I SÉRIE -NÚMERO 11 304
de engonços e de pele e ossos»; e o Padre José Anchieta, que desembarcou em 1553, é conhecido como o «apóstolo do Brasil», mas também lhe chamaram «o Primeiro Secretário de Estado do Ensino» do futuro grande país.
É oportuno destacar, neste dia, que já se foi mais longe em Angola e Moçambique. Quando, em 1962, pelo Decreto-Lei n.º 44 530, de 21 de Agosto, foram criados os Estudos Gerais, a designação resignou-se ainda com embaraços cooperativos, mas o compromisso teve em vista o conceito que, com tal designação, já corria no século XII, isto é, a legitimidade, nova naquelas terras, para ensinar e conferir os títulos aos escolares e docentes, sem distinções de etnias, culturas ou crenças.
Registe-se que a comissão instaladora foi orientada, para Moçambique, pelo reitor Doutor Braga da Cruz, com o qual tive o privilégio de aprender durante dezenas de anos, assumindo a sua Universidade de Coimbra o patrocínio da nova instituição, o que incluiu a escolha do jovem reitor, que foi o Doutor Veiga Simão, cuja obra notável foi continuada, designadamente pelo actual Presidente da Assembleia da República, Doutor Vítor Crespo; para Angola, a dependência e a responsabilidade foram do próprio presidente da comissão, Doutor Moisés Amezalak, assumindo a Universidade Técnica de Lisboa, da qual era reitor, o patrocínio, o que também incluiu a escolha do primeiro reitor, que foi o professor engenheiro André Navarro. A coordenação logística, a definição da articulação das carreiras docentes e dos estatutos entre universidades metropolitanas e ultramarinas, a total responsabilidade pela dificílima construção administrativa, foram do Dr. João de Almeida, director-geral do Ensino Superior, ainda vivo, e talvez o mais notável funcionário português daquela área durante a vigência da Constituição de 1933. Lembrarei, finalmente, D. Sebastião de Resende, bispo da Beira, um Bartolomeu de Lãs Casas implantado nas margens do Índico em meados deste século: sendo um dos maiores lutadores pela instalação do ensino universitário em África, o projecto foi, por devida homenagem, anunciado por mim na sua cidade episcopal.
Na Ásia, tendo sido omitida a implantação em Goa deste legado sem equivalente, não deveríamos desperdiçar nenhum esforço, nem dar crédito a nenhuma das habituais resistências portuguesas, exímias no enlear da grandeza nas pequenas coisas, que prejudiquem o projecto em curso de ainda viabilizar ali uma Universidade, com vida própria ganha nos breves anos que faltam.
Dos modelos ocidentais implantados no mundo que esteve submetido à colonização, a instituição universitária foi talvez a mais preservada em face da revolução descolonizadora mundial que caracterizou o nosso século.
Também por intermédio dela, esse mundo invadiu as matrizes e obrigou à redefinição dos currículos originários, à renovação dos métodos nas ciências sociais e políticas, à relativização das escalas de valores, à passagem do dogmatismo para a compreensão.
A primeira geração da revolta, que agiu entre as duas guerras, estivera com as elites do colonizador ao mesmo tempo e nas mesmas escolas, sendo a segunda geração da revolta, depois de 1945, que se enriqueceu com os que chegaram à luta vindos do sindicalismo, da banca de trabalho, e dos quadros médios das forças armadas.
Pagando certamente o tributo devido sempre às conjunturas, é certo que nos grandes movimentos libertadores do continente americano, no dobrar do século XVIII para o XIX, também na descolonização da Ásia, que vai da luta contra os tratados desiguais às terríveis
guerras marginais deste século, e finalmente na anárquica e desastrosa entrada da África nos novos tempos, a nossa Universidade Ocidental esteve presente: com erros e acertos, cumpriu regularmente a obrigação de ensinar todas as alternativas úteis, salvaguardando a liberdade de opção dos que, tendo estado ao mesmo tempo na Garlandia, se encontraram eventualmente adversários no terreno.
Com isto pretendo recordar, nesta obrigatoriamente breve fala, que o sentido do universal marcou sempre a instituição, ou ela perde o carácter, ainda quando valores apenas regionais ou nacionais ocuparam a cena toda, como aconteceu a partir do século XVIII por influência do iluminismo e do utilitarismo. Recordemos como, no imperial século XVI português, se desenvolveu a escola dos mestres do direito natural de Évora, na sequência do ensino de Luís de Molina; e Francisco Suarez, nosso pela vida e pelo repouso final, que daqui fez irradiar, com os discípulos, uma das componentes do pensamento europeu, ambos tendo lido em Évora e Coimbra.
O universalismo da Respublica Christiana manteve a perspectiva de uma comunidade supranacional depois da liquidação do Império Romano; a mesma que reaparece com o universalismo dos humanistas, em que se destaca Erasmo, hoje uma referência de todos os Estados da Comunidade Europeia; como se repete com a vertente jus-naturalista que vai de Grócio a Pufendorf; que se reencontra na tolerência, no universalismo religioso, no cristianismo razoável setecentista, em que participam homens como Locke, Leibnitz, Bayle, Leclerc, Christian Wolf, Saint-Pierre, Mabley, Rousseau; que tem parentesco com o cosmopolitismo dos reformadores italianos, de Verri a Beccaria.
Finalmente, teve expressão cimeira no projecto da Universidade Mundial (World Univertity) depois da fundação das Nações Unidas.
Segundo a notícia de Arthur Lall (1971), «desde a Segunda Guerra Mundial, no tempo das Nações Unidas, houve várias propostas para instituir uma Universidade Mundial. De facto, o número total de tais comunicações neste período é estimado em cerca de um milhar. Mais de duas centenas delas foram dirigidas às Nações Unidas e suas agências, mas até recentemente tem sido fora da ONU que se fazem esforços práticos para reunir académicos e pensadores numa base transnacional permanente». O ideal e o objectivo/oram enunciados deste modo pelo Dr. Abdus Saiam: «É imperativo que passos efectivos sejam dados num futuro próximo para assegurar que teremos uma ou mais verdadeiras universidades internacionais, ganhando consistência nos próximos 20 anos.» Não quer isto dizer sequer que a Universidade da ONU corresponda exactamente aos desejos assim expressos, mas tem fundamento que à consciência da unidade do mundo, e ao facto da mundial interdependência, corresponda uma concretização institucional da tradição universalista da Universidade. A começar pelos grandes espaços formais, como é já o das comunidades europeias, onde a convergência terá expressão na livre circulação de diplomas, no irrecusável direito de ensinar em qualquer lugar, que já caracterizava a titulação medieval dos estudos gerais, no renascimento da liberdade de frequentar qualquer escola em qualquer dos países europeus.
A ideia da World University, nossa contemporânea, é um regresso ao ius ubique docendi da Universidade Medieval, enfraquecido pela cisão protestante que tornou profundamente diferente o ensino nos países católicos e