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30 DE JUNHO DE 1993 2859

que o que porventura resta de mais preocupado com a ideologia no PS ande a querer amarrar o Secretário-Geral a arrepiar caminho «pela esquerda».
A saga do Partido Socialista e do seu líder seria uma verdadeira via-sacra sem Além não fora aquilo que, de quando em vez, lhe empresta um suplemento de alma, lhe dá algum sentido de missão, lhe suscita um instante galvanizador.
Estou, obviamente, a pensar nos momentos - fugazes, mas empolgantes - em que o Partido Socialista se reencontra com a sua história, redescobre a sua via laica de Damasco, se identifica com o seu princípio e o seu fim. Ou seja, quando o seu fundador e chefe inesquecível, agora Presidente da República de Portugal, fala, almoça, franze o sobrolho, dá um qualquer sinal de rumo ao dever nacional.
Aí sim, o Partido Socialista reúne-se e apoia, agita-se e aplaude, glosa e aprofunda, forma quadrado e defende. Sobretudo se as palavras, os gestos, as acções ou até as omissões são lidas por terceiros como invectivas, críticas, reparos ou mesmo indirectas ao Governo.
Dizem os analistas que uma frase presidencial quer significar angústia pela obra por fazer, desencanto pelo pouco realizado, incentivo à humildade e à autocrítica? O PS rejubila. Confidenciam os amigos convidados a almoçar que o Presidente da República pondera cenários, discute dissoluções, equaciona demissões? O PS defende o direito à intimidade da vida gastronómico-político presidencial. Ou vai mais longe e secunda essa chamada de atenção implícita ao Governo.
Encontram certos observadores uma frase de Belém, atribuída a Belém ou próxima de Belém, que pode querer dizer preocupação pelo monolitismo governativo, pelo excesso de estabilidade, pela monotonia no poder, pelos riscos alegados de definhamento do pluralismo? Salta o PS a emprestar o seu apoio ao dito, à sugestão, à afirmação em causa.
E então se alguém ousa, ao abrigo do pluralismo democrático, dizer da actuação presidencial um décimo daquilo que o Dr. Mário Soares, desassombradamente, disse do seu antecessor, ao ponto de demitir-se da liderança do PS para não ter de avalizá-lo eleitoralmente, aí os socialistas clamam por instabilidade institucional, ataque à instituição presidencial, quase crime contra segurança do Estado.

Aplausos do PSD.

No fundo, a única causa que dá sentido à sua luta, que os arrebata, que os anima, é o apoio ao seu antigo líder, convertido em sucedâneo da liderança que lhes falece, ou mais do que isso, funcionando psicologicamente para os próprios como o seu verdadeiro chefe político, como o chefe da oposição em Portugal.
Perante este panorama, como não recordar o mito grego de Édipo?
Laio - rei de Tebas e seu pai - abandonou-o, ao saber da profecia de que o seu filho haveria de matá-lo.
Édipo ouviria também do oráculo o presságio de que assassinaria o seu pai e casaria com a sua mãe. Por isso viveria no temor constante de guerrear e de comprometer-se. Até que, por não reconhecer Laio, o matou, desvendou o enigma da Esfinge, casou-se com a sua mãe, Jacasta, e tornou-se o rei de Tabas. E caro veio a pagar a maldição de que foi vítima.
Quem sabe se o drama do Secretário-Geral do PS - ele que durante a liderança partidária do fundador mais depressa foi marginalizado do que visto como delfim - não é o de já ter ouvido o presságio do oráculo mas o de temer a morte do pai político-partidário pelos dramas que imagina que dela decorreriam.
Vai, assim, fugindo de cruzamentos perigosos, colando-se à sua presença e à sua voz, recebendo das suas mãos, a coma-gotas, o presente de mais uns tempos de benção política e de paz interna, até porque, ao contrário da narrativa grega, sabe quem ele é, o que vale e o que conta no seu partido.
É certo que aquela narrativa nos não diz o que sucederia se Édipo não matasse Laio. Depreende-se dela, no entanto, que Édipo nunca chegaria a rei de Tebas. É este o drama de Secretário-Geral do PS e, por extensão, do seu partido.

Aplausos do PSD.

Ou se autonomizam da tutela espiritual e política constante do «pai», que não deixa florescer qualquer liderança forte num terreno que foi e é seu por fundação e sentido de identificação, ou continuam, como o têm feito, a viver (ou a morrer) à sua sombra, agindo sempre a reboque, como seu aposto ou continuado, sem liderança própria, sem iniciativa política estratégica, sem coerência de actuação.
O drama do PS e do seu líder lembrou-me o de Édipo.
O cerne da questão é sempre o mesmo - e, tudo indica, sê-lo-á até 1995.
Só que Portugal e os portugueses não podem parar e ficar à espera que os sucessivos líderes socialistas cortem o nó górdio que representa o grande denominador comum da sua causa.
O Sr. Engenheiro António Guterres é, em tantas facetas da sua personalidade, um homem com qualidade. O Partido Socialista foi, desde a sua criação, há vinte anos atrás, um factor muito importante da luta pela liberdade, pela democracia e pela injustiça em Portugal.
Que pena é ver um homem com qualidade e um partido com história acorrentados a um dilema paralizante.
Optaram por resignarem-se a seguir o fundador e chefe perene e não conseguem reconhecer-se em mais ninguém senão nele. Mas, ao mante-lo como a única grande referência viva e mobilizadora recusam-se a enfrentar o futuro, a abandonar uma postura conservadora, a entronizar um novo líder liberto de fantasmas, de hesitações constantes, de inseguranças permanentes.
Que pena é, ao fim de oito anos de oposição, sem responsabilidades de governo, de escolhas, de impopularidades, ouvir o Secretário-Geral do PS afirmar, alto e bom som, ainda não há uma semana: «Se daqui a dois anos o PS estiver como está hoje, não terá hipóteses.» É de cortar o coração, mesmo ao adversário mais empedrenido ou contumaz. Se dez anos não chegam para porem ordem na sua casa, de quanto tempo precisam ainda os socialistas para estarem prontos a arrostar com a missão, bem mais complexa, de governar Portugal?
Que este longo tempo de vésperas termine, que os socialistas se reencontrem e que enriqueçam, numa oposição forte e crível, a saudável dialéctica democrática. Este é o meu sincero desejo, de democrata e de portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Almeida Santos, Eurico Figueiredo, Jorge Lacão e Alberto Costa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, as minhas homenagens. Tenho de reconhecer que a Sr.ª Deputada