708 I SÉRIE - NÚMERO 21
aquilo que significa, pelo contexto social em que surge, não será, uma vez publicado, o diploma de um Governo mas o diploma de um Estado, porque a Justiça, repito, é uma questão de Estado e é, por isso, fundamental que cada um de nós saiba pegar nos diplomas que, não importa quem os criou, tenham essa dimensão de Estado e os execute democrática, séria e eticamente. Este é um diploma para o País, é, com certeza, um diploma para qualquer governo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Secretários de Estado: Em Abril de 1990, aquando do debate já referido pelo Sr. Ministro, foi o Grupo Parlamentar do PCP que introduziu na discussão a questão da necessidade de criação de mais comissões de protecção de menores, já que, como se sabe, apenas três centros de observação, que são os que existem, dispõem das mesmas.
Este diploma parece ser a concretização do estudo que q Sr. Ministro da Justiça disse, na altura, ter entre mãos. É evidente que eu penso que talvez não fosse preciso tanto tempo, dado que a sua capacidade poderia ter resolvido isto em muito menos, nomeadamente quando algumas alíneas desta autorização legislativa se limitam a transcrever o que consta da Organização Tutelar de Menores e quando o direito comparado, mesmo em relação à questão de se criarem estas comissões nos concelhos, também nos apresenta, como na Suécia, salvo erro, organizações locais de protecção de menores. Por isso mesmo, parece-me que para se fazer esta autorização legislativa não seria preciso o tempo que se levou.
Já agora, aproveito para referir que, quem conhece as realidades dos nossos tribunais comuns em relação à questão dos menores, pasma um pouco com as afirmações que V. Ex.ª fez acerca disso, mas, claro, são da sua inteira responsabilidade.
Em relação a esta autorização legislativa, devo dizer que ela surge desarticulada de outras medidas fundamentais e a execução do diploma, uma vez que ele é desarticulado, pode vir a colocar em crise as novas comissões de protecção de menores, tal como a crise que afecta, de um modo geral, as existentes e que já levou a questionar a sua própria existência.
Daí até ao questionamento da protecção do menor por via administrativa vai um passo. E também a partir daqui se pode partir, inclusivamente, para o reforço das teorias que defendem a repenalização da delinquência juvenil.
Efectivamente, estas questões colocaram-se já noutros países e, mesmo, em encontros internacionais. Citaria aqui a intervenção feita por um juiz de menores francês, que assinalava, no X Congresso da Associação Internacional dos Magistrados de Menores, realizado no Canadá, que o estreitamento do campo da intervenção judiciária na área da protecção dos menores acarretava reais perigos decorrentes da extensão do papel da polícia e daquilo que ele chamou «imperialismo administrativo». Quer aquela, quer este, não garantiriam as liberdades individuais. Daí que ele advogasse, mas eu não o faço, o regresso à competência judiciária dos sectores da protecção dos menores confiados à competência administrativa.
E também já houve quem defendesse o retorno à repenalização da delinquência juvenil, ou seja, o regresso à repressão, dada a falência do «tratamento medicalizante e ortopedagógico puro». Não partilhamos estas opiniões! Entendemos que dessa forma se cede facilmente a uma reacção social irracional, motivada por sentimentos de vingança, e não de ressocialização do menor.
Anote-se, de resto, que os magistrados portugueses, num inquérito realizado em 198S, mostraram a sua preferência pela extensão das comissões de protecção de menores a todo o País (50% dos juizes e 54% dos delegados do Ministério Público que responderam ao inquérito pronunciaram-se nesse sentido e apenas 9% dos magistrados defenderam o regresso ao sistema anterior a 1978).
De facto, entendemos que a falência dos meios administrativos de protecção de menores - nos casos em que existe - se tem devido à omissão de medidas que assegurem a mobilização completa dos recursos existentes com vista à promoção de protecção do menor. Entendemos que a protecção de menores, a justiça para menores, tem de fazer parte integrante do processo de desenvolvimento nacional de cada país - e isso, de facto, não tem acontecido.
Assinalámos, no debate de Abril do corrente ano, que a situação das crianças em risco, não sendo privativa das famílias pobres, aparece, em elevada percentagem, associada à pobreza das famílias, assim como assinalámos o contributo negativo da instabilidade de emprego e do desemprego.
E aí é que reside o nó da questão.
Uma verdadeira política de protecção dos menores tem de passar, sobretudo, pelo desenvolvimento, pelo bem-estar social global, por uma política de equidade social. Sem essa política, que entre nós é inexistente, as comissões de protecção de menores e as medidas, ditas medicalizantes, correm o risco sério de soçobrar, porque o menor regressa, invariavelmente, ao meio que continua a proporcionar-lhe as condições que o transformaram num ser marginal ou numa criança vítima de maus tratos.
E o ciclo vai repetir-se.
Vamos concretizar mais a debilidade que, à partida, afectam as comissões de protecção de menores e a própria jurisdição de menores.
A alínea i) do artigo 3.º da proposta de lei estabelece - e nós estamos de acordo - que se devem privilegiar as medidas que possam ser executadas no seio da família ou da comunidade do menor. Mas pergunta-se: dada a gravíssima carência de recursos habitacionais e dos meios materiais de muitas famílias, como é que pode, eficazmente, aplicar-se uma medida de acompanhamento educativo? E quais são as equipas que podem proceder a esse acompanhamento educativo?
Um psicólogo do Centro de Observação e Acção Social de Lisboa defendia na Revista de Infância e Juventude a dotação das estruturas existentes dos centros (e se defendia é porque não existia) dos meios necessários à aplicação de tal medida, porque a verdade é que a quase impossibilidade de aplicação do acompanhamento educativo, por falta de meios, por falta de condição das famílias, tem levado, de uma maneira geral (e as estatísticas demonstram-no), os magistrados a aplicar a medida de admoestação ou de internamento, que aparece nas estatísticas em segundo lugar.
Ora, a proposta em análise diz-nos, espantosamente, que a aplicação do diploma é compatível com a afectação de reduzidos meios humanos, materiais e financeiros. Assim não poderá, nem deverá ser, se se quiser encarar seriamente a área de protecção de menores. E mesmo necessário um