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6 DE FEVEREIRO DE 1991 1279

Não é, pois, de estranhar que os boatos mais contraditórios salpiquem o debate suscitado pela iminente privatização do Diário de Notícias. O Público incluiu El Pais na lista dos prováveis candidatos. Até a revista semi-pornográfica Interviu teria manifestado interesse pelo negócio.
Não estamos em condições de confirmar ou desmentir esses boatos. Mas seria mau ignorar que o apetite pelo Diário de Notícias é estimulado no estrangeiro pela facilidade com que as empresas eventualmente tentadas pelo negócio se acobertam sob os nomes tutelares de figuras gradas da vida política portuguesa.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: O Sr. Ministro Couto dos Santos, discorrendo sobre a crise da imprensa, descarregou recentemente sobre os jornalistas a responsabilidade pela mesma. Aludiu com desprezo àqueles que «escrevem aquilo que ninguém quer ler».
É um facto que em Portugal há bons jornalistas e maus jornalistas. Sempre assim foi. Acontece o mesmo em todos os países. Mas é um disparate maldoso responsabilizar os jornalistas pelo encerramento de tantos jornais em tão escasso tempo. Falta, aliás, autoridade ao Ministro para estabelecer a linha divisória entre o bom e o mau jornalismo. No tocante a estilo e a técnica jornalística, o Ministro é um ignorante!
«Será lógico -pergunta ele- que o Estado financie aquilo que o público rejeita?»
Não se exige isso ao Estado. É lógico, porém, pérguntar-Ihe: se o Diário de Notícias não dá prejuízo mas, sim, fartos lucros, pela qualidade e equilíbrio da orientação goza do respeito da opinião pública, porque o vende, então, o Governo?
Ao leiloar um grande jornal que ele próprio confessa estar de «boa saúde», o Executivo tira a máscara: prova estar ao serviço da lógica do capital, contrariando a lógica e o interesse do povo português.
O Governo foge a esclarecer a questão fundamental: não explica porque toma uma decisão que vai contribuir para a instrumentalização do último dos grandes diários portugueses que oferece alguma garantia de independência e equilíbrio na sua linha editorial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O final da campanha privatizadora dos jornais estatizados coincide com uma situação global alarmante no sector da comunicação social Tão grave que na definição do Sindicato dos Jornalistas «o que começa a estar em causa é a liberdade de imprensa, enquanto expressão de todos os grupos sociais e como instrumento vital de respiração da vida democrática».
É uma linguagem dura, mas adequada ao momento. A extinção do Conselho de Imprensa e a sua substituição pela Alta Autoridade para a Comunicação Social - órgão partidarizado e govemamentalizado- tornou ainda mais evidentes os fins que o Governo persegue.
No desenvolvimento de uma situação em que os problemas da imprensa são olhados pelo poder central como questões a resolver pelos mecanismos do mercado, os jornais emergem como presas disputadas por grupos económicos e políticos que procuram ficar com a maior fatia possível.
Nesse contexto, os jornalistas não contam como gente. Funcionam como meros objectos. Os candidatos ao bolo identificam neles simples factores de produção, também negociáveis. E como tal os avaliam, os chamam, os despedem, muitas vezes sem respeitar os seus direitos legais.
Não é surpreendente que em tal atmosfera, perante a omissão de um Governo obcecado pelo seu frenesim privatizador, o desemprego alastre entre os jornalistas como primeiras vítimas da luta que se trava na selva da comunicação social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Exige-se do jornalista o que se pede a pouquíssimos profissionais. Cabe indagar o que em troca lhe tem sido oferecido em Portugal. Pouco, quase nada, além de muitas promessas incumpridas.
É esta a situação para a qual o Grupo Parlamentar do PCP sente a necessidade de alertar, mais uma vez, esta Assembleia e a opinião pública, em vésperas de uma agressão maiúscula contra a imprensa-aquela que se concretizará com o leilão do Diário de Notícias.
O momento justifica que recorde aqui palavras sobre a condição do jornalista, escritas por Pablo Neruda pouco antes de a morte lhe calar o canto e o desafio: «Devemos exigir dele, jornalista -assim falou o grande poeta do Chile - que saia à rua para o combate, mas devemos também conceder-lhe o direito à luz e à sombra.»

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Silva Marques e Narana Coissoró.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues, é verdade que há jornalistas bons e jornalistas maus, como em tudo, mas também é verdade que muitos dos jornalistas são militantes políticos frustrados, que vão fingindo fazer jornalismo. Como sabe, isso tem tido consequências funestas, tem levado os jornais à falência. Só espero que quando esses jornalistas mudarem de emprego não levem os novos jornais à falência.
O que pretendo fazer são dois pedidos de esclarecimento, sobretudo face às afirmações de princípio que tão entusiasticamente acabou de proferir. É possível que alguém, no Diário de Notícias ou no Governo, esteja ao serviço do capital para tomar as medidas tão funestas, perniciosas e condenáveis que o Sr. Deputado acabou de referir, mas se é mau estar ao serviço do capital -e é -, não é menos mau estar ao serviço do militantismo, sobretudo quando ele se sobrepõe a tudo.
Não há-de achar ilegítimo da minha parte que lhe recorde, já que o Sr. Deputado nos veio lembrar tão puros e transparentes princípios, que um jornal do qual era director um determinado cidadão, por coincidência actualmente deputado..., viu o seu director suspenso das suas funções por decisão judicial precisamente por ter sido considerado que exorbitara os princípios legais e deontológicos a que estava obrigado. Ao serviço de quem estaria esse director, Sr. Deputado? Não estava ao serviço do capital, mas, de certo, estava ao serviço de alguém!...
Por outro lado, Sr. Deputado, tal como o capital é implacável e não se condoí dos direitos dos trabalhadores, outros entes, igualmente abstractos mas que ajem por forma bem concreta, mostram-se de igual modo implacáveis. O Sr. Deputado lembra-se do jornalista que foi expulso do seu jornal pela pura e simples razão de divergir ideologicamente da orientação do jornal onde trabalhava?
Não sei se o Sr. Deputado se lembra de tudo isto... Ou será que já esqueceu?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.