14 DE NOVEMBRO DE 1990 305
nos que se afastaram da obediência. Também é uma superação do surto nacionalista que no século XIX, como notou Braga da Cruz, gerou a situação em que os homens de estudo «passam a viver fechados no pequeno mundo da cultura do seu país e desconhecem, a maioria das vezes, o labor científico que se desenvolve no país vizinho». Não obstante os acidentes ideológicos graves terem levantado muros fatais à comunicação dos valores, a Universidade do século XX esteve presente e beneficiou do processo unificador do globo e voltou a poder «colocar a cultura superior ao serviço da comunidade universal».
A respeito desta responsabilidade perante a comunidade universal, como lhe chamam, é necessário salientar que das principais revoluções com dimensão mundial do nosso século - a da informação, a da descolonização, a do mercado, a dos teatros estratégicos e a da explosão técnica e científica - esta última é principal responsabilidade da Universidade, algumas vezes mudada na forma - e chama-se NASA -, outras no exercício - e chama-se Universidade da ONU. Desde a fundação da Universidade de Gõttingen, nos começos do século XVIII, que apresentou «arrogantemente como primeiro dos seus objectivos conciliar a investigação científica com o ensino», o «Partido de Prometeu», como julgo que lhe chamou Juliot Curie, comandou o processo que conduziu à referida revolução técnica e científica: mas os efeitos negativos que ameaçam o ambiente, a alienação crescente nas drogas, o risco tecnológico maior a que toda a humanidade está submetida, as possibilidades da engenharia genética, a autonomização de formas novas de fazer a guerra - atómica, química, biológica - tudo revela que a investigação e a criatividade nos domínios da ética se atrasaram nas respostas que urgentemente são exigidas pelos povos, com angústia crescente. E a esta responsabilidade não respondem as ciências do espírito e da cultura. Serenamente, perguntava Hauser, na década de 50, se as ciências sociais estavam prontas para responder aos desafios. E a resposta tem de ser hoje, humildemente, negativa. Não fomos capazes de aprender e ensinar a gerir e eliminar a dialéctica dos efeitos negativos dos extraordinários avanços conseguidos, e não vamos certamente aceitar como resposta que se trata de um preço. Por outro lado, a extensão destes efeitos, não previstos nem queridos, em todas as estruturas sociais e modelos culturais ao redor da Terra torna muito claro que a velocidade da mudança excede com frequência crescente a capacidade de formação apropriada que a Universidade pode promover. O que obriga talvez a reconhecer que é necessário aprender a ensinar para a incerteza e que a nobilitante graduação, a licenciatura, significa, cada vez mais e apenas, licença para estudar sozinho.
Neste dia da celebração, em face dos desafios novos postos à velha e gloriosa instituição - a internacionalização, a revolução científica e técnica e a dependência de centros dominantes, o atraso da ética, a mundialização dos modelos universitários, a distância entre a estabilidade teórica do modelo de referência para a formação dos estudantes e a instabilidade das estruturas sociais de destino, o conflito entre a explosão da demanda da Universidade pelos jovens e a capacidade de resposta que esta tem, o desencontro entre a limitada resposta e a oferta social de utilização -, deveríamos poder somar às nossas alegrias a convicta afirmação de que a nossa Universidade está pronta, decidida e habilitada a enfrentar os desafios para entrar no século XXI.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Ilustres Convidados, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: «Como a Real Alteza importa ser não só ornada com as armas se não também armada com as leis para que a República possa ser bem governada no tempo da guerra e paz porque o mundo se alumeia pela ciência (...) considerada ser mui conveniente (...) ter um estudo geral de ciências.»
Assim fundamentavam junto do Sumo Pontífice, no já distante ano de 1288, vários prelados e outros altos dignitários eclesiásticos, de várias regiões do País, a criação de um Estudo Geral.
Justifica-se ainda o pedido com os «descomodos dos caminhos largos, dos perigos da vida», pois os estudantes temem ir «estudar a outras partes remotas», o que, atenta a situação da época, era perfeitamente compreensível e aceitável.
Como seria curial, comprometeram-se os peticionários, com o aval régio, ao pagamento dos salários dos mestres e doutores com os rendimentos dos seus mosteiros e igrejas, garantindo, à partida, a sua subsistência e manutenção.
Reunidas as condições indispensáveis, e atenta a similitude com solicitações semelhantes de outras origens, era natural que o pedido formulado obtivesse o desejado provimento.
A bula De Statu Regni Portugaliae, expedida, pelo Papa Nicolau IV, em Agosto de 1290, confirma solenemente uma realidade em vias de funcionamento.
Embora nascida em época posterior às suas congéneres da Inglaterra, Itália, França, Aragão e Castela, surgiu contudo muito antes de outros países como a Alemanha, a Escandinávia e a Escócia, o que demonstra a existência de uma vida cultural bastante desenvolvida para o tempo.
É, pois, natural que a corporação de mestres e alunos inicie a sua actividade, providenciando-se com a benção papal, à obrigação de aluguer pelos cidadãos de casas aos estudantes, com a atribuição de renda acordada por uma comissão constituída por proprietários e estudantes, para além da garantia de segurança e imunidade das pessoas e bens dos alunos.
Importa salientar tal tipo de preocupações, que constituem as condições indispensáveis ao êxito do projecto nascente, que bem precisava de apoios diversificados e consistentes.
Não é por acaso que se institucionaliza a «Universidade dos mestres e escolares», como paternalmente é denominada pelo Sumo Pontífice.
Uma longa e fecunda proto-história esteve na sua origem. Desde o século XI, como documentalmente está comprovado, foram criadas escolas episcopais, monacais e paroquiais, que, embora tivessem um nível relativamente elementar, tiveram um papel decisivo não só na formação de clérigos, mas também na educação de estudantes leigos pobres.
Nesses estabelecimentos, cujo tronco basilar era constituído pela gramática e pela lógica, para além do direito canónico e da teologia, havia espaço para uma cultura de horizontes mais vastos, na qual se incluía o estudo da astronomia, da astrologia, da medicina e da aritmética.
Assim se justifica a natural criação do Estudo Geral, que muito beneficiou da experiência acumulada nas escolas criadas à sombra da Igreja.