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1700 I SÉRIE - NÚMERO 52

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do já referido projecto de resolução n.º 79/V.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo e Valente Fernanades.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão do projecto de lei n.º 362/V, da autoria do PCP, que garante protecção adequada às mulheres vítimas de violência.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Antes de passar propriamente ao tema da minha intervenção, julgo oportuno, numa altura em que, nesta Casa, se começaram a puxar os galões acerca das iniciativas legislativas apresentadas sobre as mulheres, referir aqui, prestando assim a minha homenagem às mulheres portuguesas, que a legislação que temos hoje é fruto da Revolução do 25 de Abril, da luta das mulheres portuguesas por Abril, e essa é a primeira linha da luta pelos direitos das mulheres portuguesas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - As iniciativas legislativas que apresentámos aqui são fruto dessa luta. Demos, com elas, a voz aos problemas e às questões das mulheres e é justo que a Assembleia o reafirme hoje, no dia 8 de Março.

Aplausos do PCP.

Há precisamente dois anos, no dia 8 de Março de 1989, deputadas e deputados comunistas apresentaram na Mesa da Assembleia da República a iniciativa legislativa que debatemos agora, sobre a protecção de mulheres vítimas de violência.
Escoaram-se entretanto dois anos, durante os quais continuaram por cumprir as variadas resoluções de diversas instâncias internacionais, que recomendaram a adopção de medidas que contribuíssem para debelar esse triste sinal da desigualdade constituído pela violência que, quotidianamente e das mais variadas formas, se abate sobre as mulheres.
A Conferência do México, em 1975, a Conferência de Nairobi, em 1985, o Encontro de Peritos das Nações Unidas, realizado em 1986, em Viena de Áustria, enfrentaram a questão da violência, rompendo o silêncio cúmplice que relega para o mundo da vergonha - a esconder a todo o custo - a vitimização das mulheres nascidas de seculares discriminações.
De facto, a violência sobre mulheres e crianças, assumida como uma característica natural desse negócio, entendido como privado, que seria a vida em família, foi, ao longo dos tempos, um tema tabu, cujo silenciamento chegou mesmo ao adágio popular tão conhecido: «Entre marido e mulher, não metas a colher».
Não admira, portanto, que, ainda hoje, a questão em debate seja um tema incómodo para homens e mulheres.
Tendo absorvido a máxima de que a mulher «deve sofrer a seu marido, ofensas e tudo», como disse Rodrigues Lobo, as mentalidades formaram-se na aceitação de que era um facto natural bater e maltratar as mulheres. Até mesmo nestas se encontra ainda a convicção de que ser maltratada é tão natural como natural é ter-se nascido mulher.
Trata-se, com efeito, de um problema de formação de mentalidade. Mas não só. E talvez não principalmente.
De facto, as razões profundas que conduziram a que, no limiar do século XVI, surja com insistência a preocupação mundial com a violência que se abate sobre o sexo feminino, encontramo-las numa estrutura de organização familiar precedendo a formação do Estado, baseada numa estrutura hierárquica em que ao chefe -o homem - todos os abusos eram permitidos.
Uma organização familiar ditada por interesses puramente económicos que instituiu a desigualdade na família e que transpôs para o próprio Estado, então nascido, o modelo dessa organização, baseada no direito ao abuso do poder e no dever de obediência por parte dos oprimidos, entre os quais se situam também, como é óbvio, muitos homens.
Essas causas profundas da desigualdade levam-nos a concluir que o tema hoje em debate não se reduz a uma questão privada de relações entre os sexos.
É, pelo contrário, uma importante questão política, como questão política é o problema geral da promoção da igualdade, sem a qual a democracia ficará inacabada.
De facto, a vitimização das mulheres não pode desligar-se do quadro mais geral do estatuto social da mulher.
A precarização do trabalho, o desemprego, a desigualdade no acesso a saídas profissionais valorízadoras do trabalho, o trabalho empobrecido a que se recorre apenas como um suplemento do orçamento familiar, constituirão um quadro propício à criação de dependências por parte da mulher e a aceitação da violência como naturalmente decorrente da panóplia de desigualdades.
De facto, nem mesmo em casa se pode dizer que para a mulher é a casa do varunca onde é sempre ela que se impõe e ele nunca.
Mas antes de entrar numa breve análise do projecto, gostaria de deixar bem claro, na hipótese de o não ter sido até agora, que não perfilhamos a tese dos que proclamam que os homens agridem as mulheres porque as temem. Não se trata, de facto, de uma luta pelo poder entre homens e mulheres. O que há, isso sim, é uma luta de mulheres e homens contra concepções passadistas, fundamentos de uma organização que oprimia homens e mulheres dos estratos oprimidos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num dos episódios, transmitido na passada terça-feira - aliás, admirável e bem a propósito -, da série televisiva Equal Justice, pudemos ver tratados, em termos de fácil apreensão pelo público, os principais problemas que se colocam à máquina de administração da justiça (que hoje aqui tratamos), sempre que se defronta com os problemas de mulheres maltratadas.
Pudemos ver, nesse episódio: a mulher que tem medo e vergonha de apresentar queixa; a mulher que desconhece o que tem de fazer para conseguir o equilíbrio perdido há muito; a mulher que recua, mesmo no decurso do processo judicial; a mulher que corre perigo se se mantém o contacto com o maltratante.
Os problemas que se colocam nesta área dos crimes contra as mulheres reconduzem-se, assim, ao equacio-