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13 DE JULHO DE 1990 3537

intervenção, quero informá-los de que se encontra na 3.º Galeria, de visita à Assembleia da República, um grupo de autarcas da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal do Concelho de Cinfães.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A actividade do Governo e a acção política do PSD que o suporta estão em manifesto contraciclo do interesse nacional. Vejamos como e porquê.
O essencial da estratégia política do Governo resume-se a bem pouco: durante os dois primeiros anos da legislatura, teriam de ser tomadas as medidas mais impopulares sob o ponto de vista económico e social, com a justificação de que tal era necessário face ao constrangimento das variáveis macroeconómicas, quer as de natureza fiscal e orçamental, quer as de natureza monetária e financeira. Seguidamente, ocorreriam dois anos de vacas gordas, com maior impacto social, sobretudo no último ano (o das eleições), e com a convicção de que a memória dos eleitores (por ser curta) não impediria a conquista de uma nova maioria. Aos que ousassem protestar, e o pretendessem questionar, acusava o Governo de ignorância e estupidez, ausência de alternativa e de responsabilidade nacional.
Com esta estratégia, não inventou nada de novo o Sr. Primeiro-Ministro. Há muito que é conhecida entre os economistas a teoria dos ciclos políticos e há mesmo quem explique e justifique exclusivamente os ciclos económicos com os ritmos e as graduações da actividade política.
O Governo esperava que a realidade concreta, obedientemente, se comportasse assim: a taxa de desemprego poderia inicialmente não baixar muito, mas isso era, afinal, uma condição necessária para fazer baixar a taxa de inflação. E o controle desta taxa constituía, então, o verdadeiro dogma do Governo. Era a medida de toda a competência e de toda a eficácia do Primeiro-Ministro e do ministro das Finanças de então. A inflação tinha de ser domesticada para a ajustar definitivamente aos níveis europeus. Neste objectivo se envolveram autoproclamadas competências e nunca desmentidas infalibilidades.
Naturalmente que a oposição clamaria contra esta política, tentando atenuar a injustiça social efectiva - quando seria de esperar exactamente o contrário - e o Governo estaria, então, nos dois anos finais do seu mandato, em condições de fazer o contraciclo eleitoral.
Era possível, então, ignorar os constrangimentos macro-económicos, realizar a política de campanário, inundando o País de benesses e inaugurações, previamente programadas de forma a despertar o entusiasmo dos eleitores (providencialmente esquecidos das dificuldades passadas e levianamente mantidos na ignorância das dificuldades futuras).

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A taxa de desemprego baixaria então e, embora a taxa da inflação pudesse subir um pouco, esta contrariedade seria de somenos, e até convém quando se pretende criar um clima de euforia.
Em contraponto político, o Primeiro-Ministro, através de uma remodelação governativa em momento próprio, afastaria algumas estrelas mais incómodas e centraria sobre a sua figura solitária os benefícios da «mudança», colhendo sozinho os frutos que outros, entretanto, haviam semeado.
Isto foi - e, incrivelmente, continua a ser - o essencial da estratégia político-económica do Sr. Primeiro-Ministro.
Esta estratégia nem sequer é imaginativa e, sobretudo, o primarismo da sua concepção torna-se facilmente detectável.
Só que a realidade não se comportou assim. Em primeiro lugar, a opinião pública em geral e o eleitorado, em duas situações concretas, revelaram comportamentos racionais e sentido crítico muito esclarecido.
Em segundo lugar, e felizmente, o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo não estão sozinhos: no plano interno, defrontam-se com uma oposição responsável, alternativa e atenta; no plano externo, existe o limite da solidariedade europeia - com o que isto significa em termos de perda de soberania relativa em algumas políticas.
Em terceiro lugar, o protagonismo excessivo e polémico de algumas figuras políticas da maioria acentuou os aspectos negativos desta estratégia e impediu a criação de um clima totalmente favorável à mudança necessária na segunda fase do contraciclo eleitoral.
Em quarto lugar, e independentemente do crescimento, acentuaram-se gradual e excessivamente as disparidades regionais e sociais, sendo certo que as injustiças e as desigualdades cresceram como consequência do crescimento negativo nos salários reais e da constante diminuição na repartição funcional do rendimento, com o País integrado no espaço europeu que busca incessantemente a coesão económica e social.
Em quinto lugar, a inflação, que aparentemente aceitara sujeitar-se ao ritmo do Governo - o que até permitiu a proclamação da existência de uma política séria e coerente de combate à alta de preços -, verificados que foram, de novo, os constrangimentos habituais e algumas circunstâncias inéditas, disparou para níveis dificilmente compatíveis, sem que o interesse nacional seja posto em causa, com o interesse eleitoral do PSD.
O Sr. Primeiro-Ministro deveria, consequentemente, solicitar ao seu grupo parlamentar que instaurasse um inquérito à própria realidade concreta, uma vez que esta, afinal, lhe não obedeceu.

Aplausos do PS.

Agora que a taxa de inflação, depois de subir ligeiramente, deveria manter-se controlada, mesmo que esse controle fosse feito à custa da taxa de desemprego, foi esta afinal que baixou e aquela que acelerou bruscamente.
Provavelmente inspirado pelo ex-ministro das Finanças que, em 27 de Fevereiro de 1989, afirmou em entrevista ao Diário de Notícias que «baixar a inflação sairia caro ao Governo», o executivo de Cavaco Silva conseguiu em alguns meses de febre eleitoralista fazer perder mais de quatro anos de combate à inflação: os 14% que a respectiva taxa atingiu em Maio de 1990 só são comparáveis aos 14,2% de Janeiro de 1986. Só que, nessa altura, a tendência e as expectativas eram decrescentes.
O País vai ter, felizmente, que escolher entre o interesse eleitoral do PSD e o próprio interesse nacional.