3534 I SÉRIE - NÚMERO 100
Temos uma vida civil burocratizada em malhas de ferro. Temos um cidadão desencorajado de participar na construção da realidade social. Temos uma centralização de decisões que as tornam irreais. Temos um tempo administrativo fora do tempo comunicacional moderno. Temos um ritmo de produção administrativo, aferido à semana, ao mês e nunca ao dia, à hora ou ao instante.
Todos estes sintomas revelam incapacidade, ou falta de coragem, de renovar a concepção ideológica do Estado.
Refugiam-se os argumentos de defesa na complexidade das decisões, dizendo-se, hoje por hoje, que estas são mais difíceis, iludindo-se assim o bom senso e o pragmatismo, preferindo-se antes a defesa do direito exaustivo, estático e condensador do que está ali à mão de solucionar.
Alimentada, na sua zona conceptual, predominantemente por tecnocratas, a Administração Pública refreia, como pode, as fugas aos regulamentos, despachos, despachos interpretativos, circulares, portarias, portarias regulamentares, resoluções, protocolos, decretos, decretos regulamentares, decretos-leis e leis, sem outra forma do que, e apenas, face às necessidades paralisar quase sempre, a iniciativa da empresa e do cidadão.
O Sr. Fernando Pereira (PSD): - Quais as vossas propostas?!
O Orador: - Procuram os governos reformular códigos, reformular estruturas nos ministérios, encurtar circuitos administrativos, criar novos sistemas de gestão, desconcentrar, descentralizar, aproximar a administração do cidadão.
Chegam os sucessivos governos que temos tido, a criar secretarias de Estado, ministérios e estruturas de missão. para tal fim. Que resultou? Apenas isto: códigos feitos, vistos e revistos substituindo burocracias por outras.
Ao quererem novas estruturas nos ministérios, os governos inspiram-se nas concepções clássicas, piramidais, arborescentes, tentaculares, fora de qualquer sentido sociológico. Procura-se o domínio capelizante do interesse do poder dos altos funcionários e de clientelas determinadas.
Ao querer encurtar circuitos os vários governos apenas se preocupam com a microscopia dos mesmos. Isto é, menos uma assinatura ou menos um impresso. Na sua outra dimensão, que começa por questionar a razão de certas formalidades, pouca preocupação parece existir.
O cidadão, a empresa, não são Considerados por este Estado como uma só, mas como fatias divisíveis de uma unidade que parece desejar-se perdida. Pedaços artificialmente concebidos para satisfazer e garantir a existência do nada administrativo, do emprego, da autoridade cinzenta, da burocracia. Sabemos todos que o Estado é uma pessoa de bem, como se lê, aliás, nos manuais de civilidade pública, mas protegido por este princípio o Estado permite que a sua Administração deva às empresas, não reponha com juros dinheiros. mal cobrados, faça perder oportunidades de negócio por negligência burocrática, obrigue a perdas de tempo indetermináveis,, obrigue a ritualidade dos pequenos poderes, se ausente de responsabilidades por incúria a si devida.
A palavra gestão foi tão bandeirada na Administração, que quase perdeu expressão e conteúdo. Gestão que só pode significar capacidade de decisão de meios e satisfação do utente; traduz-se, pelo contrário, em incapacidade de decisão, porque tudo depende sempre de alguém indeterminado; traduz-se em deseconomia, não tanto para a Administração, porque ela custa o mesmo fazendo ou não fazendo, mas para o utente; traduz-se em insatisfação psicológica, moral e material.
Mas tudo, incrivelmente, se vai suportando, acusando quem nunca devia ser citado como causa: o Estado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este governo dispôs de condições soberanas, a variadíssimos níveis, para encetar o processo gradual, mas firme, da reforma do Estado e da modernização da Administração.
Preexistindo condições subjectivas para o efeito e verificando-se a existência de recursos naturais bastantes, surpreende a inépcia do Governo para cumprir, ainda que minimamente, e concretizar o Programa que apresentou ao eleitorado nesta matéria.
Segundo o referido Programa: «Adequar a Administração Pública à evolução da sociedade, da economia e da cultura é tarefa nacional que a todos deve empenhar.» Nada de mais certo. No entanto, contrariamente ao que prometeu, o Governo não criou condições para «servir melhor os utentes», para «dignificar os funcionários», para «gerir melhor» e para «melhorar o papel e a função do Estado junto do cidadão».
Tem-se feito alguma desconcentração e descentralização de poderes transferindo pedaços de poder central. Mas tem-se feito, ao fim e ao cabo, transferindo cortes. Vem-se assistindo a uma progressiva tentativa de subversão da Administração ao signo ideológico do partido ou partidos de Governo. Todavia, com pouco ou nenhum êxito, até porque sempre se cometem os mesmos «pecados capitais»: deixam a Administração suficientemente grande para jamais a poderem controlar; isolam órgãos e serviços, ditos de eleição, e garantias de fidelidade, mais não conseguindo do que criar pequenas guerras civis, paralisantes nos ministérios; dividem e multiplicam, consecutivamente, direcções-gerais procurando controlar poderes, esquecendo-se que o maior poder é a própria ideologia da autoridade burocrática.
Mais ainda, são os próprios governantes que vêm apelidando a Administração Pública de improdutiva, inútil, estéril, limitada, cara, esquecendo-se que ela não legisla, não tem jus imperandi, as suas despesas estão dentro do aceitável, relativamente ao PIB, em comparação com a restante Europa. Esquecem-se que ela é a linha, ainda' assim, continuadora da execução do poder público, num país de grandes descontinuidades governativas.
São, enfim, os governantes a banalizarem, com desmerecimentos, os funcionários,, na mais injusta e deselegante das críticas. Ora, quem desmerece os colaboradores, certamente, não merece comandar.
Estes são factos num clima em que o Governo se esqueceu de actualizar o nível de vida dos funcionários, limitando-se a ligeiras correcções de acordo com a inflação oficial, mas, como nos é dado ler no Livro Branco das Remunerações, um dos mais impressionantes documentos publicados nos últimos anos, o poder de compra destes desceu tanto, como certamente não aconteceu em relação a outra classe profissional.
Com a revisão salarial de 1989, considerados os escalões de impostos, os descontos para o mais ineficaz sistema de segurança social, que é a ADSE tudo ficou na mesma. Só para citar um exemplo, e vamos tirá-lo por cima, um assessor principal, letra A, do topo da carreira, feita de trabalho, formação profissional, concursos, experiência e de difícil acesso, ganha líquido, por mês, pouco mais de centena e meia de contos. Como pode ser isto possível?