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3482 I SÉRIE - NÚMERO 99

mente, também o Sr. Ministro lutou com a falta de tempo. Confirma-se, assim, o diagnóstico que no início fizémos de que a justiça atravessa uma profunda crise. Acrescentamos agora, infelizmente, que o debate não nos permite alimentar grandes esperanças, embora, deva confessar, Sr. Ministro, que tivemos estas esperanças mais fundamentadas no início da sua intervenção.
Para um Ministro, cuja primeira grande iniciativa - o programa «O Cidadão e a Justiça» - tem como grande objectivo a informação jurídica, dispondo para tal de um orçamento de 60 000 contos, este não é um bom começo. E é um mau começo porque tudo nos leva a pensar que tal iniciativa não tem outro objectivo senão o de fazer campanha para 1991, à semelhança do que, noutros tempos, foi feito com a política de segurança social.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Reconhecidamente, o acesso ao direito e à justiça é ainda uma miragem em Portugal. Isso mesmo foi reconhecido pelo Sr. Ministro. Esperamos que este debate possa ajudar V. Ex.ª a equacionar e solucionar de forma diferente aquilo que tem sido a prática deste Governo. Desejamos sinceramente que o consiga.

Aplausos do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para a intervenção de encerramento, tem a palavra p Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Várias vezes, ao longo desta interpelação, foi usada a simbologia do julgamento; várias vezes se falou de condenação do Governo, algumas vezes pretendeu insinuar-se uma absolvição ou um regime de melhor prova para a pessoa que é ministro da Justiça, uma vez por outra tentou fazer-se a distinção entre ambas as realidades.
Gostaria de começar por negar a distinção, pois a pessoa que é ministro da Justiça é, neste momento, apenas ministro da Justiça e é nessa qualidade, e só nela, que aceita o julgamento desta Casa.

Aplausos do PSD.

Todavia, esse ministro da Justiça tem uma marca profissional de origem - é magistrado. E, ao longo dos anos, habituou-se também, ele próprio, a conduzir audiências de julgamento, pelo que, a pouco e pouco, foi tentando relembrar-se de um só réu, porventura o pior de todos, tentou lobrigar nos escaninhos da sua memória o facínora - e não encontrou nenhum - a quem o julgamento tivesse sido tão severo como aquele, que aqui foi atribuído ao Governo. Sempre se encontrou um caminho de benevolência, sempre se encontrou, aqui ou além, uma ligeira atenuante, e, todavia, foram homicidas, foram assaltantes, foram pessoas acusadas de crimes graves que passaram também, pelas suas mãos. Não dei comigo a pensar que, num regime democrático, os julgadores também suo julgados e se o julgamento é de tal forma excessivo e injusto então perde credibilidade.

Aplausos do PSD.

Com a humildade de quem conhece a situação difícil da justiça em Portugal, o Governo fez uma primeira proposta esta manhã, proposta essa que consubstanciava, na sua perspectiva, uma esperança real de mudança. E, nessa proposta de análise, de esperança real de mudança, abriu-se à crítica, ao diálogo, à reflexão
conjunta, a partir de uma outra proposta essencial que tinha a ver com a dimensão de Estado que há-de reconhecer-se à temática da justiça.
Mas, a pouco e pouco, à proposta de esperança real, de crítica, de mudança, sucedeu-se o discurso da crise absoluta. E tão absoluta que se inverteu o debate ao ponto de não terem sido as medidas propostas pelo Governo a ser consideradas míticas, mas a própria crise.
No fundo, a crise tem a dimensão que tem, e quando se pretende pôr em crise a própria dimensão da crise acaba por se deixar aos olhos de tal cidadão, em nome de quem desenvolvemos o nosso discurso, a legitimidade da desconfiança total, a legitimidade de desconfiar nomeadamente do pólo essencial da verdade que lhe serve de referência e de caminho de análise critica.
É possível que algum cidadão, que conheça na globalidade o funcionamento do sistema de justiça português, acredite nessa dimensão da crise? É possível que algum cidadão, porventura atento ao que tem sido feito no domínio da justiça, dê consigo a comparar apenas o que está com o que em absoluto se desejaria que estivesse, sem fazer uma comparação, moralmente exigível, entre o que está hoje e o que estava há dez anos? É possível que algum cidadão tenha apenas uma leitura da crise que, no fundo, postula a comparação entre o que o Governo faz e aquilo que ninguém fará porque é intangível e é absoluto? É possível que não se perca um minuto ou um segundo na contemplação, que não é nunca compromissória mas que é seria, no sentido de dizer «ao menos isto foi feito»?
Srs. Deputados, chegou-se ao ponto de o partido interpelante ter reconhecido que alguma coisa se fez depois da sua proposta de debate sobre a situação da criança em Portugal, mas até isso teve de ser feito apenas porque o partido interpelante propôs que se fizesse!
Não haverá então nada que este Governo tenha feito? Não haverá nada que a oposição possa reconhecer ao menos como exemplo que indique ao Governo para prosseguir? Será, então, que tudo aquilo que nós dissemos com humildade foi considerado arrogância, e aquilo que a oposição disse, sem humildade, definindo uma crise à sua medida, inexistente, não pode ser considerado arrogante?

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, humildade não é a forma de fuga aos problemas, não é cobardia; humildade é seriedade, e a seriedade é, necessariamente, partilhável, sob pena de ter de se introduzir diminuição num valor que não tem quantidades, apenas é, ou não é. Ou se é ou não se e sério!
Relativamente à situação da justiça em Portugal, o Governo pretendeu apresentar uma política de justiça para Portugal - coisa diferente de um programa de justiça!
Relativamente a algumas intervenções do partido interpelante (que me desculpem o sentido de humor, para atenuar um pouco também, porventura, a expressão mais sólida da intervenção), por vezes pareceu-me assistir a uma situação de ventriloquia, na qual o partido interpelante mexia os lábios e pronunciava o conteúdo do discurso do Governo! De alguma maneira, partiu do programa «Cidadão e Justiça», proposto pelo Governo e, a partir dele, elaborou um programa - ou um anti-programa, porque, no fundo, arrancava daquilo que e o programa «Cidadão e Justiça» proposto pelo Governo.