no próprio tempo de aulas, pela noite dentro, em domingos e feriados, em ritmos bruscos, porque é preciso cumprir a meta e coser n sapatos, n bainhas em almofadas, lençóis, toalhas, ou é preciso bordar a ponto cruz, cruzes infindáveis da sua vida.
O Governo obteve, há cerca de dois anos, da Assembleia da República uma lei sobre trabalho infantil. Mirrada, porque era uma proposta do Governo e feita de sopetão para agarrar um projecto de lei que o PCP apresentou sobre esta matéria.
Mas se é verdade que o trabalho infantil abrandou, por acção das organizações sindicais, a verdade é que ainda há milhares de crianças vítimas de exploração do trabalho infantil, sem que se ataquem as causas primeiras do fenómeno, causas essas que são várias, múltiplas, e estão detectadas.
O uso selvagem de um reserva de mão-de-obra barata, a exploração do trabalho infantil, aproveita-se até do acolhimento gerado pela falta de rumos e perspectivas da escolaridade obrigatória.
Pode dizer-se que estas crianças, que cedo começam a vida, são, de facto, crianças maltratadas. Crianças que se juntam àquelas que suo vítimas de maus tratos físicos e psíquicos, que são vítimas de negligência e abandono.
O problema das crianças em situação de risco tem mobilizado a atenção de algumas instituições - e ressalta-se, aqui (é justo que se faça), o trabalho do Grupo Permanente de Análise para a Jurisdição de Menores e de Família - que tem carreado dados, propostas, que bem mereciam do Governo algo mais do que a atenção delicada, traduzida aqui e ali por apoios económicos insuficientes.
Também aqui, nesta área, não é possível quantificar o fenómeno. A falta de informação da comunidade e as reservas que ainda se sentem quando se fala no assunto conduzem à impossibilidade de quantificá-lo.
Há números de apontam para a existência de 20000 famílias com crianças em situações de risco, mas são números que, certamente, pecarão por defeito.
Segundo o estudo apresentado nos Cadernos do Centro de Estudos Judiciários, trata-se de crianças agressivas, com uma elevada taxa de insucesso escolar, rebeldes, acusando debilidade física e atraso ou perturbação mental; são crianças vítimas de espancamento, de ralhos constantes, de castigos físicos que deixam marcas no corpo, mesmo queimaduras, crianças que por vezes são amarradas, que se dedicam à mendicidade, que são vítimas de abusos sexuais, abandonadas na via pública, algumas das quais - e se não acreditam leiam os inquéritos! - se juntam em bando, praticando pequenos furtos.
O fenómeno perverso dos maus tratos em crianças não é domínio exclusivo das famílias em situação de pobreza.
A competitividade e a selectividade do ensino, as exigências familiares que se colocam à própria criança, a quem se puxa as rédeas para que dê o máximo, provocam também nas classes favorecidas a existência de maus tratos nas crianças.
Mas a verdade é que a pobreza aparece em elevada percentagem entre a circunstâncias associadas às famílias onde se detecta a existência de risco. E quando se fala em pobreza, fala-se em péssimas condições de alojamento. E já que falamos nisto, gostaria de destacar que, por uma triste ironia, dois dias antes deste debate, mais uma família foi despejada, através de um despejo administrativo, de cuja legalidade duvidamos, e precisamente, neste momento, há mais duas crianças a viver, com os pais, na rua. E é da rua que panem para a escola!...
Mais uma vez, nesta área das crianças maltratadas, a instabilidade de emprego e o desemprego, o próprio trabalho empobrecido, aquele trabalho que se arranja não para uma qualificação profissional mas apenas porque é preciso sobreviver, aparecem como ameaças às próprias crianças, cujas consequências psicológicas, sociais e afectivas se tornam cada vez mais sensíveis.
Face aos valiosos estudos existentes, bem poderia o Governo ter iniciado já a tomada de medidas que possibilitassem uma intervenção mais eficaz na área das crianças em situações de risco: desde logo, na despistagem de situações previsíveis.
Resoluções e estudos feitos por instâncias internacionais recomendam uma assistência cuidada às famílias durante o período de gravidez, por forma a identificar as famílias vulneráveis, a fim de que seja possível reduzir as pressões sócio-económicas nessas famílias. Nada disto se faz e nem se descortina que haja a intenção de assim proceder.
É inexistente uma política de concentração das medidas preventivas e terapêuticas necessárias e falta uma coordenação mais centralizada das medidas de luta contra a violência.
Muito do que se tem feito, na área do combate ao fenómeno das crianças maltratadas, assenta na base do voluntariado, e é importante que se destaque o seu papel meritório. Mas não pode o Governo alhear-se deste problema, que envolve o próprio destino das crianças maltratadas ou negligenciadas.
Há países que criaram já uma superstrutura de acolhimento, um comité ^nacional; outros debelam o problema a partir do médico-confidente.
Entre nós, as instituições privadas de solidariedade social, com os seus centros de acolhimento, são, de facto, insuficientes. Abriu, há pouco tempo, um centro, em Setúbal, da Caritas Diocesana, sendo, de facto, um trabalho importante, mas apenas acolhe 12 crianças, ficando muitas outras por acolher. E esse centro, Sr. Secretário de Estado da Segurança Social, recebe apenas de subsídio 50 % em relação à despesa que cada criança faz, o que. e manifestamente insuficiente.
Os tribunais de menores não tem a possibilidade de responder às situações que, de facto, lhes aparecem e a criança maltratada acaba por regressar à família, relativamente à qual nenhuma medida de carácter social se toma, pelo que continua a ter em si as causas que a