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992 I SÉRIE - NÚMER0 27

çam hoje no mundo do trabalho largas centenas de juristas por ano, muitos deles com uma qualidade de formação reconhecidamente insuficiente. A grande maioria destes juristas procura, como é evidente, o acesso à advocacia. Criou-se, assim, uma situação insustentável a nível do estágio de advocacia.
O estágio, tal como era concebido, pressupondo uma estreita relação profissional entre o patrono e o estagiário e possibilitando aquela aprendizagem prática que nenhuma faculdade pode facultar, entrou em crise. São hoje cada vez mais os estágios por correspondência e os estagiários entregues a si próprios, que são chamados a desempenhar, no entanto, um papel determinante no patrocínio oficioso de cidadãos de menores recursos. Com a actual situação, não é apenas o futuro profissional dos jovens advogados que é posto em causa, mas também o acesso à justiça de muitos cidadãos.
É inconcebível que, perante tais problemas, o Governo reincida na apresentação de uma proposta de autorização legislativa sobre matéria relativa ao acesso à advocacia em Portugal fingindo ignorá-los. Sobretudo, quando tão graves problemas resultam das opções irresponsáveis que os sucessivos governos do PSD têm tomado em matéria educativa, concretamente em relação ao ensino superior. Em vez da estratégia que seria necessária de alargamento e de diversificação do ensino superior público, os governos PSD têm optado pela sua restrição, autorizando, no entanto, o funcionamento indiscriminado de cursos de Direito numa boa dúzia de universidades privadas, sem cuidar de saber se essas escolas reúnem um mínimo de condições de qualidade para que os respectivos licenciados possam exercer condignamente as profissões inerentes aos diplomas que o Estado Português lhes reconhece.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Confrontados com a incompatibilidade entre a capacidade de resposta do sistema de ensino superior e o número de candidatos à sua frequência, os governos PSD não optaram pelo que seria racional e imperioso: investir no ensino superior público, promover a sua diversificação e aumentar a sua capacidade de resposta. Não! Os governos PSD preferiram propagandear o alargamento do ensino superior incentivando o aparecimento de universidades privadas e provocando um autêntico boom de cursos de Direito ou de Gestão de Empresas e mantendo situações de carência em outras áreas formativas. É esta a opção irresponsável que hoje estamos a pagar e cuja consequências o Governo não se preocupa sequer em minorar.
A proposta de lei que hoje apreciamos, na sequência, aliás, da anterior, passa por todos estes problemas como gato sobre brasas, para fugir, obviamente, às suas pesadas responsabilidades. Limita-se, assim, o Governo a solicitar à Assembleia da República uma autorização legislativa para determinar que seja a Ordem dos Advogados a resolver por si o problema em sede de aprovação do regulamento de inscrição dos advogados.
Em suma: o Governo solicita autorização para lavar as mãos do assunto. Pela nossa parte, entendemos que nem o Governo nem a Assembleia da República podem alhear-se deste problema.
Na V Legislatura, o Governo propunha que a possibilidade de inscrição na Ordem fosse sujeita à prestação de provas de aptidão, não apenas por advogados estrangeiros, mas também por advogados nacionais. Agora, a pro-

posta de lei não é taxativa, mas, com a fórmula adoptada, não exclui essa solução.
Entendemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que essa solução não é aceitável. Desde logo, porque o problema da formação de juristas não é resolúvel no âmbito da Ordem dos Advogados ou do estágio de advocacia, mas no âmbito das faculdades de Direito e do ensino do Direito em Portugal. Não é aceitável que um cidadão licenciado ou mestre em Direito por uma universidade portuguesa seja obrigado a prestar provas sobre matérias leccionadas no curso que já possui. Dir-se-á que as faculdades de Direito não formam para a advocacia e que os conhecimentos adquiridos no estágio poderão ser aferidos. Dir-se-á também então que as faculdades de Direito não formam hoje menos para a advocacia do que formavam ontem e, se o estágio é feito hoje em piores condições pela grande maioria dos estagiários do que ontem, menos legitimo se torna exigir a prestação de provas sobre conhecimentos adquiridos em condições crescentemente deficientes.
O que está em causa não se resolve pela imposição de obstáculos administrativos a impor no acesso à advocacia que façam lembrar o numerus clausus ou a defunta prova geral de acesso ao ensino superior. Resolve-se, seguramente melhor, equacionando em termos inovadores todo o regime de estágio e acesso à advocacia, assegurando à generalidade dos estagiários um acompanhamento que crie melhores condições para a sua inserção e desempenho profissional.
A Ordem dos Advogados terá aqui um papel primordial, mas não poderá ser a Ordem só por si a assegurar estas condições. 15to exige meios e legislação específica que está por elaborar.
O Grupo Parlamentar do PCP entende que a presente proposta de lei, reabrindo o debate sobre o Estatuto da Ordem dos Advogados, constitui uma oportunidade para equacionar em termos substantivos a questão do estágio e das condições de acesso à advocacia que não deve ser desperdiçada. O PCP tem ideias e propostas sobre a matéria que ainda não há muito tempo aqui foram debatidas e dispõe-se a colaborar activamente para encontrar as melhores soluções.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Se a proposta de lei do Governo é questionável no plano dos factos, também o é no plano do direito, sendo fundadas as dúvidas sobre a sua constitucionalidade. O acesso à profissão é matéria de direitos, liberdades e garantias, as restrições que lhe sejam impostas constituem reserva relativa de competência da Assembleia da República. O mesmo se diga do Estatuto das Associações Públicas.
A Assembleia da República pode autorizar o Governo a legislar sobre a matéria, mas é muito mais duvidoso que possa autorizar o Governo a, por sua vez, autorizar outra entidade a regular matérias que, substantivamente, se encontram no âmbito dessa reserva de competência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face ao exposto, entendemos que a solução mais conveniente para a presente proposta seria a sua baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com vista à ponderação mais cuidada de questões complexas que a proposta suscita e sobre as quais é, de facto, importante legislar.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.