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3246 I SÉRIE - NÚMERO 94

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não temos dúvidas de que, na linha do que fez até agora, o Governo vai encenar a interpelação debitando mais números, mais proclamações auto-elogiosas e mais catilinárias contra a oposição e o PCP.
Mas, «berre» o Governo o que entender «berrar», queira o Governo ou não queira, a verdade 6 que há no País o sentimento claro da chocante situação que se vive, de riqueza mal distribuída, do agravamento das desigualdades.
A Professora Manuela Silva, num colóquio promovido pela União dos Sindicatos de Lisboa sobre «A Lisboa que trabalha», na sua intervenção, subordinada ao tema «Miséria urbana e solidariedade social», dizia:
Hoje a pobreza, pelo menos numa cidade como Lisboa, é mais visível; qualquer de nós, que tenha um mínimo de sensibilidade, volta incomodado depois de ir para qualquer actividade ou qualquer coisa que o motive a passear na Baixa, ou a andar na Baixa, vem incomodado para casa; eu pessoalmente venho; eu evito hoje ir à Baixa, porque, realmente, suporto mal ver o encontro com uma indigência exposta tão gritante.
O PCP fez-se, aqui, na Assembleia da República, eco desse sentimento generalizado.
O PCP visou lançar, aqui na Assembleia da República, um conjunto de severos alertas que propiciassem a adopção de políticas que invertessem as tendências dominantes.
Procuramos combater a situação, já aqui descrita pelo meu camarada Sérgio Ribeiro, de serem tão gritantes as desigualdades que, por absurdo, até parece que pouco se lhes liga! Não temos de viver com esta situação. Algo vai mal na política nacional se os ricos são cada vez mais ricos e os pobres permanecem pobres. Dissemos: é preciso atacar as causas desta situação. Elas radicam nas orientações ideológicas e de política do Governo, nas orientações liberais sustentadas politicamente na task force e economicamente na equipa financista, encabeçada pelo próprio Primeiro-Ministro.
Nas mesmas orientações da América de Reagan, da Upper America que subiu ao poder com Ronald Reagan em 1980 e que, ao fim de 10 anos, conduziu, como refere Kevin Phillips, no livro As Políticas do Rico e do Pobre, editado há escassas semanas, a uma aterradora contradição: bilionários contra homeless - sem casa. Kevin Phillips é um analista do sistema, metido no sistema e por ele apoiado. É elogiado por Nixon e Mário N. Cuomo. Mas nem por isso tem uma visão menos crítica do que se passou nessa década. Solidamente apoiado em números, demonstra que o aumento de riqueza foi parar às mãos dos que já eram mais ricos. Para gastar em quê? Há números espantosos. Saber-se-á, por exemplo, que o índice de arte da conhecida Sotheby's passou, entre 1980 e 1989, de 253 para 905, o que significa que o preço de sofisticados e raros objectos de arte quase quadriplicou em apenas 10 anos? Quem os compra? É simples: o número de decamilionários existentes nos Estados Unidos passou de 30000 no inicio dos anos oitenta para 100 000 em 1988. No outro extremo da escala estão os homeless.
Este «modelo» está hoje em crise por toda a parte e também na Europa. Nb interessantíssimo relatório que fez sobre Portugal, publicado agora pela Fundação Calouste Gulbenkian e que constitui o VII volume da série «Portugal, os próximos 20 anos», Riccardo Petrella diz sobre a aplicação deste modelo à Europa:
Este desenvolvimento contribuiu, durante um certo tempo, para elevar o nível de vida dos Europeus, mas foi particularmente agressivo com a pessoa humana: 45 anos após a II Grande Guerra, registam-se na Europa dos 12 15 milhões de desempregados e 70 milhões de pessoas vivendo em regiões onde o PB é inferior a 75% da média comunitária; e na Europa dos 21 há cerca de 40 milhões de pobres. Também foi agressivo para com a natureza: degradação contínua do ambiente, elevados riscos de catástrofes ecológicas. Os prejuízos causados aos equilíbrios da biosfera são tais que vivemos doravante num estado de alarme e urgência ambientais.
É este o modelo, assim contestado, que o Governo segue.
Recordemos, Srs. Deputados: quando se realizou, aqui na Assembleia da República, em 26 de Agosto de 1987, o debate do Programa do Governo, tive a oportunidade de dizer ao Sr. Primeiro-Ministro, que, terminado o namoro ao eleitorado, tinha chegado a hora das «escolhas dolorosas»- dolorosas para o povo português, entenda--se. Tinha chegado a hora de o Governo mostrar, como fez, a sua opção ideológica e de classe. O Primeiro-Ministro, na altura, crispou-se. Que não, que eram fantasmas, que não tinha opção nenhuma a favor do capital. Viu-se!...
Na altura, prevenimos que ia degradar-se a parte dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional; que ia precarizar-se o regime contratual de trabalho; que iam aparecer bolsas de pobreza; e, fundamentalmente, que se iam gorar as expectativas dos Portugueses. Mais riqueza não ia significar, para a maioria dos portugueses, uma correspondente melhoria da qualidade de vida.
Ávida confirmou estas previsões e o Governo sabe-o! Não estão aí os comissários da pobreza, nomeados pelo Governo, a provar isso mesmo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A interpelação do PCP não e uma interpelação, como insinuou o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que se pudesse fazer em qualquer circunstância de tempo ou de lugar. A interpelação do PCP sobre as desigualdades tem cabimento agora e feita a este governo, por causa da sua concreta política, da sua concreta opção ideológica e de classe, que conduz a que Portugal seja hoje um país com mais riqueza, mas mais injusto, mais desigual e menos solidário.
Quando se trata do beneficio do povo, de atender às suas reclamações, o Governo proclama: menos Estado e salve-se quem puder! Mas se trata de garantir sobrelucros, através da diminuição das garantias dos trabalhadores, então o Estado já funciona e aí vai... pacote laborai, requisições, definições abusivas de serviços mínimos!
De um lado, crescem os negócios em torno do património do Estado, em tomo das empresas públicas em processo de desnacionalização, em torno dos fundos comunitários, e, já se promete, em tomo da saúde e da segurança social, e tudo num gigantesco bodo aos ricos. Do outro lado, crescem os queixumes, as injustiças e as iniquidades.