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9 DE MARÇO DE 1991 1695

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O mundo novo que queremos só é possível com a participação crescente, empenhada e criativa das mulheres.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Neste dia 8 de Março, o Grupo Parlamentar do PCP saúda as associações de mulheres pela acção desenvolvida no cumprimento destes objectivos. Saúda todas as mulheres que, no dia a dia, constróem, conquistam o seu e o nosso futuro. O futuro também se constrói com um sorriso de mulher...
Orgulhamo-nos da nossa luta ao longo dos anos. Gostamos de ser mulheres e não abdicamos de o ser todos os dias.

Aplausos geras.

A Sr.ª Presidente: - Apesar de o dia da mulher, que hoje celebramos, e apesar da informalidade muito especial com que esta reunião começou, mesmo assim, tenho que pedir aos senhores e às senhoras que estão nas galerias o favor de ouvir sem aplaudir porque aqui, as manifestações, o barulho e a palavra são monopólio dos deputados.
Para uma intervenção política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Antes de me dirigir a VV. Ex.as queria esclarecer que não se trata, exactamente, de uma declaração política, a não ser que o político pressuponha o cultural, o que acontece na minha óptica e espero que, também, na óptica de todos os presentes.

A Sr.ª Presidente: - Muito bem, Sr. Deputada. Então, para uma intervenção político-cultural, tem a palavra.

A Oradora: - Sr.ª Presidente, Srs.as Deputadas, Srs. Deputados: Terminada que é a guerra, que durante mês e meio enegreceu as nossas preocupações, nada de mais apropriado me parece, à celebração deste dia consagrado à mulher, do que dar relevo na minha imtervenção a modelos simbólicos históricos e culturais que relacionam o feminino com a paz.
Logo na sua configuração alegórica ó a paz representada numa figura de mulher de fisionomia doce e benévola que numa das mãos traz um ramo de oliveira. É este ramo que Arístófanes, expoente grego da arte de castigar perniciosos costumes com o riso, põe, na sua comediografia marcadamente punitiva das molas económicas e armamentistas das guerras, a florir no levante pacifista comandado por Lisístrata. Reunindo as mulheres da Ática e das principais cidades gregas, a heroína da peça homónima de Aristófanes fá-las jurar que abandonarão os maridos até que seja feita a paz entre lacedemónios e atenienses.
Tal foi o efeito dessa greve que, contando com a cumplicidade de Afrodite, tornou moucas as orelhas da Deusa ao desespero dos homens. Forçados estes a ceder, é estabelecida a paz, voltando as mulheres para os seus maridos.
Ao fazer da mulher protagonista do princípio da paz, perpetuava Aristófanes uma tradição legada pelos pelasgos, primitivos habitantes da Grécia, observantes de uma ordem ginecocrálica abatida pela revolução patriarcal, remanescente porém no culto das deusas que resiste à androcracia reflectida na reforma olímpica. Segundo essa formosa tradição - e formosa para os homens -, tradição pelásgica, estavam os homens de partida para a guerra quando, correndo as mulheres para a praia, levantaram as túnicas, impondo-lhes o poder da Mater em sua configuração púbica: Mater cósmica - esclareça-se - divina e terena. E ante a visão da fonte sagrada da vida, os homens flectiram os joelhos e abandonaram as armas.

Aplausos gerais.

Sou eu que dou palmas aos homens, neste caso.
Presumo que à mente de alguns dos Srs. Deputados, contra estas razões, acudirá o mito das amazonas. A estes recomendo as conclusões de Robert Graves e de Philipe Camby, entre outros, segundo as quais tudo aponta para que a lenda das amazonas seja uma epopeia da resistência das mulheres à implantação do patriarcado que as queria submeter. Subversão que teria ocorrido num vastíssimo espaço mundial desde o Cáucaso até à terra a que demos o nome de Brasil, em que, sob o império de religião da mãe, se desenvolveram regimes ginecocráticos.
Mas afastando-me dos modelos míticos que abordei, abonada pela actual remitologização dos saberes particularmente encarecida pelo novo espírito científico e voltando-me para os modelos históricos, não sobra dúvida de que a estes se ajusta o carácter defensivo do amazonismo arquetipificado na donzela de Orlcans armada pelo seu fervor patriótico. E não é o nosso país uma mátria de mulheres que guerrearam sim, mas na defesa de causas nacionais? Dculadeu Martins em Moção, Brites de Almeida em Aljubarrota ou, como no levante da Maria da Fonte, na salvaguarda de tradições e contra prepotências como aquelas em que progredia a ditadura de Costa Cabral.
É claro que mulheres ofensivamente belicosas sempre houve e sempre haverá por imperativo excêntrico à sua natureza que lhes confere uma visão unitária hostil ao divisionismo das beligerâncias. Uma índole que se casa com a essência unitiva da mundividência poética, sendo, por isso, hoje um dado adquirido que o lirismo foi uma criação feminina - não sou eu que o digo. Jeanroy, Frings, e tantos outros, assim como a descoberta das corjas- arcaicas canções femininas em romanço usadas como remates de composições de poetas árabes e hebreus no andaluz - mais não fazem do que atestar que é a canção de mulher, de que os nossos cancioneiros medievais são o mais rico registo em todo o mundo -note-se, com orgulho o sublinho -, que sai do fundo da arca. Dessa arca materna de que saiu a paz, como o disse quando abordei os modelos míticos.
E aqui louvo os primeiros poetas que se exprimiram na nossa língua de então, o galego-português, pois renderam--se eles à primordialidade da lírica feminina, homenageando-a nas «cantigas de amigo» em que davam a voz à mulher. E deram-na, como Gomes Charinho que além de poeta era almirante em louvor do rei que pusera termo à guerra, para a qual, ele, o amigo partira na armada. Ora, o rei, esse extraordinário Afonso, o Sábio, que tanto ilustrou os alvores do nosso lirismo, em conformidade com esse estrato feminino da arte poética, legou-nos este desabafo da sua repulsa pela guerra:

... Não mais trazer barba e manto garanto.
Tampouco me enredarão
as armas que só quebranto
e pranto são o fruto que elas dão...