2428 I SÉRIE - NÚMERO 76
nal, com a grande vantagem de permitir que depois, na eventualidade de haver uma acção contenciosa subsequente, ela seja notavelmente robustecida e enriquecida com uma informação de que de outro modo não podia dispor.
Outra observação, suscitada pelo projecto de lei do PS, diz respeito a matéria das particularidades processuais em que a acção popular deverá ficar submetida, de acordo com o projecto. Aí, fundamentalmente, para além das questões que há pouco referi acerca das incertezas quanto à definição dos interesses difusos, o outro problema que se coloca é o da definição dos poderes do juiz e da parte e dos parâmetros sobre os quais o juiz deve decidir, isto é, de acordo com a opção feita no projecto, o predomínio dos juízos de equidade sobre os juízos de direito estrito.
Parece-nos que, com o grau de generalidade com que o projecto a regulamenta, essa é uma matéria difícil de se poder aplicar em processo penal e, por outro lado, também é difícil que ela seja, sem mais, aplicável em processo civil e, mesmo no que respeita ao processo contencioso administrativo, suscitam-se fortes dúvidas a esse respeito. Em qualquer caso, é uma questão que deverá ser objecto de dilucidação mais aprofundada.
Um último aspecto a referir quanto ao projecto de lei apresentado pelo PS diz respeito ao capítulo m (Reparação de danos), onde naturalmente se sentem as consequências das dificuldades na identificação do que sejam os interesses colectivos dos interesses difusos dos seus titulares e, portanto, dos titulares dos direitos de indemnização resultantes da violação desses interesses.
Relativamente ao projecto de lei apresentado pelo PCP, já há pouco referi as suas características principais, a dúvida que suscita quanto à maneira como é deferido ao Governo um pedido para regular a matéria, o qual me parece não revestir as características necessárias de uma autorização legislativa.
Por outro lado, há sugestões interessantes quanto a outros domínios em que a acção popular possa ser aplicável para além daqueles que são enunciados exemplificativamente no artigo 52.º, n.º 2, da Constituição.
Termino, dizendo que, em ambos os pareceres da Comissão de que fui relator, se salienta o esforço meritório que é realizado e que a ocasião do debate na generalidade deve ser dominada pela preocupação de ser uma oportunidade para avançarmos neste capítulo e, portanto, para não darmos qualquer sinal negativo quanto à necessidade de o legislador ordinário se ocupar da matéria.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, já no âmbito da discussão na generalidade, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já tive oportunidade de, em dois anteriores momentos, justificar a necessidade de darmos cumprimento à incumbência constitucional de revelarmos os termos e os casos em que, segundo a Constituição da República Portuguesa, pode ser exercido por «todos», pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular. Fi-lo no pormenorizado intróito da proposta de lei de que fui autor e na defesa na generalidade de uma proposta paralela que aqui foi discutida na anterior legislatura, proposta paralela, mas não inteiramente igual, visto que, na sua nova versão, tomei em conta sugestões e reparos que considerei justificados.
O destino do anterior projecto de lei é conhecido: baixou à comissão competente sem votação, a solicitação da maioria e na comissão jazeu silencioso até que o fim da legislatura o fez caducar. Foi manifesta a falta de vontade política da maioria para a converter em lei.
Desculpar-me-ão os Srs. Deputados que, em certa medida, dê o assunto por discutido e que tenda a resumir a situação presente à questão de saber se a maioria persiste na sem-vontade de então ou se, entretanto, deliberou empenhar-se em dotar o País de um relevantíssimo instrumento de participação democrática, que a acção popular na sua essência é.
Pela minha parte, aceito que os Srs. Deputados da maioria me digam que sim ou que não. É vosso direito contribuir para pôr de pé o instituto da acção popular ou, pura e simplesmente, frustrar esse dever constitucional, deixando que perdure - como noutros casos de nós bem conhecidos - mais uma chocante situação de inconstitucionalidade por omissão. Podemos fazer isso sem vós, se o vosso voto for de abstenção. Não podemos fazê-lo contra vós.
O que eu compreenderia mal era que de novo se caísse num «encanar a perna à rã», no «nem sim nem não», na espera desesperante de um novo dia de «São Nunca»...
Reconheço que não se trata de matéria fácil, nem de percorrer caminho feito. Sei isso melhor do que ninguém porque enfrentei sozinho, com o frágil apoio do direito comparado, escasso neste domínio, as dificuldades de quem inova, mas quero dizer-vos que, na minha já longa saga de legislador, nunca deparei com tarefa mais apaixonante nem desafio mais tentador. Fiz apelo a toda a minha capacidade criativa, que é pouca, e, se me perdoais uma pequena vaidade, a que por hábito não sou propenso, terminei convencido de que, sem ter produzido obra acabada, fui capaz de pôr ao vosso alcance, à espera das vossas correcções e achegas, não um ponto de chegada mas algo mais do que um ponto de partida.
Dispomos ainda - seria injusto esquecê-lo - do contributo de um projecto de lei da iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP. Embora concebido segundo uma óptica mais administrativa e procedimental e com intencional fuga às principais dificuldades, relegadas para posteriores leis especiais, é um contributo positivo e válido, sobretudo na medida em que comporta, em relação àquele de que fui autor, complementaridades e até extensões dignas de registo e consideração.
Chegou a ser-nos anunciada uma iniciativa do Grupo Parlamentar do PSD, a cargo do sapiente Rui Machete. Confesso que a aguardei com justificada exaltação - da qualidade do autor só poderia sair produto altamente qualificado.
Por razões que respeito, não terá sido possível uma formulação a tempo, o que mal se compreende depois de tão longa e reiterada espera, mas é seguro o estudo por ele feito desta matéria. Acabo de vê-lo confirmado no relatório da 1.º Comissão, de que foi relator o mesmíssimo e sapiente Machete.
Aí se qualifica o meu projecto (como aliás o do PCP) de «trabalho parlamentar sério, que dignifica esta Assembleia». É muita bondade. E as dúvidas, os reparos e os senãos encontrados são outros tantos estímulos ao desafio que a Constituição nos coloca. Aceitamo-lo ou dissolvemo-nos em auto-avisos de prudência? Repete-se a história trágico-reticente da obrigação constitucional de instituir as regiões administrativas?
Sobre a seca consagração constitucional do reconhecimento do direito de acção popular, já constante do texto