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4 DE JULHO DE 1990 3235

E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, esta concepção, que apelidei de minimalista, demagógica e também de eleitoralista, e levada às últimas consequências através das medidas que o PCP, pela voz da Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, apresenta como prioritárias no debate à desigualdade, e que reordeno da forma que se segue:

I - Segurança social (quatro medidas): valorização do abono de família; actualização e aumento das reformas; aumento da comparticipação medicamentosa; redefinição das rendas sociais.
II - Área laboral: aumento do salário mínimo; redução do horário de trabalho semanal para 40 horas; criação de condições para a estabilidade no emprego; vinculatividade da Carta Social Europeia.
III - Transportes: adequação da rede de transportes à necessidade dos utentes.
IV - Ensino superior: criação de critérios justos para o seu acesso.

Está a ver, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, como estive atento a todas as intervenções do PCP.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não leu, tresleu!

O Orador: - É para tomar nota deste resumo!
Não quero nem vou aqui discutir ou esmiuçar cada uma das concretas medidas propostas, sem prejuízo de, como sempre, estarmos dispostos para o seu debate na sede em alturas próprias.
O que interessa agora referir e o seguinte: se uma sociedade tem manchas de pobreza ou revela desigualdades gritantes no seu seio, está como que doente de cancro social. E nenhuma das medidas propostas 6 ou pode ser mais do que uma aspirina.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: deixando agora o interpelante, o que dizer do interpelado de hoje, a quem cabe, como Governo da Nação, demonstrar não só a bondade como também a estruturalidade das medidas que tomou, que toma ou que pretende tomar para minorar as inevitáveis desigualdades que nas sociedades se verificam no nosso país.
No mínimo, o interpelado decepcionou.
Respondendo de uma forma igualmente demagógica e populista, o Governo e o partido que o apoia vieram a esta Assembleia munidos de números e estatísticas, e com o velho refrão das eras AC -antes de Cavaco- e DC - depois de Cavaco -, também eles centrando o essencial do debate das desigualdades sociais na política social em geral, com especial incidência, uma vez mais, nas performances realizadas no âmbito da segurança social, na formação profissional e no emprego.
Com rigor, pode-se afirmar que o interpelante e o interpelado se merecem: jogam no mesmo tabuleiro, observando as mesmas regras e esgrimindo as mesmas armas.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, toda a questão da desigualdade social, da pobreza e da desigualdade de oportunidades corre o risco de aqui ser tratada à luz de panaceias ineficazes e sem visão.
O Governo chega aqui a cair na espantosa contradição de, afirmando repetidamente o primado da sociedade civil como um dos seus postulados e princípios de actuação política, organizar a sua resposta à questão da desigualdade social em torno de um discurso do Ministro do Emprego e da Segurança Social, constituído todo ele, como disse, à volta de números, sejam eles de emprego, de formação profissional ou de segurança social.
Não nega o CDS a importância dos números na apreciação da bondade -ou falta dela - de determinadas políticas. Mas entendemos, com segurança, que a questão da igualdade de oportunidades e ou das desigualdades sociais é puro reflexo da verdadeira e magna questão global, que é a da construção da sociedade.
E aqui que ideias apresentou o Governo? Que tipo de sociedade perfilha? Qual é a sua estratégia global para a sociedade portuguesa para os próximos anos? Como orienta politicamente o tecido social? Pretende nivelá-lo? Considera as desigualdades inevitáveis? Que mecanismos de correcção social considera adequados? Que factor ou estrato social considera ser motor da evolução do lodo da sociedade?
O Governo até agora não deu qualquer resposta, porque não tem qualquer resposta para estas questões.
Utilizando a linguagem jurídica, o Governo «aos costumes disse nada». Servem-nos de magna consolação as palavras iniciais do Sr. Ministro Silva Peneda, afirmando a opção governativa pelo primado da igualdade de oportunidades e das iniciativas da sociedade civil, que desde a Revolução Francesa toda a gente diz, na sociedade ocidental.
Só que, Sr. Ministro -que não está agora presente-, isto não chega! Em primeiro lugar, a ordem dos factores é a inversa. Deve partir-se da sociedade civil para a igualdade de oportunidades que esta cria, e não o contrário. E, logicamente, tem que ser colocado o pressuposto deste raciocínio, ou seja, que sociedade civil se pretende, que ideia societária se defende.
E é aqui, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, que reside o essencial da questão, que não foi, lamentavelmente, hoje e aqui sequer aflorado.
É que, por mais e melhores que sejam as medidas de solidariedade social, por maior que seja o montante de verbas para aí canalizadas, se a estrutura social estiver viciada ou desequilibrada, tudo serão, como há pouco dizia, aspirinas dadas a um canceroso para lhe acalmar as dores.
E claramente, nesta matéria, que visão estrutural está em causa, o Governo, que nenhuma visão global teve, claudica inapelavelmente.
Darei dois exemplos, que ilustram a diferente postura do CDS nesta matéria. Em primeiro lugar, a sociedade civil é globalmente aquilo que a sua classe média for. É o nosso postulado normal e julgamos que a classe média é que deve ser o motor estratégico da sociedade. Se a classe média for forte, ampla e estável, a sociedade será pacífica, estável e sem grandes assimetrias sociais e económicas. Se pelo contrário a classe média for fraca ou de diminuta expressão, a sociedade é necessariamente instável, dividida em ricos e pobres, social e economicamente de estratos afastados e tendencialmente conflituais.
Ora, apesar das magnânimas declarações de intenção, o Governo, inexplicavelmente, tem sido pouco menos do que um verdugo para a classe média, como o CDS, e não só, tem sistematicamente, denunciado, e denunciou de forma particularmente viva aquando do debate da reforma fiscal, que, incidindo com particular violência nas profissões liberais, empresas e trabalhadores assalariados, veio dificultar sobretudo estes estratos, enfraquecendo assim o tutano da nossa sociedade.
Pode o Governo ir negando, mas cada português mais do que ver sente esta evidencia na sua bolsa todos os meses, principalmente nos meses de Julho e Agosto, em que surgem os montantes devidos do IRS. E dele, esperamos, saberá tirar as necessárias conclusões.