2 DE MAIO DE 1991 2349
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A propósito da introdução na legislação portuguesa de uma directiva comunitária, foram feitas aqui, como era absolutamente previsível, algumas considerações sobre o ensino do Direito em Portugal, sobre o modo como são defendidos os interesses profissionais dos advogados, o que tem a ver com a problemática do estágio, e, também, sobre a necessidade de haver ou não uma proposta de lei substantiva nesta matéria em vez de recurso à autorização legislativa.
Não posso acompanhar, salvo o devido respeito, as afirmações que considero ligeiras feitas pelo distinto colega, jurista e deputado, Dr. Carlos Candal, sobre o ensino do Direito em Portugal pelas Universidades privadas.
Entendo que deve haver e tem havido, por parte das autoridades académicas e governamentais, a necessária cautela em inspeccionar e vigiar o ensino do Direito nas universidades privadas e que, da parte destas, quando ensinam e ministram cursos de Direito, tem de haver, e efectivamente tem havido, a necessária cautela no sentido de que os estudantes não sejam lançados no mercado de trabalho sem as habilitações julgadas necessárias.
Quanto à qualidade do ensino e às matérias ministradas verifica-se, infelizmente, que muitos dos professores das universidades públicas descuram do ensino nas suas próprias faculdades para o ministrarem nas faculdades privadas. Isto é: são, na maior parle, os mesmos mestres que ensinam nas faculdades públicas que vão também ensinar nas universidades privadas e não consta que ensinem melhor na universidade pública para ensinar pior na universidade privada, e vice-versa.
Por isso mesmo, embora eu seja também acompanhante das preocupações do Sr. Deputado Carlos Candal sobre a necessidade de manter o alto grau de exigência quanto à qualidade e principalmente quanto à necessidade de verificar como são conseguidos os diplomas e como é averiguado o aproveitamento nas universidades privadas, não podemos ridicularizá-las, como fez o meu distinto colega, dizendo que, no seu escritório e com os colegas que tem, também podia montar uma faculdade de direito privada.
Acho que, assim, não servimos a juventude nem servimos centenas de milhares de estudantes que normalmente estudam com sacrifícios das suas famílias e não merecem esse «atestado» até porque estamos num processo acelerado de desenvolvimento universitário do País e, naturalmente, as famílias que suportam esses imensos encargos não gostarão de ouvir a qualificação que aqui foi dada sobre o ensino dado aos seus filhos.
O segundo problema é o do estágio, que, embora, creio, não esteja envolvido no lema, a todos nós deixa preocupados quanto ao modo como algumas autoridades académicas, naturalmente para manter o populismo, acompanham os estudantes sem se preocupar como prestigiar o exercício da advocacia em Portugal e, também, como verificar se as directrizes ou as condições postas pela Ordem para o exercício da advocacia são ou não aceitáveis na presente conjuntura.
Ora, nós entendemos que sim, que a Ordem está no bom caminho e que não pode demagogicamente ceder a tudo e todos. É que nós sabemos que o exercício da advocacia não pode ser barateado, desculpem a expressão, de modo que todos possam fazer a chamada «advocacia do sótão», isto é, advogados que trabalham durante o dia como empregados por conta de outrem em diversas empresas e sectores e depois, à noite, têm o sótão de casa para fazer os trabalhos de pequena advocacia, cobrando, muitas vezes, honorários que desprestigiam a própria profissão, fazendo peças forenses à mão porque não têm, sequer, um empregado para lhos passar à máquina e dando, nas audiências preparatórias, nas alegações e nas outras intervenções judiciais, um triste espectáculo.
A este respeito, alguém os chamara de «advogados da noite» porque ninguém os via de dia quer nos tribunais quer nos outros sítios frequentados por advogados. Ora, presentemente, são os «advogados de sótão» porque nem sequer têm um escritório para trabalhar de noite.
Dir-se-á que estas são as leis do mercado e nós não podemos violentá-lo. Se há um «advogado de sótão» que trabalha bem e outro que tem um escritório por que paga 400 ou SOO contos de renda, tem sete ou oito lindas raparigas para receber os clientes e serve uns whiskies e outras bebidas enquanto eles esperam e trabalha mal, é o primeiro que vence e o outro perde... São as leis do mercado, naturalmente. Mas as leis do mercado não podem, também, ser degeneradas de modo a desprestigiar a própria profissão.
Apesar disso, ninguém pode fazer nada contra este estado de coisas, pois não se pode proibir que se trabalhe no sótão, não se pode proibir que se cobrem honorários desprestigiantes, não se pode proibir que um advogado mostre, no pretório, a sua profunda ignorada como, há poucos dias, eu próprio verifiquei quando um advogado, após ter recebido a especificação e questionário, logo que leu «Está provado que [...]?», meteu imediatamente um requerimento ao juiz a dizer: «Estão provados os n.ºs 1, 2, 3, 4, 5, etc., assinando, «o advogado fulano tal», julgando que se tratava de uma pergunta que o juiz lhe fazia para ele responder expeditamente.
Naturalmente que isto não pode ser aceite e os juizes queixam-se. Mas nós também nos queixamos, muitas vezes, da impreparação aliada à arrogância de alguns juizes porque encontramos magistrados que dizem cada coisa!..., cada coisa!... que não vale a pena repetir.
No fundo, o que está em causa é o exercício e o prestígio da própria profissão. E a Ordem tem de gerir e imprimir à advocacia, como sucede com a magistratura, uma deontologia e um exercício exemplar de profissão. Também a advocacia tem de autogerir os seus próprios interesses profissionais. Nisso estamos todos de acordo!
Com efeito, todos os advogados têm de prestigiar a Ordem, assim como esta terá de prestigiar os seus membros, de modo que eles mereçam a autogestão da sua profissão de advogados.
Ao contrário do que referiu o meu querido amigo e deputado José Manuel Mendes, o Governo não deve intervir, invocando o «direito do império», na gestão da Ordem dos Advogados.
Quanto maior liberdade a Ordem tiver para gerir os nossos próprios interesses, melhor. Deve é fazê-lo na totalidade! Por isso, o mais aconselhável é deixar o Governo fora desta questão, uma vez que, de contrário, começará com o «império», com condições, com «pezinhos de lã», e qualquer dia, com o vezo que este Governo leva, teremos a Ordem dos Advogados governamentalizada. Aliás, seria este o melhor presente que poderíamos dar ao «cavaquismo», ou seja, a governamentalização das ordens das profissões liberais.