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4 DE JULHO DE 1990 3241

sociedade dual - que, há muito, se instalou -, pelo contrário, estamos hoje numa situação embaraçosa: as desigualdades e as exclusões tendem a acentuar-se.
O que é grave é que nenhuma das medidas do Governo - ao contrário do que diz o Sr. Ministro do Emprego - tenha produzido algo mais do que efeitos perversos. Senão, vejamos.
O combate à inflação teve o apoio generalizado dos parceiros sociais. Porém, o Governo abusou claramente do crédito de confiança que estes lhe concederam, uma vez que o esforço de contenção salarial apenas serviu para penalizar, muito significativamente, os trabalhadores.
Mais grave é que o disparo da inflação, verificado em Maio, tenha incidido nos preços da alimentação -com uma subida de mais do que 1% -, na saúde -com uma subida de 2,7%- e nos transportes - 2,2%.
A generalidade dos trabalhadores perdeu, no último ano, poder de compra e vai perder ainda mais, este ano. O aumento médio dos salários não ultrapassou 12%, enquanto a inflação rondou 13%. O aumento da produtividade - em média, 3,5%- reverteu para as empresas. A verdade é que os que mais perderam foram os mais pobres.
Apesar de ler aumentado a população activa, também se registou um aumento no desemprego de longa duração, bem como no que se refere ao trabalho precário, clandestino, e também relativamente a cerca de l milhão de trabalhadores por conta própria, em jeito de profissionais liberais-os chamados trabalhadores com recibo verde.
De acordo com o departamento de estatísticas do Ministério do Emprego e da Segurança Social, o salário médio é de 60 000$. Ora, não serão necessários uma grande análise nem muito rigor para concluir que, se todo ou boa parte do agregado familiar não trabalhar, ou se se reduz o orçamento disponível -por exemplo, em situação de doença ou de desemprego- ou ficam comprometidos os consumos mínimos de dignidade.
Em resposta a um inquérito editado pela Caritas, organizado pela Professora Manuela Silva e pelo engenheiro Bruto da Costa, entre outros, as famílias inquiridas em Lisboa, Setúbal e Porto consideraram receber menos 65% do que necessitavam.
No que diz respeito à contratualização, método eficaz de a sociedade civil corrigir as desigualdades, o Governo tem cedido à tentação de reduzir os consumos pela contenção dos salários e de intervir, sistematicamente, nessa negociação colectiva, em sentido inverso.
O sistema de negociação colectiva é claramente desajustado, introduz nas empresas vícios de uniformização e igualitarismos - que o Sr. Deputado aqui condenou -, pelos mínimos das carreiras e das remunerações, que conduzem a que as empresas, a ululo de estímulos à produtividade, paguem uma parte do salário aos trabalhadores da produção -em média, cerca de 15%-, pela via de prémios e de subsídios, para além de outras remunerações de que beneficiam, sobretudo, os quadros, como sejam os cartões de crédito, carros, gasolina, férias, viagens, etc.
Este sistema remuneratório facilita a segmentação do mercado de trabalho, aumenta a precaridade dos vínculos contratuais, fomenta a evasão fiscal e compromete o futuro da segurança social.
Mesmo os vencimentos dos quadros médios e superiores, na generalidade das empresas, é baixo, não ultrapassando os 160 000$ mensais, e bastante penalizado pela carga fiscal. Estes dados contrastam com os resultados de um estudo efectuado pela Haigh Management Group, publicado num jornal de economia e que afirma que, em média, os executivos das maiores empresas portuguesas receberam 11 300 000$ por ano, para além das benesses já referidas.
A diversidade das remunerações é inevitável, mas o Governo tem obrigação de definir os critérios para determinar o grau de diversificação entre os grupos sócio-profissionais e os indivíduos que os constituem, a fim de que sejam socialmente aceitáveis.
O Governo ou é espectador, quando deveria intervir, ou intervém, quando deveria liberalizar.
O Governo reclama para si indicadores positivos. Muito bem: o emprego é o seu ex-libris. Nos últimos anos, o Governo tem reduzido os gastos com as políticas sociais, com particular destaque para a protecção social, o que é incompreensível.
Se tivermos em linha de conta que muitos dos prémios extraordinários se destinam a comprar a renúncia à efectividade dos direitos legais ou contratualizados, como sejam, o horário de trabalho, as férias, participação e reinvidicação na empresa, compreenderemos a fragilidade dos movimentos sociais.
Nos sectores de mão-de-obra desqualificada, as remunerações marginais não se destinam a pagar os direitos, uma vez que a sua renúncia é condição essencial para ter acesso ao trabalho e ao salário. Há mesmo sectores em que não existe nenhum contrato, como, por exemplo, no caso dos taxistas, dos esteticistas, dos cabeleireiros, em que os trabalhadores apenas recebem 30% dos serviços.
Discute-se, de uma forma necessariamente empírica, a percentagem das famílias que vivem abaixo do nível de pobreza, utilizando-se argumentos que não são sustentados por dados actualizados, como sejam, a definição do cabaz médio, das necessidades primárias, do rendimento médio, indispensáveis a uma vida digna.
A invenção do consumidor médio nacional ilude uma realidade. E que existem diferentes tipos de consumidores médios, de região para região, e, ao serem nivelados, impede-se a caracterização da estrutura sócio-económica regional. Mais grave ainda, obsta-se à definição de qualquer estratégia regional.
No combate à pobreza, curiosamente, a terapêutica tradicional, proposta pela melhoria dos rendimentos dos estratos sociais mais afectados, é feita pela redistribuição através da segurança social. Até hoje, tal terapêutica nunca induziu qualquer tipo de desenvolvimento. Pelo contrário, trata-se de um elemento agravador das despesas de consumo, sem quaisquer contrapartidas produtivas.
Porventura terá razão a Comissão das Comunidades quando, no âmbito do 3.º programa, estabelece que o combate atrás referido seja harmonizado através da utilização adequada dos fundos estruturais, no sentido do desenvolvimento regional.
Perguntamos ao Governo: como viabilizar programas de desenvolvimento que atendam à realidade se não há informação estatística sobre as regiões? Como estabelecer programas de integração sócio-económica dos estratos mais vulneráveis, numa óptica de distribuição regional, se a mesma não está estudada?
Por último, deixo aos presentes a sugestão de lerem, com atenção, as conclusões do Encontro Nacional de Desempregados, realizado em Setúbal. É uma viagem pelo mundo do isolamento, do sofrimento e da dor, que se