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4 DE JULHO DE 1990 3247

Apresentámos, nas intervenções iniciais e no debate, as questões concretas. Demos voz às queixas. Mas não só: apresentamos as reivindicações concretas que, no imediato, poderiam atenuar a situação.
Propusemos a redução do horário semanal de trabalho para 40 horas. O Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações respondeu que a interpelação do PCP era intemporal.
Propusemos o aumento intercalar do salário mínimo nacional; a valorização e aumento do abono de família; o aumento intercalar e a actualização das reformas mais degradadas. O Governo respondeu que está satisfeito com a sua política de rendimentos.
Propusemos a criação de condições para a estabilidade do emprego. O Governo diz que isso não é importante, pelo contrário.
Propusemos o aumento da comparticipação em medicamentos para doenças crónicas; a redefinição do sistema de rendas sociais; critérios justos de acesso ao ensino superior; a adequação da rede de transportes às necessidades dos utentes. O Governo responde que de igualdade de oportunidades já basta o que se fala.
Defrontaram-se neste debate duas concepções do processo de desenvolvimento da sociedade portuguesa. Do lado do Governo vieram os números. Do lado do PCP vieram os números e as pessoas que não beneficiam desses números.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo virá agora dizer que está satisfeito como sempre e que, como sempre, se autoglorifica. Mas tem de ficar claro que com isso o Governo mostra que não soube ouvir, ou não quis ouvir, o que lhe foi dito pelo PCP nesta interpelação. Como não sabe ouvir, ou não quer ouvir, o que lhe é dito pelos que sofrem as consequências da sua política de desigualdades. Essa surdez governamental não e um prejuízo para o PCP. É um prejuízo para esses todos que se queixam e que reclamam.
Este é o sentido da interpelação. Se o Governo quer ver aqui jogadas ou armadilhas, quer ver aqui ganhadores e vencidos, então não percebeu nada do que aqui se falou.
Trouxemos a este debate as preocupações fundas que, como partido, temos em relação à sociedade portuguesa. O Grupo Parlamentar do PCP agiu aqui com o mesmo sentido das necessidades e reclamações do povo com que sempre tem actuado. Vejam-se, por exemplo, as marcações de ordens do dia, por parte do PCP, durante esta sessão legislativa. Uma, sobre o aumento das pensões e reformas e melhoria do seu estatuto. Outra, para debater os problemas da mulher e as desigualdades que a afectam na sociedade portuguesa. Outra, para a redução do horário semanal de trabalho. Outra, para o reforço das garantias dos trabalhadores eleitos como representantes sindicais ou membros de comissões de trabalhadores.
Apresentámos, na Assembleia, projectos de lei em todas as arcas sociais. Dos direitos dos trabalhadores, às questões da saúde, da educação, da segurança social, da juventude; às questões de outras relevantes camadas da sociedade a que pertencem os deficientes.
Mas também na área do acesso ao direito, das relações da administração com os administrados, do cooperativismo.
Contrapomos toda esta iniciativa à que o Governo aqui promove ou não promove.
O Governo trouxe aqui a Lei de Bases dos Transportes Terrestres com o objectivo, entre outros, de abandonar as regiões.
O Governo tinha prometido regulamentar a Lei de Bases da Segurança Social, não o fez para frustrar a garantia de direitos por ela concedida.
O Governo trouxe aqui a proposta de lei de bases da saúde para a desmantelar.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações referiu-se à situação dos transportes, incluindo a que existe em Lisboa. E fê-lo com muita ligeireza e superficialidade. Na verdade, fê-lo com a ligeireza de quem ignora e quer ignorar a situação dramática vivida nas grandes áreas metropolitanas. A saturação dos transportes, a degradação dos meios disponíveis, os bloqueios das redes viárias são só parte da situação geral que se vive nas várias áreas metropolitanas. O primeiro problema da Arca Metropolitana de Lisboa está numa política que sacrifica as regiões, que condena os portugueses do interior a emigrarem para Lisboa, não para viverem melhor, porque vêm para Lisboa viver em condições penosas, mas para obterem o salário que na terra não encontram.
O segundo grande problema da área metropolitana está numa política governamental que favorece a especulação urbana e o lucro fácil, responsáveis por esta paisagem desoladora, pelos ghettos da periferia, pelas zonas verdes sacrificadas.
O terceiro grande problema está numa política governamental centralista, que sacrifica tudo e todos a interesses nem sempre confessados. Exemplos? A prioridade dada à auto-estrada do Estoril, construída desacompanhada das vias de cintura, não tem explicação na área do Ministério dos Transportes. Só um ministério que tutele zonas de jogo e os grandes shopping pode explicar uma opção como esta. Não é assim, Srs. Ministros?
O quarto problema está na degradação e sanha liquidacionista das empresas públicas, numa prática irracional, antieconómica e anti-social.
O quinto problema está nas próprias orientações do modelo governamental e que abundantemente caracterizámos.
Foi justo fazer esta interpelação, três anos decorridos após a formação do Governo e a um ano do seu termo, nas próximas eleições. Foi justo, porque permitiu avaliar as promessas não cumpridas, permitiu avaliar a sua política, em confronto com o que a economia permitiria.
Da nossa parte, PCP, afirmamos que o desenvolvimento é inseparável do bem-estar. Afirmamos que uma política democrática tem de exigir a satisfação dos interesses do povo como um objectivo de dignidade próprio, não subsumível a critérios economicistas ou às apetências do lucro.
Da nossa parte, PCP, optamos pelo caminho das propostas concretas. Por isso, anuncio que entregámos, hoje, na Mesa da Assembleia, um projecto de lei que tem por objectivo a valorização do abono de família (com o seu aumento no regime geral para 2500$).
Apresentámos ainda um projecto de resolução para a organização pela Assembleia da República de um seminário, em Outubro, sobre «Portugal ano 2000, menos desigualdades, mais justiça e solidariedade».
Dickens, que tão profundamente conheceu as realidades da sociedade industrial nascente na Inglaterra, escreveu, no início de um dos seus contos, uma frase que gostaria de aqui reproduzir «Este foi o melhor dos tempos, este foi o pior dos tempos.»