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7 DE MARÇO DE 1991 1605

Para uma intervenção, tem a palavra u Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Somos hoje chamados a debater, a ponderar, a reflectir e a dar o início de solução a um problema de importância transcendental na vida de um Estado de direito democrático.
Na base de quatro projectos de lei e de um outro que nos acaba de chegar agora, somos chamados a tomar posição sobre a complexa problemática do segredo de Estado. E a minha primeira atitude - e penso interpretar o sentimento geral desta Assembleia - é de vivo reconhecimento a todos os Srs. Deputados que, individualmente ou integrados nos seus grupos parlamentares, tomaram estas primeiras iniciativas. Que devemos assumir como contributos válidos, apesar de todas as deficiências, e que assumimos com o reconhecimento implícito do empenhamento e da boa vontade de todos os Srs. Deputados e de todos os autores de propostas de iniciativa.
Mas esta nossa atitude é também, e ao mesmo tempo, a exigência de uma determinada impostação, daquela posição de abertura que é fecunda na geração dos consensos necessários a uma matéria como esta. De resto, tal atitude é reclamada por três circunstâncias fundamentais: em primeiro lugar, pela própria natureza da maioria em discussão. Trata-se, consabidamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de uma matéria acentuadamente parkinsoniana, que nos foge da mão e que se revela extremamente rebelde aos conceitos mais exigentes e aparentemente mais depurados.
Qualquer postura de impertinência ou de soberba injustificada relevaria daquele pecado que os Gregos, sobre o apodo de ybris, criticavam como o mais censurável dos pecados dos homens.
A humildade é tanto mais necessária quanto em segundo lugar mais de perto se analisam os textos em exame. Todos eles terão saído das mãos dos seus autores com o desvelo e o narcisismo da obra perfeita: como se se tratasse da deusa que acaba de sair das coxas de Zeus. Numa contemplação mais atenta, todos esses projectos se revelam cheios de contradições, de incongruências, de limitações e de vícios técnico-legislativos, alguns verdadeiramente inesperados.
Uma atitude de abertura e de consenso é, além disso, reclamada pela eminente dignidade dos bens jurídicos em confronto: de um lado, os interesses fundamentais da liberdade, da transparência e da vitória, que se crê definitiva, sobre a arcana praxis. Portanto, os valores da democratização do saber, que são, simultaneamente, a democratização do próprio poder; do outro lado, porém, e importa enfatizá-lo sem complexos, os valores encabeçados pelo Estado a título de segredo de Estado - valores cuja dignidade eminente não seria legítimo pôr em causa, tanto menos quanto é certo que se trata de valores encabeçados por um Estado de direito democrático.
Não vale a pena, seria uma vitória pirríca, acentuar e defender as excelências de certas pedras de toque do Estado de direito democrático e não curar suficientemente dos seus alicerces.
Ora, o segredo de Estado pode, se bem entendido, contribuir decisivamente para a preservação do próprio Estado de direito, sem o qual não há liberdade de informação, não há transparência, não há democratização do poder pela via da generalização e da democratização do saber.
Os projectos de lei são, além do mais, bem vindos, porquanto se trata de suprir uma lacuna indesejável na ordem jurídica portuguesa. Na verdade, à parte afloramentos esparsos e fragmentários constantes, entre outros, do artigo 159.º da Constituição, do artigo 343.º do Código Penal e do artigo 137.º do Código de Processo Penal, o nosso direito é relativamente lacunoso e omisso.
É neste espírito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nos propomos, num primeiro passo, analisar os diferentes projectos em confronto. Para, em primeiro lugar, assinalar este dado que pode passar despercebido ao observador mais desatento: os projectos em causa têm mais em comum do que aquilo que, à primeira vista, possa parecer. E não será por acaso. E que todos eles não terão andado longe no que toca às suas fontes. Todos terão mais ou menos tido o Freedom of Information Act de 1966 dos Estados Unidos da América, a lei de 1968, revista em 1970, de Espanha, a lei de Outubro de 1977, as recomendações do Conselho da Europa, as leis francesas, etc.
Para além disso, todos os projectos têm em comum, para além de preceitos grandemente sobreponíveis e como também já tive oportunidade de dizer, o enfermarem de vários e insanáveis vícios.
Começo por uma apreciação sumária do projecto de lei do PS. Depois de um artigo 1.º que reproduz o homólogo preceito da lei espanhola, o projecto de lei do PS apresenta no artigo 2.º aquilo que devia ser a definição do segredo de Estado e a fonte de todas as clarificações, mas que resulta, para frustração do leitor e para frustração nossa, na fonte de todas as confusões e na fonte de todos ou de quase todos os absurdos.
Na verdade, tomado à letra, o artigo 2.º do projecto de lei do PS deixa claramente entender que ele não intuiu sequer o conceito de segredo. É que, antes de classificarmos algo como segredo de Estado, devemos saber primeiro o que se entende por segredo. O que é extremamente simples: segredo é um conjunto de conhecimentos acessíveis a determinadas pessoas, mus do qual devem estar excluídas outras. Não há conhecimentos em absoluto proibidos.
Ora, o PS parte deste princípio, do nosso ponto de vista incompreensível, de que segredo de Estado são aqueles conhecimentos que podem causar dano. Não há conhecimentos que, em absoluto, possam causar dano. O que define o segredo de Estado, como qualquer segredo, é o direito de exclusão.
Mais do que uma lei de segredo de Estado, o projecto de lei do PS é uma espécie de lei do pecado original contado para adultos.

O Sr Jorge Lacão (PS): - Essa tem graça!...

O Orador: - Contado para as crianças, o pecado original consistiria em ter-se comido uma maçã que não se devia. Para os adultos terá consistido em ter-se conhecimentos do que não se devia.
Para o PS há conhecimentos vedados aos homens. São segredo de Estado, diz o PS, aqueles conhecimentos cujo conhecimento cause danos ao Estado. Manifestamente, e para fazer, mais uma vez, homenagem à linguagem e às metáforas de conjuntura, é verdadeiramente a fonte de todas as confusões!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Já o vi fazer melhor!