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9 DE MARÇO DE 1991 1693

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, um dos estereótipos que há ainda na nossa sociedade traduz-se nesta divisão das esferas do formal e do informal entre homens e mulheres. Realmente, parece que hoje a linguagem da esfera informal entrou lambem na Assembleia da República. Talvez não seja mau de todo; talvez seja até bom...

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, até pelo seu gesto de assumir hoje, nesta sessão, no Dia Internacional da Mulher, a presidência da Assembleia da República, concordará em que estas diferenças existem. Por essa mesma razão, saúdo V. Ex.ª, já que, de entre os quatro deputados que compõem a nossa bancada, tivemos a pouca sorte de não ter eleito uma mulher. E que, se assim não fosse, todos os restantes três deputados estariam hoje ausentes para dar lugar a uma deputada e à sua intervenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Julieta Sampaio.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr/Presidente. Sr.as e Srs. Deputados: Na introdução ao «Discurso sobre a desigualdade», Rousseau distinguia dois aspectos: a desigualdade física estabelecida pela natureza e a desigualdade moral e política. A primeira é impossível de eliminar. A segunda deve desaparecer, porque é manifestamente injusta e estabelecida pela sociedade. Podemos afirmar hoje que a passagem do privilégio ao direito assenta no reconhecimento da igualdade dos cidadãos e na defesa dos direitos humanos. As discriminações e as desigualdades têm de ser combalidas como o reconhecimento de um direito à igualdade dos cidadãos e nunca como um privilégio. A sociedade tem de propor a ruptura com as desigualdades e a supressão de privilégios, condições essenciais à construção dos modernos regimes democráticos.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão introduziu um novo pressuposto ideológico da liberdade/igualdade, sendo esta condição necessária ao exercício da primeira. No entanto, a condição feminina não foi incorporada como objecto da declaração da igualdade. Com efeito, muito tempo passará durante o qual o princípio da igualdade será compatível com as grandes desigualdades estruturais, de ordem institucional, com forte intensidade social. Muito tempo terá de decorrer até que se possa afirmar que a liberdade é o princípio legítimo do Estado democrático, e que a igualdade traduz um princípio que legitima o Estado social.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Depois de uma boa trintona de anos, pode considerar-se que, sob o ponto de vista formal, a igualdade dos sexos foi largamente reconhecida no domínio jurídico, como princípio fundamental dos direitos do homem e como garantia do direito interno.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Numa primeira fase a lógica da igualdade jurídico formal entre as mulheres e os homens comanda a técnica do princípio da igualdade perante a lei e alinha a mulher nos direitos reconhecidos ao homem. No entanto, a manutenção das estruturas formais geradoras de desigualdades são a consequência de ineficácia do princípio da igualdade e conduzem a ineficácia jurídica e à consequente discriminação.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - A noção de discriminação significaria que a exclusão em função do sexo está destinada a ser abolida. É preocupante que o esquema de tratamento não discriminatório se revele insuficiente em si, porque o seu carácter operacional será condicionado às circunstâncias da situação de facto. A igualdade não pode ser assegurada se não se tiver em consideração as desigualdades materiais existentes, as quais fazem pesar no efectivo cumprimento dos direitos teoricamente garantidos por lei.
A flexibilização dada ao princípio formal de igualdade conduziu à aplicação da igualdade de oportunidades, substituição da igualdade formal por um conceito de tendência para a igualdade. A lógica da igualdade de oportunidades conduz a uma igualdade condicionada, que não garante igualdade de resultados.
Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A limitação da liberdade da mulher e a transgressão do seu direito a um tratamento igual é, por vezes, atentatório da dignidade humana. A violência sexual, no trabalho ou na família, são hoje, cada vez mais, exemplos a salientar.
O carácter sectorial, fragmentado, do tratamento de algumas temáticas e a dispersão dos organismos que qualificam os eventuais atropelos ao direito das obrigações e do direito civil impõem meios que apenas permitem relatórios provisórios, úteis tecnicamente, mas insuficientes para os objectivos em causa.
Com efeito, um tratamento autónomo e separado da exigência do cumprimento da legislação que devolve à mulher o tratamento de cidadã de pleno direito é hoje reconhecido mundialmente.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

A Oradora: - O reconhecimento de direitos específicos para o aprofundamento da igualdade exige uma acção diferenciada no cumprimento das normas jurídicas que combatem à discriminação.
A temática do combate às desigualdades esbarra, constantemente, com barreiras quase intransponíveis. A legislação que não é cumprida, os organismos que deviam decidir só têm funções consultivas e ainda, em muitos casos, a sociedade que não está sensibilizada para a exigência de medidas de excepção.
No quadro das organizações internacionais que têm a seu cargo a igualdade foi feito um enorme esforço para que a igualdade política e social seja alcançada.
Portugal não fugiu a esse esforço. Em matéria legislativa, a igualdade de direitos avançou, mas a discriminação é também ainda uma realidade. Falta a coragem política de dotar as instituições governamentais existentes de poder de decisão política.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!