19 DE FEVEREIRO DE 1993 1469
lho da Europa, das Nações Unidas e também das Comunidades Europeias.
Há também convenções sobre o valor das sentenças penais, para já não falar da extradição - que é aquela matéria que tem mais solidez e consistência, muito mais clássica e tradicional -, do auxílio judiciário e da vigilância de pessoal, entre outras. Este é um sector importante desse direito e penso que, boje, poderíamos chamar já a este acervo de convenções um direito processual penal internacional ou, melhor dito, um direito da cooperação judiciária penal internacional, designadamente no âmbito europeu e no do Conselho da Europa.
Naturalmente que se trata de exigências que tem a ver não só com a mobilidade e a maior facilidade de comunicação de meios tecnológicos existentes, boje em dia, mas, por vezes, também com as novas formas que a criminalidade assumiu nos últimos tempos: a criminalidade organizada, o crime económico, as redes de narcotráfico e as redes mafiosas que, infelizmente, pululam nos países da Europa e não só.
Este direito, tem-se construído, por um lado, nos acordos bilaterais entre Estados, como ainda há poucos minutos o Sr. Secretário de Estado referiu. Aliás, Portugal tem celebrado algumas, designadamente com países de expressão oficial portuguesa, infelizmente - e aí compreende-se que assim seja - sem que se tenha podido até agora dar muita execução a esse tipo de acordos, por razões de todos conhecidas.
A partir de 1991 e da publicação do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de, Janeiro, passámos a ter um instrumento da ordem jurídica interna que nos permitiu receber, nessa ordem jurídica, este acervo convencional da cooperaçâo judiciária europeia. A Convenção que boje aqui analisamos coloca-se nesse âmbito e, naturalmente, tem a ver com esse decreto-lei que acabei de referir e a que ela dedica largos artigos, prevendo já, em termos que se aproximam muito dos da Convenção - cujo texto já, na altura, era conhecido -, a forma e as condições para a execução das sentenças penais estrangeiras.
Efectivamente, é verdade que o objectivo fundamental desta Convenção é permitir que a execução das penas se faça num ambiente propício à reinserção social dos condenados. É óbvio que essa reinserção social se fará muito mais facilmente se for possibilitado aos cidadãos estrangeiros que tenham sido condenados em Portugal, cumprirem a pena perto do seu meio familiar, usando a sua língua e inseridos na sua comunidade própria.
Estes são princípios óbvios que condicionam a reinserção social o é este, portanto, um dos objectivos fundamentais desta Convenção. Por outro lado, como há pouco disse, todo o nosso sistema penal, desde a publicação do Código Portal - agora já meio «defunto» -, do Código de Processo Penal e da criação do Instituto de Reinserção Social, que os acompanhou de perto, está imbuído de uma filosofia de reinserção social, que se traduz a vários níveis.
Traduz-se, desde logo, na medida da pena e vamos ver em que medida o novo Código Penal vem, em certas matérias, retrogredir neste campo, ou se se justificará - o que não estou, neste momento, a discutir - o agravamento de penas nalgum tipo de crimes.
Traduz-se na acentuação das medidas alternativas à pena de prisão, que são tratadas no nosso Código Penal com grande profundidade e grande extenção, como, porventura, acontece em poucos códigos penais europeus.
Traduz-se na existência de um acompanhamento necessário a pré-julgamento, designadamente na elaboração dos relatórios pré-sentenciais, para se debruçar sobre a personalidade do arguido, elemento importantíssimo para a apreciação da prova e para a própria medida da pena.
Traduz-se na introdução, em Portugal, da clássica probation, através do regime de prova instituído a partir dessa legislação básica do nosso sistema penal, e traduz-se, finalmente, como já disse, na criação do Instituto de Reinserção Social, que veio abrir a via para que tudo pudesse ser posto em prática.
Naturalmente que estes princípios e estes valores da reinserção social devem ceder perante princípios constitucionais que tenham, porventura, dignidade superior. É o caso de vários dos princípios que, em matéria de penas, a nossa Constituição consagra, designadamente quanto aos limites das penas (artigo 30.º), quanto à aplicação da lei criminal (artigo 29.º), quanto às condições de extradição (artigo 33.º), etc., etc. São princípios constitucionais que muito nos honram, que tornam a nossa Constituição penal uma das mais ricas da Europa, porventura, talvez até a mais rica e a mais profunda, e de que não poderemos abrir mão em relação a tudo que diga respeito ao direito convencional e ao direito internacional.
Daí, portanto, que tenhamos de analisar esta Convenção à luz dessa Constituição penal e desses princípios constitucionais, que, no fundo, balizam e fundamentam o nosso sistema penal.
Ora, desde logo, a Convenção tem condições apertadas para a execução de sentenças num país de execução diferente do país de condenação, mas que se compreendem e que, em boa parte, já foram citadas por V. Ex.ª São elas: o consentimento do condenado, o acordo do Estado de condenação e do Estado de execução, o carácter definito da sentença e, finalmente, o problema da nacionalidade. Ou seja, só é permitido que o Estado de execução seja diferente do Estado de condenação, quando a nacionalidade do condenado corresponder à do Estado de execução.
Desde logo, este conjunto de condições, que vêm enunciadas no artigo 3.º da Convenção, constitui um acervo, já relativamente apertado, que nos permite dizer que há uma certa cautela em pôr em marcha um sistema que se pode considerar ao arrepio do sistema clássico. Porventura, se estivéssemos a falar há umas dezenas de anos, seria impensável que um Estado admitisse que alguém condenado na sua jurisdição pudesse cumprir pena num Estado diferente.
A propósito da nacionalidade, penso que - e V. Ex.ª referiu esse problema - poderemos até, mais tarde, avançar um pouco mais para além da nacionalidade, como, aliás, vem referido no parecer da Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, não com este sentido de se dever avançar mais mas porque se trata de uma questão que se colocará, porventura, no futuro.
De facto, penso que, mesmo que não haja uma nacionalidade correspondente à do Estado de execução, poderá haver uma residência habitual ou outros indícios de vida habitual, com um mínimo de anos de estabilidade, que poderão conduzir-nos a admitir, no futuro, que cidadãos portugueses, por exemplo, que residem em Franca ou noutro país de emigração, pois é sabido que somos um país de emigração - e esta Convenção, ao contrário da generalidade das convenções do Conselho da Europa, está aberta à assinatura de Estados fora do Conselho da Europa, desde logo aos Estados Unidos e Canadá, que participaram na sua elaboração e por isso estão compreendidos nos Estados que a ela podem aderir -, teriam grande vantagem se lhes fosse dada a possibilidade de puderem cumprir pena