11 DE DEZEMBRO DE 1992 657
acto que assume uma relevância para com o destino do País, que só encontra paralelo, desde o 25 de Abril, na descolonização e na adesão à Comunidade Económica Europeia.
Essa responsabilidade está associada a dois factos que marcam e condicionam decisivamente a nossa decisão. Por um lado, é-nos proposto que aceitemos uma dramática alteração do quadro de dependências, poderes e hierarquias em que a nossa comunidade nacional se situa e, por outro, é-nos dito que a margem de decisão que a dinâmica dos factos nos concede é praticamente nula. Ou seja, na história mais recente de Portugal não se encontra momento de uma opção tão importante e, ao mesmo tempo, sujeita a tanta violência.
Para a substância da decisão todos somos chamados a formular resposta. Pela nossa parte, não nos furtamos à responsabilidade, mas ninguém poderá contar connosco para abstrair ou ajudar a escamotear a pressão envolvente a que todos lemos sido sujeitos, e de que alguns, entre nós, têm sido prestimosos intérpretes, quando a dignidade nacional exigiria menos diligência e mais pudor, menos interiorização da chantagem e mais sentido de Estado.
A este respeito não se pode fazer outra coisa senão falar claro. Os que conduzem o processo, e que manifestamente não são portugueses, estariam de tal modo empenhados nesta mudança que prescindiriam da unanimidade e, consequentemente, amputariam a Comunidade dos pequenos países que à mudança não aderissem. A ser assim, como constantemente nos repetem que é, não ratificar Maastricht significaria simplesmente sair da Comunidade. A seguir, formula-se o corolário tão lógico quanto inadmissível: contestar Maastricht será o mesmo que estar contra a Europa. Não denunciar esta conclusão seria aceitar o carácter abjecto da premissa. Mas nem por isso se deixou, internamente, de brandir esta indignidade como um suposto «argumento», quando, de facto, nunca passou de um sintoma de subjugação.
Aceitar decidir à luz dessa chantagem, Srs. Deputados, teria implicações incontornáveis para o nosso debate. Uma, a mais definitiva, é a de que não fará então sentido perder tempo a debater os méritos do Tratado da União Europeia, devendo a atenção concentrar-se apenas sobre os custos para nós da não ratificação pela nossa parte. Restar-nos-ia, assim, quedarmo-nos a reflectir sobre as limitações da nossa autodeterminação.
Com os que, de boa-fé insistirem que não podemos realisticamente deixar de pesar as consequências de um voto negativo, não apenas para nós mas também para a construção europeia no seu conjunto, haverá que discutir sobre de quem será a responsabilidade dessa associação de destinos entre um tratado e a própria Comunidade. A este respeito já ninguém pode, honestamente, continuar a negar que a responsabilidade das consequências de um eventual recuo da ideia europeia recairá sobre os que adoptaram a estratégia do tudo ou nada para fazer passar o Tratado a todo o custo. Consequências publicamente associadas às dificuldades que se amontoam à volta do financiamento da Comunidade e dos instrumentos de solidariedade e desenvolvimento, cuja viabilidade está em causa e que foram indevidamente associados à ratificação do Tratado.
Com efeito, o que ganhámos nós, portugueses, em ligar a ratificação do Tratado de Maastricht as perspectivas financeiras contidas no Pacote Delors II e à duplicação dos fundos estruturais? Comprometer os países contribuintes da Comunidade a essa duplicação? Convencer os Portugueses de que Maastricht é imprescindível para as ajudas ao desenvolvimento? Provavelmente procurava-se obter os dois efeitos. A conclusão é a de que o efeito propagandístico era abusivo e a de que o compromisso era ilusório. A verdade é que a transferência de recursos para os países mais atrasados da Comunidade nunca poderá ser encarada como um esforço dos países ricos a exigir contrapartidas políticas dos países pobres. Essa transferência é, antes, uma exigência do Mercado Único já acordado, pois sem ela funcionarão, sem qualquer correcção ou compensação, os mecanismos automáticos de acentuação dos desequilíbrios, com os quais a Comunidade não poderá subsistir e alargar-se.
A associação entre fundos europeus e evoluções na esfera política, acompanhada da estratégia do tudo ou nada, é inimiga dos nossos interesses e põe desnecessariamente em risco os verdadeiros progressos que se podem conseguir para a União Europeia.
A inviabilização parcial dos instrumentos de solidariedade, que no discurso governamental foram sempre associados a Maastricht, somada à inexequibilidade, assumida pela maioria, do calendário da União Económica e Monetária transformam a aprovação deste Tratado num misto de um salto no desconhecido com um verdadeiro salto no vazio. No desconhecido, pois ninguém pode prever qual o ajuste à realidade dos instrumentos da união política que suscitam. É hoje inegável a desconfiança maioritária, seja passiva seja militante, dos cidadãos dos Estados membros. No vazio, uma vez os passos em favor da união económica, pressuposto essencial da união política, estão a bater numa parede ainda antes de entrar em vigor.
É caso para perguntar, Srs. Deputados, se valeu a pena a mobilização de tanta intolerância em favor deste Tratado. Uma intolerância e uma intransigência que puseram de lado, repetidamente, aquilo que colocou a Europa Ocidental como modelo para os países que buscam o desenvolvimento e a democracia, ou seja, a nossa diferença específica, a nossa determinação de cooperar para o desenvolvimento sem nunca pôr em causa a liberdade e a concertação. Com que ligeireza se quebrou a regra da unanimidade, com que facilidade veio ao de cima a hierarquia dos Estados, com que fúria se excluiu qualquer possibilidade de negociar para obter a aprovação de todos, com que rigidez os adeptos da federação recusaram aceitar um dado do presente, a impossibilidade dos Estados Unidos da Europa no futuro que se pode perspectivar. Experimentados governantes, direcções partidárias responsáveis, quantos se juntaram a sacrificar regras democráticas elementares na vida política europeia no altar de um projecto descompassado da vontade dos povos da Europa. O voluntarismo não justifica tudo. Sobretudo não justifica que se dêem passos no sentido da imposição de um modelo no mesmo instante em que a maioria dos cidadãos do continente dá sinais de não estar, de modo nenhum, preparada para o aceitar.
A ideia de que o federalismo é um objectivo já adquirido da construção europeia é uma forma intolerável de tentar tornear o indispensável debate democrático sobre o tema Diz-se, por exemplo, que as democracias cristãs da Europa estão globalmente comprometidas há muito tempo com esse objectivo político. Não estão! Bom seria que se enumerassem os casos em que esse objectivo político já tenha sido claramente exposto e sufragado pelo eleitorado de cada partido. Não o foi na maioria dos casos! Se é assim com as democracias cristãs, o mesmo se passa com a generalidade dos partidos, com a excepção notória do