17 DE NOVEMBRO DE 1990 373
O grave risco de que sofre o porto de Lisboa a explicação técnica que me foi dada transmiti-la-ei ao Sr. Deputado numa altura em que tenha mais tempo para responder -é de que está, neste momento, em vias de ser assoreado por força de depósitos de sedimentos que vêm do lado sul, que é a direcção natural da sedimentação do porto de Lisboa, e antevê-se que, a muito curto prazo, o porto esteja integralmente bloqueado e o estuário do Tejo, nessa parte, transformado num delta.
Prevê-se, também, que naja abertura de vários canais baixos, que, provavelmente, não terão funduras superiores a dois ou três metros, originando uma situação de fecho do porto de Lisboa.
Sr. Deputado, se conto isto com esta frieza e provavelmente até com alguma secura, não pretendo minimizar os reflexos de uma catástrofe deste tipo. Sem exagerar, posso dizer que esta ameaça que, insisto, é confirmada por todos os técnicos que sobre o assunto emitiram opinião seria uma catástrofe a todos os níveis, inclusive ambiental.
É necessário, então, tomar medidas. E todos os técnicos concordam, também, que as medidas, por assim dizer, mais naturais, isto é, as medidas que implicam uma mexida mais ligeira das condições naturais suo o chamado «fecho da Golada», isto é, a ligação por um depósito arenoso entre o Bugio c a Cova do Vapor. Aliás, disseram-me ainda -ca análise histórica que tive ocasião de ler sobre a evolução do porto de Lisboa indica-o claramente que essa situação já existiu.
Devo dizer que a degradação do porto de Lisboa foi provavelmente mais acentuada eu não sabia e certamente alguns dos Srs. Deputados também não saberão - pela construção da Torre de Belém, que acentuou, de uma maneira dramática, as dificuldades do porto de Lisboa.
Porém, muito recentemente, está-se a dar o tal fenómeno - que, aliás, é óbvio e patente para toda a gente que passe em frente ao Bugio - de depósito das areias que vem invadindo o canal por onde passa a navegação e em tempo indeterminado, mas que se julga muito curto, abrirá um delta e o porto de Lisboa ficará fechado.
Sr. Deputado Herculano Pombo, o Governo não assume a responsabilidade de deixar à natureza o livre curso perante esta circunstância e, por isso, tem de tomar medidas.
Perante o que está em jogo, perante as circunstâncias, perante o enquadramento do problema, é evidente que considero que terá de se proceder ao fecho da Golada. Simplesmente, aceito que haja aqui um receio natural por parle das populações c até por parte do Governo no sentido de que o fecho da Golada sirva de pretexto a uma agressão à natureza do estuário do Tejo e àquilo que ele representa para toda a gente, inclusive como espaço ambiental e espaço lúdico.
Assim, as instruções que dei ao porto de Lisboa, neste aspecto, são as seguintes: em primeiro lugar, se se confirmar - e os estudos estão a concluir nesse sentido - que essa é uma solução possível para evitar o fecho do porto de Lisboa, então faça-se o depósito das areias, c o mais rapidamente possível.
Em segundo lugar, ioda a zona conquistada ao rio c ao mar por essa forma portanto essa faixa de areia) não poderá ler qualquer espécie de ocupação e será uma zona arenosa.
Em terceiro lugar, este processo deve ser reversível, isso é, apesar de iodos os modelos leitos, de todos os estudos realizados c de todas as conclusões dos técnicos
que sobre o assunto se debruçaram e, como disse, todas das apontam no mesmo sentido -, temos de dar alguma margem de manobra para o caso de, mesmo assim, poder haver qualquer consequência imprevisível do fecho da Golada nessas circunstâncias, embora, em boa consciência, e feitos os estudos possíveis, se chegue à conclusão que não. Portanto, como nestas situações mais vale prevenir ao que remediar, uma das condições é que também esse fecho seja reversível. Isto é, se se verificar que existe alguma consequência não esperada e esperemos que não -, a situação reverte com uma obra relativamente simples que seria a de reabrir a Golada, o que implica também a não ocupação dessa zona.
O projecto está, pois, neste momento, em estudo de impacte ambiental final e a conclusão que antevejo é a de que é necessário fazer o fecho da Golada o mais rapidamente possível. Daí a verba que está prevista no orçamento e o concurso de que falou foi encerrado.
Em conclusão, é indispensável que as condições que se devem impor a uma obra desta delicadeza sejam respeitadas: a nova zona de terreno não ser ocupada c a reversibilidade da obra.
A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Ministro, agradeço-lhe em nome da consciência dos Portugueses, porque se os Portugueses ainda não tomaram consciência do que está em jogo relativamente ao porto de Lisboa, ao estuário do Tejo, à cidade e ao País, hoje tê-lo-ão feito um pouco mais, se tiverem oportunidade de ver algumas das imagens do que aqui se está a passar e sobretudo se ouvirem aquilo que o Sr. Ministro disse, garantindo que tudo aquilo que se fizer é, ou deve ser, reversível.
O que o Sr. Ministro acaba de dizer é fundamental, porque dá um esclarecimento fulcral a toda esta questão. E não sou apenas eu que o digo. O Sr. Ministro escudou-se aqui como eu também, porque nem eu nem o Sr. Ministro somos técnicos em matéria de areias- nos pareceres científicos. O problema é que esses pareceres científicos são, depois, digeridos e servidos aos decisores num coisa que se chama um «sumário não técnico» para o público em geral e para os decisores. E esse «sumário não técnico», que tenho aqui, revela um digesto completamente diferente daquele para que os estudos técnicos apontam. Os estudos técnicos são guardados e são apenas apresentados à luz do dia aqueles que interessa apresentar. Depois, serve-se aos decisores o Governo e outras entidades- e ao público em geral, para consulta em 20 dias durante o Verão, uma coisa que é só maravilhas. Ou seja: «Feche-se a Golada e tudo estará resolvido; arranjar-se-á até um processo natural de dragagem para nunca mais termos de gastar dinheiro a dragar o canal da borra do Tejo.» Vai ser fabuloso!
Quanto a prejuízos dos impactes, «isso fica para os técnicos, porque eles é que percebem destas cocabichisses». É claro que não vou propor que o Sr. Ministro mande fazer um estudo de impacte à Torre de Belém. Todos sabemos que a Torre de Belém, por ser um espigão que sai fora da margem, alterou as condições das correntes no estuário do Tejo, mas isso já se passou há muito tempo provavelmente foi por isso que deixámos de «andar nos Descobrimentos».
O que me preocupa neste momento não é a Tone de Belém, mas um edifício que estão a construir mais atrás, o Centro Cultural, num sítio onde não devia estar-mas esse é um problema que não está hoje em discussão.