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26 DE ABRIL DE 1991 2319

Soares quero também saudar o homem que viveu Abril e sofreu a ditadura. No Presidente da República saúdo todo o povo português que ateou a «chama que nenhum vento apaga». No Chefe Supremo das Forças Armadas cumprimento os capitães de Abril, cuja acção foi decisiva para que Portugal despertasse do sono letárgico de tantos anos.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente Jorge Lemos.

A Oradora: - Para todos os que trouxeram «Abril a voar dentro do peito», a nossa gratidão. Deles rezará a história, não dos ingratos e indiferentes.
A Assembleia da República - sede da representação nacional, onde se debatem ideias e produzem as leis - é o lugar certo para festejar Abril. Aqui, comungando os ideais de paz, liberdade e progresso, os órgãos de soberania, emergentes do regime democrático, testemunham a grande coesão nacional em torno deste legado fecundo que pode e deve ser aprofundado e desenvolvido. Viver em comum este momento 6 partilhar a alegria daquela madrugada, é viver a utopia feliz e encontrar a distância que não compromete a festa.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Comemorar é um modo de manter vivo um acontecimento. Mas o 25 de Abril não pode ser «pura festa». Celebrar Abril não pode transformar-se num acto de rotina, mera contemplação estática das glórias do passado. A alegria da festa não pode impedir a reflexão nem toldar a lucidez. Acto fundador do regime democrático, o 25 de Abril é o símbolo da libertação de vários povos, de muitas pátrias e culturas. A revolução de Abril, à semelhança da revolução liberal, que tornou o Brasil independente, devolveu a liberdade aos Portugueses, mas abriu também caminho para a liberdade de outros povos, hoje nações soberanas, em busca da paz e da democracia.
Com os países africanos de língua oficial portuguesa e com o Brasil constituímos uma comunidade linguística de mais de 170 milhões de falantes. A língua é um dos grandes valores do património histórico das nações. Obra dos povos que a falam, dos escritores que a recriam, da história que a enriquece no contacto com os outros, a língua é, sem dúvida, o grande cimento de coesão entre os povos. Com essas nações irmãs lemos o dever de aprofundar os laços histórico-culturais e afectivos que nos unem e encontrar novas formas de cooperação e relacionamento a todos os níveis, pela via do diálogo e no respeito mútuo.
País pequeno geograficamente, mas grande pela língua e cultura, Portugal tomou-se, por vontade do povo, pátria da cultura e, em Abril, reencontrou a sua tradição humanista e vocação universal. Abril foi o ponto de chegada da nossa saga de dor e lula, aportando em liberdade. Por isso, o que Abril representa não pode ser reduzido a um acto de memória, a um ritual evocativo, ainda que solene. Tem de ser memória do passado e afirmação do futuro.
O que nesse dia aconteceu foi o início de um novo ciclo da vida nacional. Mudou a cultura política e o tempo histórico. Seguiram-se-lhe dias que abalaram o nosso mundo e deixaram marcas indeléveis em todos nós. O 25 de Abril é património do nosso imaginário colectivo. Foi ruptura com o passado e reencontro com o melhor da nossa história. As coordenadas temporais do mundo ocidental remetem para um minúsculo e decisivo ponto, o necessário hiato entre um antes e um depois. Passado e futuro de que o presente é a inevitável transição.
Para nós, Portugueses, o 25 de Abril é, hoje, a grande referência. A revolução dos cravos é a linha que separa a pré-história política e cultural da história portuguesa. Antes, era a guerra colonial, o isolamento cultural, o «orgulhosamente sós». Depois, o povo, sujeito do seu destino, escancarou as portas ao mundo, ao futuro, à modernidade, à poesia.
No dia 25 de Abril de 1974, a poesia veio para a rua. Natália Correia viu sair «o sol perfeitamente Abril». António Ramos Rosa quis «a espécie viva sobre as membranas da terra». José Manuel Mendes distribuiu «orvalhadas rosas/bagos de coral». «A nossa revolução ainda não acabou/nem tão cedo acaba», adverte José Gomes Ferreira. E porque «o poema é liberdade», afirma Sophia de Mello Breyner, de que Manuel Alegre foi o arauto, dizemos nós, é ocasião para lembrar aqueles a quem Abril ainda não chegou. Intramuros e além-fronteiras, é necessário levar Abril aos excluídos da democracia.
À generalidade dos direitos consagrados, acresce actualmente a exigência dos direitos particulares: de raças, de minorias, de pequenos grupos, de regiões ou localidades. Aprofundar a democracia é defender a mais minoria das minorias. É olhar diferente, com respeito, os que são diferentes. Aprofundar a democracia é também «minimizar o sofrimento evitável», nas palavras de Popper. O sofrimento dos Timorenses a quem tarda o reconhecimento do direito à autodeterminação. Sofrimento de tantos outros que acontecimentos recentes nos tom revelado.
Ninguém verdadeiramente amante da liberdade pode estar em festa, insensível a tantos dramas. Os sobressaltos, as legítimas aspirações à paz, à democracia, à liberdade, que de todo o lado irrompem, prenunciam a abertura de um novo ciclo da história do homem. Todas as grandes reivindicações do passado: do direito ao voto ao voto universal, o estabelecimento da democracia política, a consagração do direito da igualdade de oportunidades e do direito à diferença, à saúde, ao ensino, à habitação, a recusa da guerra e o desejo de paz são, hoje, exigências da humanidade. No entanto, os alquimistas da modernidade não descobriram ainda o elixir da paz e da liberdade eternas. Não há pedra filosofal que valha aos Timorenses e a muitos outros excluídos da democracia.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No plano interno, temos de encontrar a melhor forma de aperfeiçoar o projecto democrático, de aprofundar a democracia na organização social e nas mentalidades. Nem tudo está bem no Portugal de Abril. Temos de descobrir as melhores vias para acabar com a pobreza, com o analfabetismo literal e regressivo, com as desigualdades económicas, sociais e culturais, com a discriminação da mulher, e não podemos tolerar que haja crianças maltratadas, velhos sem abrigo e jovens sem emprego, para que não seja eufemismo dizermo-nos homens livres, cultos e prósperos, de mesa farta em casa boa.
Portugal mudou, é um facto. Mas precisa de mudar muito mais. A democracia tornou-se uma segunda natureza, um modo de vida, um ambiente, uma cultura. Já não é somente uma escolha, o menos mau dos regimes políticos. Tem no homo democráticus o seu principal defensor. Ao comemorarmos os 17 anos do 25 Abril, é a oportunidade de, na presença dos pais, invocar os filhos de Abril. As crianças de Portugal. «Mas as crianças,