6 DE DEZEMBRO DE 1990 709
grande investimento; é necessária uma formação profissional permanente, cursos de reciclagem e outros tipos de ensino; são necessários serviços de orientação, mais lares de acção educativa; e são necessários, infelizmente, mais centros de acolhimento, porque não é raro que crianças sejam devolvidas ao meio familiar, continuando em situação de risco, à míngua de respostas da comunidade e das instituições.
De resto, a Resolução n.º 40/33 da Assembleia Geral das Nações Unidas, que contém as regras mínimas para a administração de justiça de menores, aponta a necessidade de um grande investimento nesta área, mas o Governo entende que esta é, pelo contrário, uma área de poupança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos de acordo, e votaremos favoravelmente, a proposta de autorização legislativa, porque estamos de acordo com a implantação de mais comissões de protecção de menores. E isso, penso, ficou patente logo no início da intervenção. Quisemos, no entanto, demonstrar que a proposta parece representar, por desarticulada com outras medidas, uma verdadeira fuga para a frente, parecendo mesmo conter uma grande ânsia de aparecer nas parangonas dos jornais. E pode ato o Sr. Ministro da Justiça fazer um novo desdobrável em papel couché, desta feita com o título «Criança e Justiça», mas a realidade dramática da falta dos meios adequados à protecção de menores sublinhará a artificialidade do panfleto.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.
A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Justiça: A Constituição garante aos menores o direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral. Aos menores, e em particular aos órfãos e abandonados, é dado um direito especial de protecção da sociedade e do Estado contra todas as formas de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo de autoridade quer da família quer das demais instituições.
Se aos pais compete a educação dos filhos e se estes não podem ser separados dos pais, a não ser por decisão judicial, não é menos verdade que os menores tem direito à protecção do Estado e da sociedade, com vista ao seu desenvolvimento integral, e que particularmente os órfãos e os abandonados têm direito a especial protecção contra o exercício abusivo de autoridade das instituições.
Esse controlo por parte do Estado deve, só e apenas, salvaguardar o espaço ou os espaços de que o menor carece para conquistar a cidadania. A situação da criança em Portugal é por vezes dramática. Há casos de menores maltratados física e psicologicamente, alguns no seio da própria família e outros pelas instituições que os albergam. A família é o meio natural de acolhimento da criança, mas muitas famílias não dispõem dos meios necessários a um desenvolvimento equilibrado da criança.
Quando a família falha, a sociedade e o Estado têm o dever de a substituir, sendo sempre o objectivo o bem-estar da criança, o seu desenvolvimento equilibrado e o seu crescimento feliz. Essa intervenção carece de reflexão e de adaptação ao menor. Essa deve obedecer a um trabalho interdisciplinar, articulado e flexível que promova a melhoria substancial de todo o sistema de protecção existente.
A actual protecção é feita por via administrativa e só a menores com menos de 12 anos em situação de desadaptação social. Torna-se necessário dotar o Ministério Público dos meios que possibilitem a resposta rápida aos problemas da criança. E imperativo que estas questões se enfrentem com qualidade e disponibilidade, se pretendemos, cada vez mais, uma sociedade justa e equilibrada. A assistência aos mais desamparados não pode ser um problema de caridade. Esta tem de ser um espaço de livre desenvolvimento do menor, velar pelos seus interesses, intervindo de forma serena, apaziguadora e Firme.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Justiça: No início da última sessão legislativa desta V Legislatura, a poucos meses do final do seu mandato, o Governo, embora tardiamente, propõe-se dar cumprimento ao seu Programa, aprovado em 28 de Agosto de 1987, com a apresentação da presente proposta de lei. É questionável que se trata de uma medida concertada e tendente à resolução concreta dos problemas da criança, como consequência da Convenção sobre os Direitos dos Menores a que aderimos, assinada em Nova Iorque em 26 de Janeiro de 1990.
Do conteúdo da referida proposta de lei, tão-só se criam novas instituições oficiais, não judiciárias, incumbidas de tomar medidas relativamente a menores que se encontrem em situação de perigo para a sua saúde, segurança, educação ou moralidade ou em risco de desadaptação social, em paralelo às actuais comissões de protecção, a que alude a alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro. A experiência destas últimas vem demonstrando que pouco ou nada contribuíram para a eficácia dos tribunais num problema tão delicado como é o dos menores.
Parece-nos que as medidas preconizadas se integram, tão-só no desenvolvimento dos mecanismos alternativos da chamada justiça social. Neste particular, o Governo adoptou uma prática contrária aos princípios contidos na Recomendação do Conselho da Europa R/86/12, para que a justiça seja expedita e eficaz de um modo geral. Trata-se de uma medida necessária, que peca por tardia, tendo em consideração que a sua apresentação se verifica na última etapa do mandato.
É evidente que a eficácia das medidas preconizadas na referida proposta de lei são mais dirigidas ao período que antecede às eleições do que à concretização das medidas de política judiciária, nomeadamente libertar os tribunais de actividades que devem, ou podem, ser resolvidas noutras instâncias para que a justiça seja mais expedita.
É questionável também se a pura e simples transferência de competências de tribunais para outras organizações oficiais é a medida mais adequada aos objectivos que visa, por um lado, a convenção à luz da qual emana esta proposta de lei e, por outro, a política judiciária aprovada pelo próprio Governo.
 nosso ver, o Governo deveria, antes de tudo, tornar amplamente conhecidos, por meios activos e adequados, os princípios e as disposições da Convenção de Nova Iorque, tanto pelos adultos como pelas crianças, mas ainda não fez, embora a tal se tenha comprometido no artigo 42.º da Convenção.
No que concerne à política judiciária, programada pelo Governo, não vemos como estas instituições poderão recuperar a eficácia dos tribunais por se nos afigurarem órgãos demasiadamente pesados e desinseridos das realidades locais. Melhor seria para a justiça se a comunidade onde se insere a criança ou o jovem, por via dos seus órgãos autárquicos, assumisse o papel das comissões de protecção existentes e das instituições que o