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17 DE MAIO DE 1991 2577

Calculamos que os mais formalistas poderão argumentar: então, e a protecção constitucionalmente consagrada aos mesmos direitos ?
Conviria não esquecermos que os diversos direitos, previstos em abstracto na Constituição, poderão, conforme o circunstacialismo láctico, entrar em conflito entre si, e, nesse caso, terão de ser hierarquizados. E que a própria hierarquização a que terá de se proceder depende, substancialmente, da realidade láctica inerente a cada situação concreta.
Por exemplo, o n.º l do artigo 27.º da Constituição dispõe que «todos têm direito à liberdade e segurança». Ora, a posição relativa destes dois direitos será, certamente, encarada de forma diversa, consoante nos encontremos perante uma situação normal do nosso quotidiano ou perante a verificação de acidente grave, catástrofe ou calamidade. E, como é óbvio, as situações, previstas no artigo 4.º do diploma em apreço, quanto à liberdade de cada cidadão, não violam minimamente o direito fundamental consagrado constitucionalmente.
Assim, parece-nos assegurado o cumprimento das normas constitucionais, desde que, como consta do diploma em apreço, sejam tomados em conta, na aplicação das medidas excepcionais, critérios de necessidade, proporcionalidade e adequação aos fins visados, bem como se garanta expressamente o direito dos cidadãos a uma indemnização a calcular em função dos prejuízos efectivamente sofridos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos em face de um diploma que pode revelar-se fundamental em eventuais situações de catástrofe. Que, abordando matérias de organização do Estado e da sociedade, relacionadas, desde logo, com a salvaguarda de vidas humanas, deveria ser despartidarizado, gerando-se um consenso em volta dos seus princípios orientadores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tanto mais que os pontos de discordância constantes do mesmo poderão ser limados em sede de especialidade, para o que, desde já, manifestamos a maior abertura.
Se este espírito de boa-fé for partilhado por todos os elementos desta Câmara, o regime democrático português será dignificado e prestigiado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão que colocámos no início deste debate era clara: a de que, através de uns quantos artigos, que sinalizámos, o Governo adoptara uma técnica que violava a Constituição, criando uma nova situação de excepção limitativa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A esta questão pretenderam responder, em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado e, em segundo lugar, o Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa. Uma e outra resposta são, clara e absolutamente, inconvenientes. Vejamos: a distinção entre a declaração do estado de sítio e do estado de emergência e a «situação de emergência» é óbvia! Não há, da nossa parte, a mínima confusão quanto a isso, mas há uma confusão gravíssima da parte do Governo ao criar, conceptologicamente, uma figura que é a «situação de emergência» e, a partir dela, à margem da Constituição e da lei, adoptar mecanismos que são típicos do estado de sítio e do estado de emergência, ou seja, aquilo que nós provámos ser impossível na situação institucional e jurídico-vinculativa do País democrático em que vivemos.
Não é possível fazer extrair limitações dos direitos, liberdades e garantias da simples configuração de uma nova figura, chamada situação de emergência, Sr. Secretário de Estado! Um jurista sabe isso e o senhor tem obrigação de o saber...
O que acontece é que, nos artigos 4.º, 9.º, 14.º e 17.º, entre outros, há reais restrições, à revelia da lógica do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, que não é nada permissiva, e em conflito também com o estabelecido no artigo 19.º sobre o estado de sítio e o estado de emergência, bem como da legislação ordinária que subsidiariamente se aplica.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP):-Muito bem!

O Orador:-Não confundamos, pois, as realidades!
Que há conceitos diferentes, há! Que o Governo subtrai de um pretenso conceito novo situações típicas -e não pode fazê-lo! - do estado de sítio e do estado de emergência, constrangendo direitos, liberdades e garantias, é uma evidência! E eu espero que o Sr. Ministro da Administração Interna, quando há pouco proclamava, perante a Câmara, a disponibilidade para melhoramentos na redacção deste texto em sede de comissão, não deixe de ter este como primeiríssimo dos objectivos a trabalhar. Porque das duas uma: ou o Governo está de má-fé e pretende, de facto, decretar o seu próprio estado de sítio a bel-talante; ou o Governo está de boa-fé e tem de reconhecer que escreveu mal o que quis escrever e que, portanto, tem de ser emendado em comissão o que foi mal escrito.
Dou-lhe um exemplo perfeitamente categórico, Sr. Secretário de Estado. Quando se diz «sem prejuízo do disposto na lei sobre o estado de sítio e do estado de emergência» sabe-se perfeitamente que isto não é homologo de afirmar-como deveria, com mais rigor, afirmar-se! - «com inteiro respeito pelo disposto na lei sobre o estado de sítio e o estado de emergência». Não é homólogo! Qualquer hermeneuta sabe que não é e, portanto, o que aqui se prescreve é apenas uma possibilidade adicional de leitura sistemática de um documento que leva à perpetração de práticas revéis à estrutura constitucional e legal que impera neste domínio nobre das liberdades públicas e individuais.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Também não colhe o argumento da hierarquização de normas e de direitos invocado pelo Sr. Deputado José Puig pela simples razão de que os conflitos entre normas têm de ser positivamente dirimidos através de uma instância objectiva chamada lei e em conformidade com a lei fundamental. Eu não posso disponibilizar a um qualquer aplicador, a um qualquer governo, a um qualquer comité de ministros, a um qualquer conselho alargado a hipótese de, caso a caso, intervir sem regras naquilo que é, por definição, a área nobre da privacidade, dos direitos públicos, das liberdades.