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14 DE NOVEMBRO DE 1990 311

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministros e Secretários de Estado, Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, Srs. Reitores, Srs. Membros da comissão encarregada das celebrações dos sete séculos da Universidade de Coimbra, Srs. Dirigentes Estudantis, Srs. Deputados: Bem avisada andou esta Assembleia quando, por entre os ruídos de um quotidiano de confronto político em crescendo de tom, soube impor-se um parênteses de reflexão votado à Universidade Portuguesa, uma das instituições mais antigas e perenes e mais intimamente associadas à nossa gesta de povo criador de história e de cultura e, por isso, co-criador do mundo. Precisamente quando a espiral do tempo nos faz passar de novo sobre o dia 12 de Novembro, séculos volvidos sobre 12 de Novembro de 1288, em que a petição dos 27 eclesiásticos de Montemor-o-Novo desencadeou o processo de emergência e legitimação institucional da Universidade. Que nasceria em Lisboa e que em Coimbra cresceria, se consolidaria e aí se imporia ao respeito do mundo culto.
Isto ao longo de uma trajectória de séculos, prenhe de eventos e vicissitudes, rica de história e de histórias. Em que os períodos de fulguração criadora, de desvelamento e chamamento do futuro, alternam com espaços de anemia e perpetuação de paradigmas do passado. Em sintonia e ao ritmo das oscilações do nosso estado de alma colectivo. Como um barómetro que regista, com fidelidade, as euforias e depressões, os avanços e recuos mais marcantes do nosso destino. Em termos tais que a história da Universidade configura um espelho privilegiado em que se revê, com as suas sombras e luzes, o rosto da própria história de Portugal.
Bastariam para o ilustrar os contributos dados pela Universidade e pelos seus discípulos logo para a superação vitoriosa de uma crise tão comprometedora como a de 1380. É que, antes de em Aljubarrota terem brilhado as espadas de Nuno Álvares, soaram em Coimbra, invencíveis e derimentes, as espadas da retórica de um legista. Que fizeram que a balança começasse a pender decisivamente para o lado de D. João I, viabilizando, dessa forma, o facto histórico da geração de ínclitos infantes, que tomaram possível a aventura dos Descobrimentos.
A história da Universidade-convém acentuá-lo-não se esgota na recensão da pletora de eventos e de biografias dos agentes que os protagonizaram. É sob a superfície destas águas que corre a história profunda da Universidade: uma sucessão de modelos de compreensão, e sobretudo de autocompreensão reflexiva, da essência deste modo institucionalizado de vida epistémica.
A partir da Universidade medieval escolástica, preferencialmente servidora do dogma e da exegese, e de algum modo vergada ao peso da autoridade. Que conheceria a reacção e a ruptura estrepitosa da Universidade do iluminismo. Que pela voz credenciada de Kant inauguraria a «nova época, a época autêntica da crítica, a que tudo se deve submeter» e por isso se reivindicaria «livre e unicamente dependente da legislação da razão e não da do Estado». Que abriria a porta à Universidade de Humboldt, auto-referentemente fechada sobre si própria, indiferente ao universo ambiente, aos dramas do mundo e do homem. E que já nos fins do século XIX conheceria a concorrência da Universidade positivista, gerada no calor do cientismo e perspectivada como santuário consagrado ao culto da religião da Natureza.
Já no dealbar deste século, o tom seria dado pela Universidade de Dilthey e Windelband, que à Natureza contrapõe o espírito e a história. E a que Husserl acrescentaria a ideia de «mundo da vida», a cuja colonização pela racionalidade sistémico-estratégica se vem empenhadamente opondo Habermas, um dos universitários mais comprometidos com o problema do sentido, do topos e da legitimação da Universidade.
O tempo que corre é ainda para a Universidade tempo de inquietação e de busca. Apesar de tudo, de todas as névoas e riscos, é possível antecipar alguns traços da Universidade que aí vem: que recusará todo o monismo reducionista, porque aberta à complementaridade irredutível entre a Natureza e o homem; que adoptará uma linguagem com laços insuspeitados entre a poesia e a ciência; que cultivará a autonomia e a liberdade, invencivelmente rebelde à autoridade, à ideologia e ao poder. Mas permanentemente despeita para os problemas e sofrimentos do homem, apostada em esconjurar as manchas subsistentes de injustiça. E, para além disso, ascética e vigilante cultora da tolerância, porquanto convicta, com Max Planck, de que todo o saber é sempre penúltimo - como o alpinista «que nunca sabe se, para além do cume que vê diante dos olhos e para o qual penosamente se dirige, se levantará, ou não, outro ainda mais alto».
E sobre o pano de fundo dos dados enunciados - e dos que ficam pressupostos - que nos propomos dar conta, em nome da bancada social-democrata, das nossas reflexões nesta celebração e que, feitas nesta sede, valem ao mesmo tempo como premissas da nossa acção e como princípios do nosso programa e comprometimento.
Por economia, sintetizamos o discurso em três tópicos que contendem com o nosso espanto, as nossas expectativas e a nossa responsabilização perante a Universidade.
É de espanto a primeira atitude que em nós desperta a celebração da Universidade. Pela sua perenidade e capacidade para ultrapassar, reforçada no seu prestígio, as crises que a têm desafiado. O que, a nosso ver, deve em boa medida imputar-se à identificação da Universidade Portuguesa com a Universidade Europeia e, por vias disso, com a alma da própria civilização europeia: depositária privilegiada do humanismo greco-romano e judaico-cristão e criadora do ideário democrático que foi oferecendo, permanentemente renovado, ao mundo. E que acredita no cultivo das ciências em liberdade.
É, na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estreita a comunidade de destino entre a Europa e a Universidade. Foi a Europa que segregou o que o mundo inteiro viria a receber e institucionalizar como Universidade. E foi a Universidade que se assumiu como um dos pólos privilegiados de preservação, refontalização e divulgação da Europa como ideia e projecto. Este é um dado que não deve ser desatendido por uma geração que, um tanto narcisisticamente, se define como a construtora da Europa. É que, antes da Europa do Carvão e do Aço ou do sistema monetário europeu, existiu a Europa da universitas liaerarum; antes da Europa de Bruxelas, houve a Europa de Bolonha, de Paris, de Salamanca, de Heidelberg, de Coimbra e de tantas outras universidades. Entre as quais circularam gerações de mestres e de estudantes, bene-