17 DE OUTUBRO DE 1992 31
solos, pela diversidade e profusão do seu património natural e arquitectónico, pela diversidade genética e pela beleza paisagística que a morfologia favoreceu e à qual o Tejo está intimamente associado, foi durante décadas local escolhido para fixação da nobreza e das ordens religiosas e área de próspero desenvolvimento.
Uma preciosa herança que alia património cultural e natural à riqueza agrícola, a justificar razão maior não para travar o futuro e o desenvolvimento autónomo da região, mas antes assegurá-lo, respeitando o passado.
Mas vejamos qual a situação.
A agricultura, como suporte económico fundamental durante anos, faz indiscriminado uso de pesticidas e herbicidas, tentando assegurar um desenvolvimento agro-industrial e uma sobrevivência que manifestamente lhe escapa e o encerramento de algumas fábricas de tomate confirma e a que a reforma da PAC definitivamente porá fim.
O património natural não está melhor: a área verde tem invariavelmente dado lugar a manchas de eucalipto, brutalmente destruída que é por incêndios, que, em 1991, tomaram recordista um distrito onde o Estado se permite ter dívidas para com as corporações de bombeiros.
Os rios, embora componente imprescindível para o desenvolvimento, são quotidianamente agredidos, mal-grado promessas velhas de mios (e de que o Alviela é o exemplo máximo), estagnando toda uma zona que lentamente está a morrer.
O próprio Tejo está esquecido, assoreado que se encontra, perdida a navegabilidade, abandonadas as margens que lhe deram vida e sentido.
Mas, mais e ainda, os próprios vestígios da nossa memória colectiva, que o precioso património edificado representa, não são poupados, sendo confrangedor o estado do seu abandono.
Embora claramente definidas na Lei de Defesa do Património Cultural, as responsabilidades não são cumpridas: incentivos para privados não existem, verbas também não, e o próprio Estado quando intervém permite-se fazê-lo através dos departamentos governamentais de forma desastrosa. E fá-lo na própria cidade cuja qualidade e interesse do centro histórico reconhece, na cidade que pelo seu valor se reivindica e justamente candidatou a património da humanidade.
Os atentados são múltiplos. Lembrem-se, por exemplo, as obras de restauro do Convento do Carmo, onde está instalado o Governo Civil e onde se transformou o claustro em garagem, com porta basculante, ou a aberrante construção do museu na Junta Distrital no Bairro da Mouraria, em pleno Centro Histórico, a que nem um telhado de fibrocimento faltou.
A cidade é agredida; os pilares sobre os quais repousa estão abandonados, ameaça erosão e ruir por ausência de correcta florestação. Mesmo as colinas envolventes são invadidas por urbanizações que ferem o conjunto, desvirtuam o sítio, quebram a harmonia da paisagem.
E, como se tal não bastasse, o escândalo irrompeu maior esta semana: em pleno perímetro urbano, ousa-se arrasar uma colina de oliveiras, para - pasme-se! -, a escassas metros da zona habitacional e de uma escola, ampliar uma carreira de tiro.
O exército fala em 300 000 contos orçamentados para a obra e a perplexidade não pode deixar de existir quando tantas dificuldades se evocam em dispor de verbas para outros fins, esses de interesse directo para a comunidade e seu desenvolvimento harmonioso.
Santarém e o Vale do Tejo são possuidores de características excepcionais que garantiriam o seu desenvolvimento autónomo como região (na agricultura, no património natural e cultural). Bastaria tão-só recuperá-lo, reabilitá-lo, promovendo nomeadamente o turismo, respeitando a identidade cultural.
Fala-se e o Governo e o PSD usam e abusam do desenvolvimento sustentado como uma causa querida.
Importa agir nesse sentido e prová-lo! Fazer, pois, da região não mais um dormitório da Grande Lisboa, mas, numa perspectiva descentralizada, buscar novas soluções alternativas que seguramente existem.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a primeira vez, nesta Legislatura, que aqui estou, por isso permitam-me que saúde cordialmente todos os Srs. Deputados, o Sr. Presidente da Assembleia da República e a Mesa e todos os trabalhadores desta Assembleia.
Permitam-me também que vos coloque algumas questões de interesse regional, particularmente para a região por onde fui eleito.
Que pensam os Srs. Deputados de uma política de desenvolvimento regional e nacional que conduz, ano após ano, cerca de um terço do território nacional de um país à desertificação humana e económica, pondo em causa equilíbrios ecológicos e riquíssimos patrimónios culturais, referências da identidade cultural e colectiva dos que habitam essa região?
Que pensam os Srs. Deputados ao saberem que nessa imensa região a água é um recurso fundamental ao desenvolvimento e que, por generosidade da natureza, lá, corre um grande rio, que todos os anos despeja no oceano, sem qualquer aproveitamento, cerca de 5000 milhões de metros cúbicos de água - uma imensa riqueza?
Que pensam os Srs. Deputados, sabendo que, há mais de 20 anos, são feitos estudos após estudos, como que um escudo atrás do qual se têm escondido diversos governantes, para «sacudirem a água do capote», visto esses estudos apontarem, invariavelmente, para a possibilidade e a necessidade do aproveitamento e gestão desse precioso recurso?
Não, não estamos a falar da política de certos governos do Terceiro Mundo; estamos a falar de políticas de governos de um país, que é o nosso, e de uma região, que é o Alentejo.
O Alentejo, tal como o País, tem potencialidades e recursos suficientes para se desenvolver, mas onde os homens, as mulheres e os jovens são obrigados a partir, porque os que detêm o poder lhes têm negado a possibilidade de trabalhar e viver felizes, lá, onde têm as suas raízes existenciais e culturais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a hora de decidir, de decidir se permitimos que continue a ser votado ao abandono um terço do território continental de um país da Comunidade, que é o nosso, ou se, apoiando convictamente a construção do empreendimento Alqueva e o plano de rega do Alentejo, abrimos a esta região o caminho de um futuro de progresso e bem-estar.
O novo plano de desenvolvimento regional, no âmbito do novo quadro comunitário de apoio, está aí, a bater-nos à porta, e creio que seria uma grande desilusão para todos aqueles que ainda tem capacidade para ser, de facto, solidários e socialmente construtivos que o Alqueva estivesse de novo ausente do PDR, até porque os estudos recentemente encomendados pelo Governo, quer o relatório preliminar quer