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654 I SÉRIE - NÚMERO 19

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar início à ordem do dia, gostaria de dizer, se me é permitido, o seguinte:
Passam hoje 44 anos sobre a data em que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Lembro apenas o primeiro considerando da Declaração, o qual encerra uma tarefa inesgotável para Estados, sociedades e pessoas em todos os tempos.
Diz-se aí:

O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
E nesta lembrança incluo, de modo especial, todos os Estados e territórios onde se fala português, a começar por Timor, e aqueles onde seja mais urgente incentivar o reconhecimento efectivo dos Direitos do Homem.
Com a evocação do aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem estou, de alguma maneira, a dar início à continuação da discussão do tema da ordem do dia de hoje - o Tratado da União Europeia. Pois não é verdade que, culminando toda uma longa evolução da ordem jurídica comunitária, impulsionada sobretudo pelo Tribunal de Justiça, o Tratado da União Europeia reafirma solenemente a fé da Europa nova nos Direitos do Homem?
Com efeito, o n.º 2 do artigo F deste Tratado diz expressamente:

A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.

É este, como se sabe, um dos pilares da União Europeia agora na mira dos Estados ratificantes do Tratado de Maastricht.
Srs. Deputados, vamos agora dar início à ordem do dia de hoje, que consta da continuação da discussão da proposta de resolução n.º 11/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois de ontem termos debatido, talvez não com a impetuosidade e o calor de outros debates nesta Assembleia, depois de hoje ter ouvido uma pertinente crónica sobre um certo desinteresse e talvez menos calor existente neste debate, perguntei a mim próprio porque seria que tal acontecia, não obstante importantes intervenções que ontem aqui foram produzidas, quer pelo Governo, designadamente uma intervenção que considero riquíssima do Sr. Ministro das Finanças, quer também pelas bancadas que vão ratificar o Tratado, quer pelos próprios partidos que, na linguagem feliz do Sr. Primeiro-Ministro, se encontram nas margens deste Parlamento contrariando o Tratado. E a razão que encontrei para essa falta de calor radica-se nos debates já realizados desde há mais de um ano sobre a União Económica e Monetária e a União Política Europeia. Aliás, esta situação lembra-me a figura do jogador a quem o treinador manda aquecer e de tanto ter aquecido - neste caso em debates, conferências, seminários, mesas redondas, etc., etc. - quando chega ao jogo revela uma certa saturação. É talvez essa saturação, que não é a mesma coisa do que convicção, que eventualmente teremos mostrado em relação a esse Tratado que nos vai marcar, enquanto país europeu, nas próximas gerações.
Efectivamente, depois de muitos debates (que só alguns políticos com crises agudas de autismo teimam em ignorar), seminários, colóquios, conferências e mesas redondas em todo o País e após quase um ano (um ano menos um dia!) do histórico acordo na Cimeira de Maastricht, aqui estamos, como legítimos representantes do povo português, a ratificar o Tratado da União Europeia. Tratado esse que criará condições para colocar a Europa no nível cimeiro que teve durante séculos e séculos na história das civilizações. À Europa não se exigiu, durante todas essas épocas, necessidade de se definir, porque foi o resto do mundo, que os Portugueses ajudaram a conhecer, que se foi definindo em relação a ela.
Ora, o projecto de Tratado da União Europeia, cimentado pelo projecto da União Económica e Monetária, que, por sua vez, é a consequência lógica do Acto Único (aprovado em 1985 e assinado em Fevereiro de 1986), procura dar a resposta adequada à formidável aceleração que a história da Europa conheceu nos últimos anos, através de um duplo impulso. Por um lado, prossegue o já longo caminho da integração económica, iniciado há mais de 40 anos, baseado na ideia de um grande Mercado Único Europeu, mas, por outro, o Tratado alarga definitivamente o campo de acção europeu, para além dos campas económico, financeiro e comercial, explicitando bem a ideia de uma União Política Europeia, sem pôr em causa as identidades nacionais, nem adoptar o modelo federal.
Trata-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta construção de uma nova Europa, da substituição da visão tecnocrática pela visão social e democrática, sendo talvez isso o que mais apoquenta os que só compreendem Portugal (e a própria Europa) agarradas a saudosismos por glórias passadas que já não voltam, e que temem os desafios e as incertezas do futuro. Não é esse, naturalmente, o nosso campo!
Centremo-nos agora na parte do Tratado mais longamente preparado e com mais antecedentes concretos: a União Económica e Monetária. Esta União era prevista realizar-se, de acordo com o relatório do então primeiro-ministro luxemburguês Pierre Werner (1969/1970), para o início da década de 80 e que agora se prevê estar pronta no último ano deste século, seguindo um processo de realização em três fases (que não vos vou incomodar repetindo quais são) e cujas marcas mais visíveis serão a moeda única europeia, o Banco Central Europeu com grande independência, como vértice do futuro Sistema Europeu de Bancos Centrais, garante máximo da estabilidade dos preços e um severo sistema de vigilância e correcção mútuas quanto à convergência e disciplina financeira e orçamental de cada economia nacional.

O Sr. Duarte Lima (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Esta realização da União Económica e Monetária por fases implicará alterações institucionais em cada uma delas, impedindo os fracassos anteriores, pois tornará o processo da convergência nominal que cada Estado membro terá de cumprir nos próximos quatro anos num processo menos brusco, socialmente falando. Por outras