O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3236 I SÉRIE - NÚMERO 94

Como segundo exemplo, refiro o problema do acesso ao ensino superior. Não para criticar o actual sistema, sobre o qual o CDS já se manifestou, mas para pedir a reflexão dos Srs. Deputados e Membros do Governo para o seguinte: todos os anos milhares de jovens que terminaram com sucesso o ensino secundário não conseguem o seu ingresso no ensino superior. Trata-se de uma camada apreciável de cidadãos que ficam no «limbo». A sociedade absorve-os? Ou não? O que ficam eles a fazer? Que medidas o Governo adopta para eles?
Nunca este problema foi aqui focado. E é importante que o seja, porque a sociedade não vive nem se constrói para universitários e da sua estrutura vão fazer todos os outros. É preciso que nos preocupemos com isto. Devemos evitar a criação de novas desigualdades sem justificação. Não somos igualitários, mas todos têm direito a um lugar digno, de acordo com as suas capacidades, responsabilidades e oportunidades.
Em conclusão, o grande combate não 6 o de declarar e condenar teoricamente as desigualdades injustas que uma sociedade gera. É, antes, o de promover a construção de uma sociedade que as não gere, e isto só pode ser feito acautelando e fortalecendo a classe média, numa visão personalista e solidarista da sociedade em que vivemos. Só que para isto é necessária uma visão que manifestamente nem o PCP nem o Governo, que aqui interpela, representaram. Por isso, esta interpelação foi uma interpelação inacabada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apesar dos números muito bonitos que o Sr. Ministro aqui trouxe, também no acesso à saúde se fazem sentir profundas desigualdades, fruto das concepções ideológicas deste governo.
À economia neoliberal, instrumento de concretização de riqueza e poder nas mãos de uns poucos, sacrificam-se os valores da solidariedade social e da fruição igual do progresso e do bem-estar. Naturalmente, cava-se o fosso entre aqueles que tudo possuem e os que nada têm, e em matéria de saúde o direito constitucional à sua protecção é substituído pelo negócio da doença.
Neste quadro deixa de ler sentido o direito à protecção da saúde, que de uma forma cínica e brutal é inconstitucionalmente substituído pela fórmula «quem quer saúde, paga-a» geradora de cada vez maiores distorções e desigualdades.
Se quisermos resumir a concepção deste governo acerca da saúde, poderemos afirmar que ele considera as instituições públicas da saúde como empresas a rentabilizar, os sectores e serviços potencialmente lucrativos como áreas a privatizar e os cidadãos como clientes para pagar.
Uma tal concepção é particularmente chocante numa área como é a da saúde, em que o que está em jogo na lei da oferta e da procura é a vida e a morte e em que a doença passa a ser encarada como uma mercadoria sujeita à maximilização do lucro.
Esta sociedade que o Governo propõe para Portugal não é a que os Portugueses querem. Os que iludidos votaram no PSD, que vestia na altura a pele de cordeiro da justiça social, vêem hoje, claramente, que é a lei da alcateia o que este governo lhes quer impor.
No entanto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, tudo podia ser diferente. Se o crescimento do PIB foi em 1989 de 5,4%, por que é que o orçamento da saúde não cresceu e apenas representa 3,5% do mesmo PTB? Por que é que continuamos a estar na cauda da Europa no que à saúde se refere, quando havia possibilidades reais de elevar o nível e a qualidade dos serviços e dos profissionais? É que se alguma coisa se tem feito, e é indiscutível que sim, não se tem feito o possível nem o mais adequado. Daí que também por esse motivo se criem novas injustiças e desigualdades.
Com efeito, enquanto o programa do Governo aponta os cuidados de saúde primários como base e a prioridade do sistema de saúde e retoma tal afirmação na proposta de lei de bases de saúde que apresentou a esta Assembleia, o que é que se passa na realidade?
Estão projectados cinco novos hospitais, de clara utilidade aliás, mas a rede de centros de saúde mantém a frustrante estagnação -mau grado os novos centros anunciados- e degradação. O atendimento é deficiente, originando esperas inadmissíveis, prestando pouco mais que meros cuidados curativos, não há uma hierarquia técnica nem uma clara definição de planos e de objectivos.
É que não basta ralar da importância dos cuidados de saúde primários e tecer loas ao seu papel fundamental, o que é preciso é tomar medidas concretas para os alargar e melhorar. E não é com médicos convencionados trabalhando no seu consultório à maneira do princípio do século, como pretende o Governo, que se prestam cuidados de saúde primários. Podem quanto muito maquilhar--se as bichas de espera para consultas. Mas onde está a equipa de saúde? Onde estão a promoção da saúde e a prevenção da doença? Onde estão os centros de saúde inseridos na Comunidade, com ela convivendo e com ela estabelecendo uma fecunda inter-relação?
Para o Governo o que é preciso é obra de fachada, que não dura nem resolve, mas que enche o olho!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como resultado desta política, os hospitais rebentam pelas costuras, com urgências entupidas, como é o caso do Hospital de São Francisco Xavier, com o dobro do número de atendimentos em relação ao previsto, ou com consultas que demoram de dois meses a um ano em várias especialidades, como acontece, por exemplo, no Instituto Português de Oncologia, no Hospital de Santa Maria e nos hospitais civis em Lisboa, mas também nos grandes hospitais no Porto e em Coimbra. E qual é a solução do Governo? A privatização! Seja a entrega da gestão de serviços públicos ao sector privado, seja a privatização dos próprios serviços.
Poderemos discutir os benefícios de tais medidas com base nos seus resultados noutros países, mas uma coisa é certa e indiscutível, abrem-se as condições para mais uma grande desigualdade: a existência de duas velocidades de acesso à saúde. Cuidados rápidos para quem puder pagar, espera mais ou menos prolongada para quem não tiver recursos.
A próxima lei de bases da saúde, que o Governo cozinhou com os lobbies do sector, não representa mais do que a justificação legal da discriminação no acesso da saúde, numa grosseira violação da norma constitucional.
Com ela tomar-se-ão mais fáceis casos como o de abandono assistencial no distrito de Beja e a grave perturbação de serviços hospitalares, como o plano de assistência de Verão ao Algarve. Passará a ser regra a recusa de consulta a doentes, como acontece no Hospital Egas