10 DE MAIO DE 1991 2457
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação (Durão Barroso): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me, em primeiro lugar, que felicite o partido interpelante pela iniciativa que tomou de trazer a esta Assembleia o tema da cooperação.
Vozes do PS: -Claro!
Vozes do PSD: - É devido!
O Orador:-Pergunto-me, aliás, por que razão só agora esta Assembleia resolveu tratar a nível de Plenário um assunto de tão relevante interesse nacional.
Aplausos do PSD.
Desde o primeiro momento que o Governo considerou a política de cooperação como um vector essencial da política externa portuguesa O Programa do Governo apresentado em 1987, a esta Assembleia, é muito claro quando refere a este propósito que se trata de suma política de interesse nacional a longo prazo».
Hoje, passados que são quase quatro anos, é possível dizer que os resultados obtidos são indubitavelmente positivos. E isto essencialmente porque toda a actividade desenvolvida pelas estruturas competentes tem assentado em bases sólidas e em princípios claros e sem ambiguidades, ou seja, porque existe de facto uma política.
Como todos estão certamente recordados, as relações entre Portugal e as ex-colónias caracterizaram-se, inicialmente, por uma enorme instabilidade, que só a pouco e pouco pôde ser ultrapassada com o desenvolvimento e sedimentação da indispensável confiança entre todos os países envolvidos e ultrapassados que foram, na medida do possível, os traumas que a colonização e, sobretudo, a descolonização criaram.
Manda a verdade que se reconheça que o salto qualitativo nesta matéria só veio porém a ser dado com os governos do Prof. Cavaco Silva, isso pareceu-me, aliás, ter ficado reconhecido na intervenção inicial do Sr. Deputado interpelante. Com efeito, o êxito ou inêxito de uma qualquer política de cooperação depende essencialmente da base em que assenta, ou seja, da definição clara, a nível político, das relações entre os Estados envolvidos.
Nessa medida, o correcto desenvolvimento da política de cooperação dependia, prima facie, da criação de relações políticas de alto nível e sem ambiguidades com os países africanos de língua oficial portuguesa assumindo conscientemente essa prioridade.
Ao colocar as nossas relações com esses países no plano Estado a Estado e Governo a Governo, conseguimos aprofundar um relacionamento descomplexado e qualitativamente novo, recusando alinhamentos ideológicos e partidários que tão nocivos ao interesse nacional demonstraram ser no passado. Interesse nacional cuja defesa ,nunca é demais dizê-lo, constitui sempre o primeiro motivo da actividade do Governo nesta matéria.
Toma-se particularmente gratificante verificar que a melhoria dessas relações políticas é sobretudo reconhecida, em palavras e actos, pelos países com os quais cooperamos. Símbolo evidente desse facto foi a realização, em Bissau, da primeira cimeira dos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos países africanos de língua oficial portuguesa e de Portugal, ideia que havia sido lançada há já bastante tempo, mas que nunca, até agora, tinha sido concretizada.
Não é também, certamente, por acaso que, num momento histórico em que profundas mutações tinham lugar, esses países procuraram auxílio junto de Portugal, que assim pôde apoiar, recentemente, as primeiras eleições realmente democráticas em Cabo Verde e em São Tomé Príncipe. Nem a nossa intervenção mediadora no conflito angolano teria sido possível se não fosse o paciente e por vezes imperceptível trabalho de criação de confiança que antecedeu a actuação visível nesse mesmo processo. Criada, assim, a indispensável estabilidade no relacionamento político, novas perspectivas se podiam naturalmente abrir ao desenvolvimento da política de cooperação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política portuguesa de cooperação, para além das considerações de fundo que orientam qualquer esforço de ajuda ao desenvolvimento, tem assentado em quatro ideias essenciais.
Em primeiro lugar, trata-se de um instrumento indispensável da acção diplomática, contribuindo de forma decisiva para a afirmação do nosso país no seio da comunidade internacional, permitindo-nos granjear o respeito generalizado dos nossos parceiros, pelo modo actuante e responsável como temos assumido como imperativo ético de solidariedade o auxílio ao desenvolvimento dos países e povos mais necessitados que vivem, com frequência, condições dramáticas que todos conhecemos.
Em segundo lugar, é um meio de reforçar os laços que nos unem aos Estados e regiões a que tradicionalmente nos encontramos mais ligados por motivos que a história e a cultura criaram e que a vontade dos homens alicerçou, muito em especial no que toca aos países africanos de língua oficial portuguesa. Se tradicionalmente a manutenção desses laços sempre foi uma prioridade da acção externa do Estado, hoje, perante as mutações aceleradas e de consequências imprevisíveis a que assistimos nas relações internacionais, torna-se ainda mais indispensável estreitar esses vínculos.
Com efeito, é nestes momentos de maior instabilidade que os países devem afirmar, reiteradamente, os elementos definidores da sua especificidade político-diplomática e geopolítica no plano internacional.
O nosso país está hoje envolvido profundamente no esforço da construção europeia e, precisamente nessa perspectiva, o reforço das nossas ligações a África é útil. Com efeito, a Europa, espaço tradicionalmente aberto ao relacionamento com outras áreas do mundo, não pode nem deve fechar-se sobre si própria neste momento crucial e a actuação de Portugal e de outros países comunitários com vocação extra -europeia é indispensável para contrariar uma eventual tendência exclusivista ,ou centrípeta no processo de integração.
Em terceiro lugar, a política de cooperação constituição um meio indispensável para o reforço, no plano externo, da acção dos agentes económicos portugueses, tendo em conta a necessidade da internacionalização da nossa economia. Há que ter sempre em mente que, no quadro da criação do mercado único europeu, se poderá naturalmente vir a assistir a uma especialização das economias dos diversos países em determinados sectores ou mercados. O nosso país terá assim de utilizar as suas armas específicas, uma das quais é, sem dúvida, o especial relacionamento com África, que tenderá naturalmente a contribuir para o aumento do seu peso relativo no quadro europeu.
Em quarto e último lugar, a política de cooperação tem partido da assunção clara e descomplexada de que é uma actividade que, dentro dos objectivos que visa obter, se deve nortear sempre pela necessidade de criar vantagens e benefícios para todas as entidades envolvidas, quer o pais dador, quer os países beneficiários.